Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como formar os futuros idiotas

O documentário A estupidez humana, apresentado pelo canal pago GNT na semana passada, é a complementação perfeita para o artigo de Sergio Augusto (‘Carinhas e boquinhas’, O Estado de S.Paulo, 17/10), sobre o lançamento da revista Carinhas. Mostra o documentário que a TV e o cinema americano fazem questão de formar os idiotas desde pequenos, porque, conforme comprovaram os marqueteiros, quanto mais cedo se incutir hábitos corriqueiros de consumo e de comportamento, mais fiéis serão os futuros consumidores.

A segmentação do mercado de revistas parece ter chegado ao ideal: lucro agora (porque não tem pai e mãe que resistam a um afago nos filhos) e, como subproduto, a formação de uma geração de futuros leitores.

Assim como os velhos de hoje aprenderam a gostar de livros e jornais porque era isso o que estava disponível em casa, a novíssima geração vai crescer achando que o bacana é aparecer nas páginas de revista, usar somente roupas de grife e se comportar de acordo com o manual do mundanismo celebridades. Com o objetivo maior, é claro, de ser notícia em revista de celebridades. Revistas que, segundo a detalhada tentativa de convencimento da vendedora da loja onde fui procurar Carinhas, ‘é uma revista bacana porque traz as roupas da moda e dicas de beleza’.

Outra que a vendedora recomendou foi a Smack, que vai um pouco mais fundo na formação feminina. A pauta é uma cópia adaptada das revistas femininas do mercado, mas apenas no que elas tem de pior. Moda (estilo Hollywood), Beleza (com a cara de uma jovem artista), Testes (sobre namoro, é claro), Compras (inutilidades que vão de 14 a 70 reais), Saúde, Bichos, Horóscopo etc.

O que vai sobrar daí?

Para quem aprendeu na faculdade que a função da imprensa é informar e formar, fica a dúvida: será que a função da imprensa mudou? Que formação é essa que os jovens leitores estão recebendo? Eles compram as revistas e ficam sabendo que bacana é usar maquilagem para ficar parecidas com a fulaninha, a roupa que é igual a da outra estrelinha, e que namorar na escola pode, mas com limites.

Tem informação sim, a de como enrolar os pais para curtir os blogs da internet. Deve ser o universo dos muito jovens, não sei…. Um universo – pelo menos esse retratado nas revistas feitas para meninas – onde a internet está presente, onde ‘a escola é um lugar onde você não só aprende uma porção de coisas, mas também pratica esportes e conhece muita gente’, e onde aprende, desde cedo, a identificar o par encantado.

O par encantado certamente estará nas páginas da Carinhas, com seus meninos ricos que sonham com viagens espaciais, em se tornarem cantores ou biólogos, ou ainda nem pensam no futuro, ocupados que estão com seus lindos animais de estimação em sítios paradisíacos.

Se a gente analisar o universo jovem por essas publicações, vai acabar achando que os leitores dos suplementos infantis dos jornais vivem em outro mundo. Para eles, existem livros, internet além do blog, carreiras e até preocupação com palavras.

Seria interessante se os editores dessas revistas dessem uma olhada, de vez em quando, nesses bem-intencionados e úteis suplementos, em busca de uma pauta menos fútil. Porque, certamente, esses editores não vão querer ser acusados de formar toda uma geração de idiotas, especialmente meninas, destinadas a repetir o velho estereótipo de que mulher só se interessa por moda, beleza, e em aprender a caçar um marido.

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Jornalista