Esta nova versão de Conan é patética. Consegue ser pior que as duas anteriores, as quais por sua vez só tinham uma virtude (a trilha sonora).
O novo Conan é um amálgama de cenas já vistas. A cena do barco sendo transportado por terra firme foi claramente inspirada na do filme Fitzcarraldo. Aquela em que um vilão aciona várias correntes para fazer isto ou aquilo parece uma cópia de uma cena similar em A Famíla Adams, de 1991. A feiticeira desta nova versão é uma mistura da bruxa de Robin Hood: Prince of Thieves, com a Bene Gesserit de Dune , usando uma luva cheia de lâminas igual à de Freddy Krueger. A caverna da caveira parece ter saído de um antigo filme do Roberto Carlos (que é tão ruim que não consigo nem lembrar o nome).
O único personagem interessante do filme é o pai de Conan, interpretado pelo excelente ator Ron Pearlman, que desde os tempos de A Guerra do Fogo nunca precisou de muita maquiagem para parecer um bárbaro. Ainda assim, seu visual ficou muito carregado. Os cabelos longos embaraçados e barba exagerada lhe deram um aspecto do “Moisés” de Michelangelo. Mas este anacronismo não chega a estragar totalmente o personagem ou a atuação.
Pessoas despedaçadas
De resto, a única coisa que me chamou a atenção ocorreu antes do filme. Quando estava a comprar a entrada, perguntei à caixa do Kinoplex/Osasco se ela já tinha visto Conan e o que ela achara dele. Ela disse-me que havia visto apenas uma parte durante seu intervalo para descanso e não gostou. “Fiquei horrorizada, o filme mostra pessoas sendo decapitadas e o sangue escorrendo delas”, foram as palavras da moça. Quando lhe disse que aquilo era ficção com sangue cenográfico, que ela deveria se preocupar mais com as notícias das guerras no Jornal Nacional, pois neste caso o sangue não é cenográfico e pessoas estão realmente sendo despedaçadas e mortas, a moça me olhou com um ar de interrogação. Ela realmente não entendeu o que eu estava querendo dizer.
Já que o filme Conan não era grande coisa, passei o tempo todo, quase duas horas, sentado diante das previsíveis cenas de ação, mas absorto em meditações mais profundas. O resultado destas meditações é o que na verdade quero compartilhar agora.
Há uma perigosa inversão em curso. Desde a Guerra do Golfo, em 1991, as pessoas se sentam diante de suas televisões e assistem às notícias das guerras norte-americanas como se elas fossem apenas entretenimento. Nenhum corpo despedaçado é mostrado, as lágrimas dos parentes dos mortos não são exibidas. A imprensa se limita a reproduzir o que os militares norte-americanos divulgam e, evidentemente, eles somente divulgam vídeos de bombas inteligentes acertando seus alvos, de caças partindo e chegando aos seus porta-aviões. Tudo muito limpo, tudo muito elegante. Até as cenas de helicópteros despedaçando pessoas com tiros de metralhadoras chegam a ser inofensivas, pois as pessoas despedaçadas parecem bonequinhos virtuais de jogos eletrônicos. Sobre este assunto vide “Guerra Virtual Real”.
Barbárie coletiva
Nada disso é coincidência. Desde a Guerra do Golfo, o acesso da imprensa aos teatros de operação tem sigo rigidamente controlados. Os militares norte-americanos aprenderam uma lição crucial no Vietnã. Chegaram à conclusão de que, em tempo de guerra, a imprensa não pode ser livre porque se o for mostrará imagens e contará histórias desagradáveis que ajudarão os adversários de conflitos militares a mobilizar a opinião pública contra a guerra. É por isto que não vemos hoje o mesmo tipo de manifestações contra a guerra que ocorria nos EUA no final da década de 1960.
Como a guerra se tornou entretenimento televisivo agradável, sem sangue, sem lágrimas, sem corpos despedaçados, sem prisioneiros sendo executados a sangue frio na frente das câmeras, apenas o cinema nos proporciona cenas chocantes. Cenas que chocam, mas que não produzem qualquer tipo de mobilização política ou social contrária às guerras reais em curso. Talvez seja esta a explicação para a caixa do cinema ter dito que ficou horrorizada quando viu pessoas serem decapitadas em Conan e não entendeu meu comentário.
A imprensa, por seu turno, faz um jogo perigoso. A maioria dos jornalistas se limita a reproduzir as notícias fabricadas pelos militares. Raramente alguém critica de maneira contundente o controle da informação pelos senhores da guerra. Além de teatralizar a guerra e o jornalismo de guerra como querem os militares, os jornalistas se limitam a fazer propaganda dos filmes que entram em cartaz. Não tenho visto nenhuma reflexão mais profunda sobre como, em razão do controle das informações de guerra consideradas desagradáveis pelos militares, os filmes violentos podem ser politicamente nocivos.
A violência verdadeira (por exemplo, aquela que tem sido praticada no Iraque e Afeganistão pelos militares norte-americanos) quando vista tal como é brutal e friamente praticada se torna repugnante e tem potencial de gerar algum tipo de reação social e mobilização política. Já a violência cinematográfica como a que vemos em Conan produz apenas um horror despolitizado, como a da caixa do cinema. A barbárie coletiva já provou que é capaz de se infiltrar lentamente pelas frestas da civilização no passado. E é exatamente isto que pode estar ocorrendo neste momento.
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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]