A imprensa brasileira tem enfocado a questão do teste nuclear realizado pela Coréia do Norte dando destaque quase exclusivo ao protesto internacional que a experiência bélica gerou. As redações, na tentativa de editar versão da performance kennediana no caso dos mísseis soviéticos em Cuba (1962), salientam a ameaça de retaliação por parte do governo Obama, que anunciou cerco à península asiática dividida em Coréia do Norte (pró-China) e Coréia do Sul (pró-EUA).
O Paralelo 38 serve de marco divisório entre as duas Coréias, conforme acordo firmado nas conferências de Yalta e Potsdam, em 1945, e aprovado pelas duas superpotências, EUA e URSS, logo após a Segunda Guerra Mundial (redefinindo o mapa mundial, esses encontros de cúpula também dividiram a Alemanha em Ocidental e Oriental, até a reunificação em 1990).
Em 1950, a Coréia do Norte invadiu a Coréia do Sul e marchou sobre a sua capital, Seul. Deu-se início a uma guerra que durou três anos, na qual os EUA investiram todo seu poderio militar. O exército norte-americano chegou a invadir a Coréia do Norte até alcançar a fronteira com a China e esta acabou entrando na guerra, que terminou com as Coréias separadas, conforme o acordo de 1945.
Barack Obama considerou o teste atômico da Coréia do Norte ‘uma violação flagrante do direito internacional’ e anunciou que iria ‘trabalhar com os nossos amigos e aliados para enfrentar esse comportamento’. Como medida preliminar, o império yankee expediu ‘mandado de busca e apreensão’ contra navios norte-coreanos suspeitos de portar armas de destruição em massa. De imediato, ganhou o aval da Coréia do Sul, que se dispõe a auxiliar seu protetor nesta tarefa.
Rede de correspondentes Castor
Através da rede de correspondentes (33 mil endereços eletrônicos) mantida pelo engenheiro aposentado Castor Filho, um dos muitos brasileiros indignados com as omissões, distorções, sofismas e falácias que definem o modus operandi da maior parte da imprensa brasileira, recebi e-mail veiculando artigo intitulado ‘Doublespeak on North Korea‘ (‘`Duplifalar´, agora sobre a Coréia do Norte’), de Paul Craig Roberts, ex-secretário-assistente do Tesouro no governo Reagan e co-autor do livro The Tyranny of Good Intentions (‘A tirania de boas intenções’).
Transcrevo abaixo trechos do artigo de Paul Craig Roberts, traduzido pela lingüista Caia Fittipaldi, membro da rede de correspondente do Castor:
‘Obama conclama o mundo a enfrentar a Coréia do Norte – diz a manchete. Os EUA, disse Obama, estariam firmes `para defender a paz e a segurança do mundo´. Palavras de `duplifalar´, de `duplipensar´, à moda de 1984.
(…)
São os mesmos EUA que bombardearam a Sérvia, inclusive a embaixada chinesa e trens de passageiros; que entregaram a Sérvia a uma gang de traficantes muçulmanos, emprestando-lhes soldados da Otan para proteger a `operação´… do tráfico?
São os mesmos EUA responsáveis pela morte de um milhão de iraquianos, que deixam órfãos e viúvas onde quer que apareçam e que converteram em refugiados 1/5 da população do Iraque?
São os mesmos EUA que impedem o mundo de condenar Israel pelo ataque assassino contra civis libaneses em 2006 e contra civis em Gaza em 2009, os mesmos EUA que dão cobertura ao assalto israelense contra a Palestina, que já dura mais de 60 anos, assalto e roubo que já produziu quatro milhões de refugiados palestinos, arrancados de suas casas, vilas, cidades, pelo terror e pela violência de Israel?
Os mesmos EUA que fazem hoje manobras militares em repúblicas ex-soviéticas e estão cercando a Rússia com um anel de bases de mísseis?
Os mesmos EUA que bombardearam o Afeganistão até converter o país num amontoado de ruínas, com milhares de civis mortos?
Os mesmos EUA que criaram um ano novo infernal no Paquistão, ataque que, só nos primeiros dias, produziu um milhão de refugiados?
`Paz e segurança do mundo´? Mundo de quem?’
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Um diplomata experiente
A Coréia do Norte entendeu a ameaça de interceptação de seus navios por parte dos EUA e seu aliado como uma declaração de guerra e prometeu aplicar a Lei de Talião: olho por olho, dente por dente; caso algum barco sul-coreano ou americano invada suas fronteiras marítimas ou muito próximo delas navegue em atitude suspeita. O regime da República Democrática Popular da Coréia (RPDC) até já anunciou o fim do armistício que encerrou oficialmente a guerra travada entre o Norte e o Sul em meados do século passado.
A imprensa brasileira parece ignorar o fato de que o Brasil, neste exato momento, está empenhado em inaugurar embaixada em Piondjiangue (Pyongyang), apesar de sermos a primeira democracia das Américas a estabelecer relações diplomáticas residenciais com a Coréia do Norte.
Para o cargo de embaixador brasileiro junto ao governo norte-coreano foi designado o experiente diplomata Arnaldo Carrilho.
‘Não podemos nos fazer convidar’
Carrilho, com quase meio século de carreira diplomática, já representou o Brasil em 14 países, além de chefiar o Escritório de Representação do Brasil em Ramallah, capital provisória da Autoridade Palestina nos Territórios Ocupados. A cerimônia de entrega das credenciais do embaixador brasileiro ao presidente palestino Mahmoud Abbas foi adiada três vezes, em vista da intensificação do conflito entre israelenses e palestinos, e somente três meses depois de assumir o cargo, Arnaldo Carrilho pôde exercê-lo efetivamente.
Desta vez, em vista do agravamento das tensões na Península Coreana, o Brasil suspendeu temporariamente a instalação da missão diplomática residencial em Piondjiangue. Neste momento, Arnaldo Carrilho se encontra hospedado na embaixada do Brasil em Pequim, aguardando instruções do Itamaraty, que por sua vez aguarda resolução do Conselho de Segurança da ONU.
Falas do embaixador Arnaldo Carrilho em entrevista à BBC Brasil:
‘O Brasil surgiria, e eu pretendo ainda que surja, como um proponente do diálogo.’/’O que queremos é fazer a República Popular Democrática da Coréia do Norte sair do esconderijo onde está, desse isolamento em que está.’/’Os canais de interlocução da Coréia do Norte estão meio entupidos. Com essa bomba, então, ficou muito entupidinho o negócio, então a ideia é o Brasil chegar e ajudar.’/’O que estamos tentando com a embaixada em Pyongyang é demonstrar uma atitude `possibilista´. É ver até que ponto existe a possibilidade de evitarmos este rompimento da adoção das resoluções internacionais.’
O embaixador acrescentou ainda que, por enquanto, o Brasil não poderia fazer parte das negociações de desarmamento que envolvem o grupo de seis países formado pelas Coréias do Norte e do Sul e por Japão, China, Rússia e Estados Unidos.
‘Nós não temos esta intenção manifesta, nem poderíamos apresentar-nos como candidatos, tendo em vista que ser observador do grupo dos seis países depende de um convite deles’, afirma Carrilho. ‘Não podemos nos fazer convidar.’
Confiante na elevada capacidade do embaixador Arnaldo Carrilho, envio-lhe votos de sucesso em sua nova missão.
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Em tempo: O embaixador Arnaldo Carrilho nos enviou e-mail informando:
‘Pequena correção: não estou hospedado na Sede residencial da Embaixada em Pequim, mas em apart-hotel(*), pago com diárias regulamentares que ainda não me depositaram em conta-corrente. Mas a Administração do MRE vai providenciá-lo. Abraços do Arnaldo C.
(*) Hospedagem, só a convite, salvo em hotéis, hospedarias, albergues ou pensões.’
Este autor se justifica:
O artigo informou que o diplomata se encontrava ‘hospedado na Embaixada do Brasil em Pequim’; isso foi o resultado de má interpretação de nota na matéria da BBC Brasil, que informa:
‘O chanceler Celso Amorim me pediu que não partisse logo, que deixasse ver o que vai acontecer’, afirmou Carrilho, que está hospedado junto ao corpo diplomático brasileiro em Pequim, na China.
Aí, este assaz atento leitor entendeu que Arnaldo Carrilho estava aboletado ‘de mala e cuia’ na Embaixada. Mas aí está a correção.
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Escritor, Rio de Janeiro, RJ