Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Conspurcação informativa ou legal?

‘Foram encontradas partes cadavéricas, em adiantado estado de decomposição, de um homem possivelmente de cor parda…’

Este é um exemplo genérico dos registros policiais da violência no governo de Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, onde nada é apurado, não são feitas perícias e nem sequer indagam se alguém conhece o nome do chacinado. Tudo é encarado com descaso e burocracia. Infelizmente tem sido esse o comportamento de nossa imprensa, que se limita a reproduzir declarações de autoridades sob suspeição, o que acaba contribuindo para o encobertamento e a impunidade de fatos delituosos.

Um exemplo claro disto é o noticiário referente ao Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) envolvendo Gilmar Mendes – desculpem-me por ser repetitivo, mas o supremo ministro não sai das páginas de escândalos.

Recentemente, a revista CartaCapital publicou uma reportagem com o título ‘O empresário Gilmar’, na qual é considerado ‘um conflito ético’ o fato de o ministro ser sócio do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), que mantém contratos com órgãos do governo federal. A reportagem da revista afirma que o IDP foi criado em 1998 e organiza palestras, seminários e treinamento de pessoal, além de oferecer cursos superiores de graduação e pós-graduação, tendo, de acordo com a revista, faturado nos últimos anos, sem licitação, cerca de R$ 2,4 milhões em contratos com órgãos ligados ao governo federal.

‘É preciso responsabilidade’

A resposta do presidente do Supremo Tribunal Federal foi rápida, porém nem um pouco esclarecedora ou jurídica, como mostra parte de suas declarações pinçadas do noticiário da Agência Brasil e reproduzidas abaixo:

** ‘Trata-se de um fenômeno de pistolagem jornalística. Desde que houve o afastamento do diretor da Abin a CartaCapital vem fazendo sistemáticas críticas a mim, já fez duas capas comigo. Tudo indica que ela perdeu capital com isso.’

** ‘A Lei da Magistratura permite isso expressamente. Não há dúvida. Não há o que discutir. Pode ser sócio, como sou sócio da Petrobrás, como sou sócio do Banco do Brasil e da Vale do Rio Doce.’

** ‘Os senhores sabem: o Estado de Direito é, na verdade, um estado de liberdade, mas é um estado de responsabilidade também.’

** ‘As pessoas não podem ficar fazendo esse tipo de assaque seja lá com qual objetivo for. É preciso que haja responsabilidade.’

Vedada acumulação de cargos

O mínimo que a imprensa poderia ter feito para informar os seus leitores seria reproduzir os parágrafos pertinentes, na Constituição da República Federativa do Brasil e na Lei Orgânica da Magistratura, bem como esclarecer qual a estrutura jurídica e financeira das empresas citadas pelo ministro e o seu instituto. Ninguém precisa fazer doutorado em Direito no IDP para isto.

Da Constituição Federal temos: Art.37: ‘A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

‘XVI – É vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.’

Empresas sólidas e lucrativas

A nossa Constituição diz ainda – Art.101 – que os membros do STF devem ter uma reputação ilibada e, portanto, o óbvio é que em caso de mínima suspeita – que pode ser infundada ou não – tudo seja apurado, e não encarado com agressividade e ironia.

Da Lei Orgânica da Magistratura temos:

‘Art. 36 – É vedado ao magistrado:

I – exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;

II – exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração;

III – manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.’

E o resto? O resto é solicitar à Comissão de Valores Mobiliários o registro do IDP, saber se é uma sociedade por ações ou anônima, saber se nos registros do nome desta instituição existem as palavras Cia. ou S/A (sociedade anônima) – exigência legal, data vênia – e vamos por aí explicando à sociedade brasileira o que ela merece e que uma alta autoridade se nega a fazer ‘esquecendo’ o artigo 37 de nossa Constituição Federal.

Afinal de contas, nestes tempos de quebradeira financeira, por que não comprar umas cotas ou ações de empresas sólidas e lucrativas como o IDP?

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Físico e escritor, Rio de Janeiro, RJ