No final do ano passado, os executivos do grupo de mídia e comunicação digital Dentsu Aegis Network Brasil precisaram dar uma notícia difícil a seus funcionários. Algumas das agências do conglomerado, que reúne nove empresas no Brasil, não atingiram os resultados para gerar o bônus anual e ficariam sem o desejado “extra” de fim de ano. Isso, porém, não surpreendeu os empregados. Desde o começo do ano, os gestores vinham expondo os desafios econômicos enfrentados pelo país e pelo segmento, assim como suas consequências para a companhia.
“A estratégia é comunicar nossos resultados de forma constante. Definimos os objetivos por métricas e mostramos como esses indicadores estão dentro desse contexto. O jogo aberto evita que um clima de rumores se instale”, afirma Claudio Neszlinger, que ocupa o cargo de ‘chief talent officer’ do grupo, que hoje tem 1.100 funcionários no Brasil.
Desde o ano passado, o clima de desconfiança e instabilidade econômica no país vem afetando resultados e planos de investimentos de empresas, causando efeitos sobre setores tão diferentes quanto os de mídia, petroquímico e tecnologia. Este ano o cenário não deve ser diferente.
A incerteza em relação ao futuro traz impactos diretos sobre a motivação e o engajamento do público interno. Em muitas companhias, o medo de demissões, o desconhecimento sobre a estratégia futura da empresa e a pressão por obter resultados melhores podem gerar descontentamento e estimulam o surgimento de boatos e fofocas. Para enfrentar esse desafio, as organizações vêm investindo em estratégias mais robustas de comunicação interna, reforçando os canais de diálogo com as pessoas e políticas de “portas abertas” por parte da liderança.
José Luis Ovando, sóciodiretor da Supera Comunicação, companhia especializada em comunicação interna, notou uma busca atípica por esse tipo de serviço já em janeiro, mês em que a demanda é normalmente retraída. “Mesmo com verbas menores, a procura cresceu porque está claro que 2015 será um ano difícil. As organizações sabem que precisam estimular seus times para atingir os objetivos do negócio”, explica.
A demanda por serviços de comunicação interna, segundo ele, se concentra em empresas de médio e grande porte, que buscam desde soluções tradicionais como murais e jornais até ferramentas digitais como blogs e redes sociais corporativas. “Aumentou a necessidade de atender a diversos públicos internos. Em setores como o agronegócio, por exemplo, os funcionários ainda não têm acesso online. Já em outras organizações, as pessoas estão conectadas o tempo todo.”
É o caso da Dentsu Aegis na companhia, 70% dos funcionários têm menos de 35 anos e trabalham online. “Isso significa que são questionadores, curiosos e contestadores”, afirma Nezlinger. Essa postura “ativa” dos profissionais levou a liderança a estimular a conversa aberta entre gestores e equipe a começar pelo CEO. “Informar é função dos gestores, e não tarefa específica da comunicação ou do RH. Essas são áreas de apoio, que oferecem ferramentas, técnicas e linguagem, mas comunicação é responsabilidade do líder”, diz.
Sócio da consultoria internacional C4CS, de comunicação estratégica e gestão de crises, Oliver Schmidt explica que o envolvimento dos níveis mais altos da empresa é essencial para dar apoio aos empregados e deixálos menos desconfortáveis em tempos de crise. “Os gestores devem ser responsáveis por informar, guiar e motivar os funcionários. É importante ter especulações e fofocas sob controle por meio de uma comunicação de mão dupla, permitindo que as pessoas expressem suas preocupações e até façam perguntas desconfortáveis para a direção.”
Face a face
Na APPI, empresa do setor de meios de pagamento, a estratégia é estar aberta a esses questionamentos. O CEO Luis Filipe Cavalcanti conta, por exemplo, que já foi abordado por um funcionário que queria saber o que ele fazia em suas viagens internacionais e se podia contar um pouco mais sobre o que está acontecendo lá fora. O executivo vê a atitude com bons olhos. “Todo bom profissional quer saber para onde a empresa está indo. Afinal, é onde ele está investindo sua carreira.”
Cavalcanti reconhece que, em uma empresa com aproximadamente cem funcionários, essa comunicação mais próxima é facilitada. Isso não impede, porém, que outras ferramentas mais tradicionais também sejam utilizadas. Desde 2011, ano em que uma pesquisa de clima apontou que as pessoas queriam ser mais bem informadas a respeito do negócio, a empresa definiu indicadores que são compartilhados com os funcionários em um painel à vista de todos.
Informações financeiras, operacionais, de turnover, atraso em projetos e cumprimento de orçamentos são alguns dos itens presentes nesse documento, que é atualizado mensalmente e debatido com o time em reuniões presenciais. Tudo para evitar informações desencontradas sobre a saúde da companhia ou do setor. “Essa política nos permite gerenciar as informações da empresa em tempo real”, afirma o CEO.
Na Avaya, a conjuntura econômica difícil também fez com que a empresa redobrasse a atenção com a comunicação interna. Apesar de não ter sofrido impacto nos negócios nos últimos 12 meses, a empresa de tecnologia em comunicação está revendo as projeções de crescimento para 2015 com base nos indicadores do começo do ano, como desvalorização do real e queda no grau de confiança de empresas e consumidores.
O CEO Carlos Bertholdi explica que, apesar do panorama local pouco animador, não se percebe uma inquietação dos funcionários em relação à empresa. “Temos um mecanismo de comunicação muito estruturado para qualquer tipo de crise. Situações assim exigem ajuste rápido e direcionamento estratégico tático, adaptado a cada momento”, diz.
Uma das ferramentas é a comunicação multimídia. Nela, os resultados globais são apresentados pelo CEO mundial em tempo real, com abertura para perguntas dos funcionários. No Brasil, são realizadas também reuniões presenciais com todos os colaboradores, que incluem explicações sobre o cenário macroeconômico e projeções para o mercado. Para os que não podem participar do encontro, é oferecido acesso remoto via dispositivos móveis, tablets e computadores.
Fabio Caldas, diretor de assuntos externos da Shell e responsável pela comunicação interna da companhia, explica que uma das soluções encontradas para aliviar a inquietação dos funcionários quanto ao cenário econômico é a conversa de mão dupla. Parceira da Petrobras nos projetos do présal, a Shell não foi afetada diretamente pelos recentes escândalos divulgados sobre a companhia, segundo Caldas. Ainda assim, os colaboradores perguntam muito sobre o assunto. “Nossa política é a de alinhar a comunicação externa com a interna, para que as pessoas não sejam surpreendidas com discursos divergentes”, diz.
A estratégia de comunicação, segundo Caldas, acontece de duas maneiras: uma delas é o cascateamento de informações chamado “board menos um”: as mensagens são repassadas pelos líderes a seus subordinados diretos pessoalmente. Em comunicados mais importantes, o CEO da empresa organiza um encontro com cem pessoas, em média, que são multiplicadoras da mensagem. “Nada substitui a comunicação face a face”, afirma Caldas, ressaltando que as mensagens são reforçadas por outros canais como newsletter, intranet, TV e revistas corporativas.
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Vívian Soares, para o Valor Econômico
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