Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Contra a segregação de direitos

Num bem elaborado artigo neste Observatório (‘Sim, é necessária uma nova Abolição‘), as autoras Milena Almeida e Angélica Basthi (15/12/2009) demonstram a comprovação do que afirmam ser a parcialidade da ‘grande imprensa’. Com isso, jogam luzes – e sombras – sobre o debate aberto pelo professor Muniz Sodré, aqui respondido por Demétrio Magnoli. Ouso trazer a opinião política de um ativista contra o racismo e radical ativista contra o racialismo estatal em marcha que o faz pela maioria dos afro-brasileiros, aquela maioria difusa, que não está organizada e não tem voz nem capacidade de pressão: 2/3 dos afro-brasileiros são contrários à adoção de leis em bases raciais. Não é, portanto, a opinião de um jornalista nem de um acadêmico: é a opinião política de quem combate o racismo e, por conseguinte, combate a perniciosa criação da raça estatal no Brasil.

Essa constatação da maioria dos afro-brasileiros contrários a leis raciais evidencia que a complexidade do papel da mídia é maior que o simples equilíbrio na cobertura de opiniões sobre políticas públicas raciais: está em jogo também a quem, politicamente, interessa um equilíbrio artificial da cobertura e opinião publicadas.

Refletir a opinião, ou não?

O fato é que nós, brasileiros, estamos diante de uma ameaça oficial que contraria a imensa maioria de 2/3 dos beneficiários: a estatização de políticas raciais é uma determinação política de governo. É o que vem revelado, oficialmente, na palavra do deputado federal Edson Santos, atual ministro especial da SEPPIR – Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, declarada expressamente para o parlamento do Brasil, em audiência pública no Senado Federal em 26/11, o que até então era apenas a denúncia dos contrários: o ministro se diz determinado em fazer políticas públicas raciais, custe o que custar.

Na audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o ministro afirmou, com a autoridade do cargo, que tomou para si uma missão na reta final do atual governo que é a de institucionalizar as políticas em bases raciais: ‘… com a aprovação da lei do Estatuto da Igualdade Racial, vamos transformar em política de Estado as políticas de igualdade `racial´ em vez de serem políticas dependentes da vontade de um governo’. O ministro já tinha afirmado isso na Câmara Federal, em setembro, por ocasião do acordo com os ruralistas onde ficou claro que importante não era o conteúdo desnutrido do projeto de lei do Estatuto da Igualdade Racial: o importante é a capacidade da lei introduzir no Estado a concepção de políticas raciais. E mais ainda afirmou no Senado: ‘Que a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial é um ponto de partida para mais e mais políticas públicas em bases raciais’.

Assim, está posto que a racialização de políticas pública é uma demanda com a imensurável força e determinação do Poder Executivo, cuja capacidade de persuasão tanto do Legislativo quanto do Judiciário todos sabemos bem. Sucede, entretanto, que 2/3 dos brasileiros são contrários a leis raciais e políticas públicas em bases raciais. Deduz-se, a grosso modo, que 1/3 seja favorável.

Por conseguinte, eis a questão: na cobertura dos argumentos, favoráveis e contrários a leis raciais, a mídia deve refletir a opinião à base de 50% ou deve manter aquela proporção de 2/3 e 1/3 denunciada? Ela deve assegurar a igualdade na defesa de políticas públicas em bases raciais feita por uma minoria de 1/3, barulhenta e organizada, com poder de pressão governamental ou deve manter esse equilíbrio proporcional, conforme pensa a maioria difusa dos brasileiros?

Os beneficiários de direitos raciais

Afinal, o que dizem os contrários, dando voz à imensa maioria, é que é indefensável que o Estado faça segregação de direitos em bases raciais. Assim, se é verdade que a mídia se posiciona em sua ampla maioria ‘contrária’ às políticas raciais, não significa que esteja formando a opinião pública. O que ela faz é mister do que se espera da mídia: em vez de ocultar ou manipular, é dar voz à opinião dos brasileiros e que isso se reflete nas opiniões e nas pautas, sendo, pois, natural. O anormal seria se a grande mídia cedesse 2/3 de espaço para a corrente que representa apenas 1/3 da opinião pública.

A realidade é que a grande mídia, talvez de forma não desejada, está conforme à índole dos brasileiros e nada justifica essa pretensa cobertura equilibrada em assunto tão polêmico e matriz de uma questão muito séria: a falta de razoabilidade na defesa de políticas raciais para esse Brasil miscigenado. Para ser coerente com a opinião pública, não é possível que seja equilibrada a defesa feita por uma minoria de 1/3 que quer a imposição a todos os brasileiros de uma política pública nociva ao conjunto da sociedade como é a criação da ‘raça estatal’ para políticas sociais em trâmite no país.

Ainda sobre a falácia do equilíbrio, uma questão exemplar: se aberto um debate público a respeito da produção de ‘bomba nuclear’ pelo Brasil, seria razoável exigir que a tal grande mídia, assegurasse espaços equilibrados para a defesa disso? É bem sabida a existência de uma forte corrente militarista que defende a posse de armas nucleares pelo país. Entretanto, a grande maioria dos brasileiros tem se pronunciado contrária a isso.

Destarte, o que interessa no caso da produção das leis raciais é se a mídia está atenta e assegura, proporcionalmente, para qual seja a opinião majoritária e se essa opinião pública está fundada em razões nobres, especialmente a dos afro-brasileiros que seriam, em tese, os beneficiários da segregação de direitos raciais.

Uma sub-cidadania racial

Mas acontece que 2/3 dos afro-brasileiros são contrários a políticas públicas em bases raciais. É o que comprova a única pesquisa exclusiva tratando disso. O estado do Rio de Janeiro é o estado que tem leis raciais em vigência desde 2000 (governo Garotinho). Em pesquisa promovida por entidade que defende a adoção de tais leis raciais os afro-brasileiros foram ouvidos e se pronunciaram ‘contrários’ com a imensa maioria de 2/3 dos pretos e dos pardos (CIDAN/IBPS).

Pois bem, essa pesquisa, divulgada no Rio de Janeiro em 19/11/2008, foi realizada às vésperas do Dia da Consciência Negra, portanto, momento de grande exposição positiva nos debates sobre racismo no Brasil. O resultado foi expressivo e merece ser respeitado: 62,1% dos pretos e 64,1% dos pardos se declaram contrários às leis raciais do Rio de Janeiro. O movimento negro orgânico e até a entidade promotora da pesquisa silenciaram e a ignoram, solenemente.

Ora, se Lula e Obama foram eleitos com 53% dos votos e estão legitimados a dirigir e governar duas potências, como poderia a grande mídia desconhecer a majoritária opinião da média de 63% dos que seriam beneficiários de leis raciais?

Entretanto, os defensores de leis raciais, bem organizados e bem financiados por ONGs e cargos públicos, olimpicamente ignoraram a opinião pesquisada junto aos beneficiários e no dia seguinte, em 20/11/2008 festejaram a aprovação pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, da renovação da lei de lei de cotas raciais agora com a vigência por mais dez anos, até 2.018.

Enfim, se a grande mídia assegura 2/3 de opiniões aos argumentos contrários às leis raciais e 1/3 aos defensores dessa excrescência de políticas públicas que exige a criação de uma sub-cidadania racial, está apenas refletindo bem e de forma justamente equilibrada a opinião da população afro-brasileira.

******

Advogado civilista, membro titular da Comissão de Assuntos AntiDiscriminatórios-OAB/SP; ex-secretário-geral do Conselho da Comunidade Negra do governo do estado de São Paulo; ativista e dirigente municipal do PSB/SP