Nos últimos meses, a crise no jornalismo atingiu proporções insustentáveis. É possível prever um futuro em que cidades importantes não tenham mais jornais e as publicações se limitem a empregar meia dúzia de repórteres. Um fato curioso, entretanto, é que os jornais têm mais leitores do que tiveram em tempo algum. Seu conteúdo é mais popular do que nunca – inclusive, e especialmente, entre jovens. O problema é que poucos deles pagam.
De acordo com um estudo feito pelo Pew Research Center, no ano passado um maior número de cidadãos norte-americanos acessou gratuitamente publicações online do que o daqueles que compraram jornais e revistas. Trata-se de um modelo de negócio que faz sentido. Talvez tenha nascido quando a publicidade na internet estourou e qualquer editor relativamente consciente poderia fingir que se encontrava entre aqueles poucos que’conseguiram’, entoando o mantra de que a publicidade na web era’o futuro’. Mas quando, nos últimos quatro meses de 2008, a publicidade na internet começou a cair, perceberam que havia uma pedra no meio do caminho.
Por tradição, jornais e revistas têm três fontes de arrecadação: a venda em banca, as assinaturas e a publicidade. O novo modelo de negócios depende exclusivamente da última. Henry Luce, fundador da revista Time, desprezava a idéia de publicações gratuitas que dependem exclusivamente de anúncios. Para ele, tratava-se de uma fórmula’moralmente repugnante’ e’economicamente auto-destrutiva’. Isso porque ele acreditava que o bom jornalismo exigia que o principal dever de uma publicação fosse com seus leitores, e não com seus anunciantes.
Cobrava-se, quando a internet nasceu
Num modelo de arrecadação baseado exclusivamente na publicidade, o incentivo é perverso. E também auto-destrutivo, pois eventualmente é enfraquecido o vínculo com os leitores, caso não se dependa diretamente deles para a arrecadação. Quando um homem sabe que vai para a forca em duas semanas, sua concentração é total. As’duas semanas’ do jornalismo estão bem à nossa frente e suspeito que 2009 virá a ser lembrado como o ano em que as empresas jornalísticas compreenderam que não é com mais cortes nas despesas que evitarão a forca. Uma opção de sobrevivência que vem sendo tentada por algumas publicações, como o Christian Science Monitor e o Detroit Free Press, consiste em eliminar, ou cortar drasticamente, as edições impressas e concentrar-se em seus sites gratuitos. Outros tentarão se equilibrar, ao longo do tenebroso inverno, torcendo para que seus concorrentes morram e eles possam abocanhar uma parte considerável da publicidade que lhes possa dar lucro em seus sites gratuitos.
Tudo bem. São necessárias várias estratégias de concorrência. Mas essas abordagens ainda deixam a publicação inteiramente nas mãos de seus anunciantes. Por isso espero que este ano veja surgir uma idéia ousada, e bastante velha, que dê outra opção às empresas jornalísticas: receber dos usuários pagamento pelos serviços oferecidos e pelo jornalismo produzido. Essa idéia de cobrar pelo conteúdo não é velha apenas porque jornais e revistas o vêm fazendo há mais de quatro séculos. Também o faziam quando nasceu a internet, no início da década de 90. Na época, havia várias empresas, como a Prodigy, a CompuServe, a Delphi e a America On Line, que cobravam dos usuários pelos minutos gastos online e, naturalmente, tinham interesse em manter os usuários conectados o máximo do tempo possível. O resultado disto é que o bom conteúdo era valorizado.
‘Quem trabalha por nada?’
Nessa época, quando eu chefiava o departamento de mídia online da revista Time, quase todos os anos fazíamos negócios com a AOL e a CompuServe; um ano, chegaram a oferecer um milhão de dólares pela nossa revista. Mas aí surgiram ferramentas que tornaram mais fácil, para as publicações e para os usuários, o acesso direto à internet. Lembro-me de ter conversado com Louis Rossetto – na época, editor da revista Wired – sobre formas de colocarmos nossas revistas diretamente online e decidimos que a melhor estratégia seria utilizar a linguagem de hipertexto e transferir protocolos. Foi o que as revistas Wired e Time adotaram na mesma semana, em 1994. Um ano depois, a maioria das outras publicações também o tinha feito.
Uma das ironias da história é que o hipertexto – um link que leva o leitor a outra página ou site – tinha sido inventado por Ted Nelson, no início da década de 60, com o objetivo de permitir micropagamentos por conteúdo. Ele queria ter certeza de que as pessoas que criassem coisas boas fossem remuneradas. Imaginava que todos os links em uma única página facilitariam o crescimento de pequenos pagamentos, automáticos, pelo tipo de conteúdo acessado. Ao invés disso, a web adotou a postura de que a informação deve ser livre.
Outros, mais espertos do que nós, evitaram a armadilha. Quando Bill Gates percebeu, em 1976, que usuários estavam compartilhando gratuitamente o Altair Basic – um código que ele e seus colegas haviam elaborado –, enviou uma carta aberta aos membros do Homebrew Computer Club mandando-os parar.’Uma coisa que vocês fazem é impedir que um bom software seja elaborado’, queixou-se.’Quem tem condições de fazer um trabalho profissional em troca de nada?’ Os anúncios fáceis de 1 dólar pela internet no final da década de 1990 persuadiram jornais e revistas a colocar todo seu conteúdo gratuitamente em seus sites. Mas o grosso desses anúncios acabou nas mãos de grupos que, na realidade, não criaram muito conteúdo, e sim, pegaram carona: ferramentas de busca, portais etc.
Dinheiro digital
Um outro grupo que tira vantagem do jornalismo gratuito é o dos provedores de internet. Eles chegam a cobrar dos usuários 20 ou 30 dólares por mês para terem acesso gratuito ao tesouro da web – conteúdos gratuitos e serviços. Conseqüentemente, não têm interesse em facilitar modos fáceis de criadores de mídia cobrarem por seu conteúdo. Estamos, portanto, num mundo em que as empresas telefônicas acostumaram a garotada a pagar até 20 cêntimos de dólar para enviar uma mensagem de texto, mas parece tecnológica e psicologicamente impossível fazer com que as pessoas paguem 10 cêntimos por uma revista, jornal ou programa de televisão.
Atualmente, uns poucos jornais – especialmente o Wall Street Journal – cobram por suas edições online, solicitando uma assinatura mensal. As assinaturas pagas pela página do Journal na web subiram mais de 7%, no desastroso ano de 2008. Mas não acho que as assinaturas venham a resolver tudo – nem acho que devam ser a única maneira de se cobrar pelo conteúdo.
Se uma pessoa deseja uma determinada edição de um jornal ou é persuadida por um link a ler um artigo interessante, dificilmente ela se dará ao trabalho de solicitar uma assinatura – e ainda com complicados sistemas de pagamento. A solução para atrair uma arrecadação online seria criar um iTune, método fácil de micro-pagamento. Precisamos algo como moedas digitais, ou uma carteira digital com uma senha E-Z – um sistema com uma interface realmente simples e que, com um clique, permita adquirir um jornal, uma revista, um artigo, um blog ou um vídeo por um cêntimo, dez cêntimos ou vinte, enfim, o que o criador do sistema quiser cobrar.
Serviços de micro-pagamento
A internet está reconhecidamente abarrotada de empresas de micro-pagamento que não deram certo. Muitos folhetos e blogs foram escritos sobre os motivos pelos quais a coisa não pode funcionar – principalmente devido a uma tecnologia inadequada e aos custos operacionais. Mas as coisas mudaram.’Com os jornais enfrentando o fantasma da falência – ainda que seu público venha crescendo –, a ameaça não paira apenas sobre as empresas proprietárias, mas sobre a própria notícia’, escreveu o perspicaz David Carr em sua coluna no New York Times no mês passado, defendendo a idéia de conteúdo pago. Isso cria uma necessidade que deveria ser a mãe da invenção.
Além disto, os dois inovadores digitais mais criativos que temos demonstraram que um modelo pay-per-drink pode funcionar se for fácil: Steve Jobs convenceu os consumidores de música (imaginem!) a pagarem 99 cêntimos por uma melodia, ao invés de’napsterizar’ a totalidade da indústria; e Jeff Bezos, com seu Kindle, mostrou que os consumidores comprariam versões eletrônicas de livros, revistas e jornais, se a forma de os adquirir fosse simples.
Quais são as opções de pagar pela internet que existem hoje? A mais famosa é a PayPal, mas seus custos operacionais são muito altos para compras inferiores a um dólar. Há ainda a Facebook e a Spare Change, que cobram por contas da PayPal ou por cartões de crédito para obter um dinheiro digital que podem gastar em quantias pequenas. Serviços semelhantes são os da Bee-Tokens e da Tipjoy. Os usuários do Twitter têm o Twitpay, um serviço de micro-pagamento para o equipamento de micro-mensagens. Os usuários de jogos têm seu próprio dinheiro digital. E no mundo real de viajantes, existem geringonças como a senha E-Z, que deduz automaticamente de uma conta pré-paga quando passam por um pedágio.
Ser valorizado pelos leitores
Com um sistema de micro-pagamento, um jornal poderia decidir cobrar cinco cêntimos por um artigo, ou dez cêntimos pela edição completa, ou dois dólares pelo acesso à web por um mês. Alguns internautas recusariam, mas suspeito que a maioria pagaria, caso fosse barato e fácil. O sistema poderia ser utilizado para todos os tipos de mídia: revistas e blogs, jogos e aplicações, telejornais e vídeos amadores, fotografias pornográficas e monografias, reportagens de jornalistas-cidadãos, receitas de bons cozinheiros e música de bandas de garagem.
Um sistema de micro-pagamento ajudaria pessoas comuns – do tipo daquelas que se têm que preocupar com a alimentação da família – a aumentar sua renda fazendo jornalismo-cidadão, que tem valor para suas comunidades. Aqueles que acreditam que todo o conteúdo deveria ser gratuito deveriam refletir sobre quem irá abrir sucursais em Bagdá ou quem será capaz de viajar como free-lance para mandar matérias de Ruanda.
Não digo isto porque eu seja’mau’, que é a definição que minha filha faz de quem quer cobrar pelo conteúdo da internet. Digo porque minha filha é muito criativa e, quando ficar mais velha, quero que ela seja remunerada pela qualidade de seu trabalho, ao invés de me procurar para pedir dinheiro ou decidir que faz mais sentido tornar-se dona de um banco de investimentos. Também o digo porque adoro jornalismo. Acho que é válido e deveria ser valorizado por seus consumidores. Cobrar pelo conteúdo força os jornalistas a uma disciplina: eles devem produzir coisas que as pessoas realmente valorizem. A necessidade de ser valorizado pelos leitores – servindo a eles, antes de tudo, e não dependendo exclusivamente da arrecadação da publicidade – permitirá novamente à mídia encontrar o verdadeiro ritmo de que trata o jornalismo.
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Ex-editor administrativo da revista Time, diretor-presidente do Aspen Institute e autor de Einstein: His Life and Universe, lançado recentemente