Foram dois dias, apenas dois dias, que levaram uma então bem-sucedida marca brasileira a ter sua imagem manchada por um longo tempo (ou, talvez, para sempre). Parece que a Arezzo, entre outras empresas, ainda não se deu conta do poder real das redes sociais, como o Twitter, o Facebook e o Orkut. A informação corre rapidamente: se falar já foi um ato comparado a soltar palavras ao vento, ‘tuitar’ é largar as mesmas palavras no olho de um furacão. Mais chocante que o fato de uma empresa do porte da Arezzo optar por usar peles verdadeiras para uma coleção de inverno em pleno ano de 2011 – como se fôssemos todos homens das cavernas e precisássemos matar animais para nos vestir –, foi o total despreparo da companhia para lidar com a situação.
Vamos supor que, no mínimo há 12 meses, possa ter ocorrido uma reunião na Arezzo para discutir o lançamento de sua coleção de inverno para este ano. O próprio dono da empresa, ao tentar defender a campanha ‘Pelemania’, afirmou que o uso de peles vinha como uma ‘forte tendência’ no mundo da moda. Talvez ele tenha acompanhado o noticiário de moda pela metade, ou tenha sido mais uma vítima do chamado ‘ouvido seletivo’: o que se viu há quase dois anos na temporada de moda de inverno em Paris e Milão foram protestos enfurecidos de ativistas do Peta e de outros grupos defensores de animais contra o uso de peles. Muitas empresas cederam ao clamor popular e passaram a usar tão somente materiais sintéticos, que já imitam com perfeição a beleza o conforto das peles naturais.
Globalização e sustentabilidade
A própria über model Gisele Bündchen foi alvo de um desses protestos em 2002. A top brasileira foi escolhida para estrelar a nova coleção de casacos negros de mink chamada Blackgama. O Peta não perdoou: em pleno desfile de outra marca – a badaladíssima Victoria´s Secret –, uma ativista interrompeu os passos de Gisele ostentando um cartaz onde se lia ‘Gisele, fur scum‘. Numa tradução literal, Gisele foi chamada de ‘escória coberta de pele’ quase dez anos atrás. Ou seja: polêmicas sobre o uso de pele de animais na moda não são exatamente uma novidade…
Por isso, é no mínimo de um amadorismo atroz o fato de a equipe de criação da Arezzo, e depois o departamento de marketing, não terem levado em conta que haveria a possibilidade de sua nova coleção – com aquele nome discutível de Pelemania, num mau gosto incompatível com o mundo fashion – gerar uma polêmica sem precedentes na indústria da moda no Brasil. Talvez a empresa de Alexandre Birman não tenha levado em consideração alguns fatores fundamentais no mundo de hoje: globalização e sustentabilidade.
O que acontece na Europa hoje, será assunto aqui no Brasil em poucos minutos, seja no Twitter, seja no Facebook, ou mesmo na televisão. Ninguém mais sofre do mal da falta de informação: ela está ao alcance de qualquer um que tiver uma conexão com a internet. Além disso, os mesmos jovens adultos classe média alta que formam a clientela das inúmeras lojas Arezzo espalhadas em shopping centers do país votaram em Marina Silva nas última eleições para presidente e usaram as redes sociais para angariar votos para a candidata do Partido Verde.
Consciência ecológica
O que isso tudo significa? Muito simples: afora meia dúzia de patricinhas metidas a Cruela Devil – aquela personagem da Disney que raptou 101 Dálmatas para fazer um casaco de pele –, grande parte dos consumidores de moda no Brasil são também defensores da natureza ou simpatizantes da causa. E, todos eles, todos mesmo, fazem parte de alguma rede social. Bastou um internauta clicar no link postado pela própria Arezzo no Twitter, chamando atenção para a coleção Pelemania, que a avalanche de protestos contra a marca começou. Suponho que a indignação tenha sido ainda maior porque há algum tempo circulam e-mails sobre vídeos do YouTube que mostram como são abatidos animais como raposas, chinchilas e minks para que a indústria da moda crie seus lindos casacos e estolas de pele. Lindos, sim, mas a que preço?
Será possível que ninguém, mas ninguém mesmo, dentro da Arezzo tenha pedido um aparte e sugerido que a coleção Pelemania ia de encontro à verdadeira tendência mundial chamada ‘respeito à natureza’? Será que a fila de clientes na porta da Riachuelo, loucas para adquirir uma peça assinada pela talentosíssima – e ativista das causas ambientalistas – Stella McCartney não chamou a atenção de nenhum ‘cabeça’ da Arezzo? Como podem ter sido tão cegos – ou tão prepotentes – a ponto de ignorar os vários sinais que a população brasileira estava dando de que não aceitaria ver um colete feito de pele de raposa no corredor do seu shopping favorito?
Certamente, o case Arezzo será debatido por anos nos cursos de Publicidade e Propaganda e até mesmo nos MBAs em marketing. Contudo, antes de mais nada, deveria ser estudado nas próprias faculdades de moda, a fim de despertar uma consciência ecológica nos futuros estilistas, para que sejam criativos no uso de materiais sintéticos, sem apelar para a crueldade contra os animais, algo totalmente inaceitável.
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Professora, tradutora e bacharel em Comunicação, São Marcos, RS