A entrevista da ex-senadora Marina Silva ao programa Roda Viva, da TV Cultura de SãoPaulo, transmitido na noite de segunda-feira (18/2), não ganhou repercussão na imprensa na terça-feira (19/2). Somente o Estado de S. Paulo noticiou o encontro da ex-candidata a presidente da República com seis jornalistas, realizado apenas dois dias depois de ela haver lançado publicamente a Rede Sustentabilidade, que a imprensa entende ser um novo partido político.
O programa acabou sendo um desencontro de visões de mundo: os entrevistadores demonstraram não entender a proposta, a ex-senadora não conseguiu explicar claramente seu projeto. Algumas expressões que ela usa, como “ativismo autoral”, ou “depuração pelo controle ético”, ficaram flutuando no cenário da emissora, sem que os participantes fossem capazes de lhes dar um significado no contexto jornalístico.
Claramente, há um descompasso entre o pensamento de Marina Silva, que se consolida em sua proposta de ativismopolítico, e o que a imprensa convenciona como atividadepolítica. Um diálogo assim improvável acaba necessariamente se transformando em conversas paralelas, e foi isso que se viu: em determinado momento, a entrevistada chegou a ser questionada se o movimento que lidera não seria apenas “um PSD que não come carne”.
O autor da pergunta – que se esforçava para fazer uma ironia – estava apenas verbalizando a incapacidade da imprensa tradicional de entender o que se encontra fora da caixinha de convenções do discurso político. Ele se referia ao fato de Marina Silva ter declarado que a Rede Sustentabilidade não estará “nem à esquerda, nem à direita, mas à frente”.
A comparação com a frase do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, que ao criar o PSD afirmou que seu partido não teria uma posição ideológica definida, revela que o jornalista não entendeu a proposta do movimento.
Os entrevistadores também pareciam não compreender que a iniciativa não está necessariamente vinculada a uma candidatura presidencial em 2014. Para se constituir como partido regular, a Rede precisa coletar pelo menos 500 mil assinaturas até setembro e finalizar o processo de registro no Tribunal Superior Eleitoral até dezembro deste ano, agenda considerada difícil de ser cumprida.
Universos paralelos
Ainda que tivesse contado com os melhores profissionais de comunicação do mundo ao se preparar para a entrevista, Marina Silva não poderia ter sido mais clara: o movimento que lidera procura se sintonizar com as redes sociais digitais, ou melhor, procura ser validado nas redes sociais antes de se apresentar como uma proposta política formal.
O que ela chama de “ativismo autoral” é o comportamento típico dos protagonistas das redes, que se manifestam espontaneamente sobre os mais diversos assuntos e, eventualmente, agregam-se em campanhas públicas, como o manifesto que pede o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado.
Mas, com exceção da representante da Agência Pública de jornalismo investigativo, os interlocutores pareciam falar outra linguagem. Determinados momentos da entrevista revelam claramente o descompasso entre a proposta em debate e o modo como os jornalistas presentes ao estúdio da TV Culturacompreendem o mundo.
Por exemplo, quando um dos entrevistadores viu elementos de subversão na iniciativa da senadora e seus parceiros, ao inferir que o movimento pela sustentabilidade procura se infiltrar no capitalismo para mudá-lo por dentro. A insistência em questionar como o movimento vai barrar o ingresso de políticos com “ficha suja” também mostra que os jornalistas não entenderam que a proposta é identificar lideranças entre os protagonistas das redes que se entrelaçam na sociedade, e obter dessas redes o aval a representantesjá lançados na política.
O projeto liderado por Marina Silva não pode ser analisado pelos padrões tradicionais da mídia, mas os jornalistas precisam encaixá-lo no contexto que conhecem. Dessa forma, o encontro estava destinado a produzir mais perguntas que respostas: jornalistas, em geral, pensam linearmente, porque são treinados para conduzir os elementos de informação a um ponto de convergência onde a narrativa possa ser interpretada de maneira homogênea por um grande número de receptores. A proposta da Rede Sustentabilidade, ao contrário, tem seu maior valor justamente na maior diversidade de interpretações que for capaz de captar e representar.
São dois universos paralelos.