Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Correspondente em tempo integral

Morreu no sábado (9/4), em São Paulo, aos 71 anos, o jornalista Elpídio Reali Júnior. Reali Júnior morreu às 8h, em casa, de enfarte. […] Correspondente em Paris durante quase 38 anos, Reali Júnior começou a trabalhar como repórter da Rádio Jovem Pan aos 16 anos de idade. O adolescente que entrava no gramado para entrevistar os jogadores de futebol com um enorme gravador nas mãos ganhou o apelido de ‘Repórter Canarinho’ que logo lhe deu projeção Brasil afora.


Nascido em 1939 em Bauru, onde passou os primeiros anos da infância, sempre manteve elos com a cidade natal. Foi ali que conheceu Pelé, o menino Édson Arantes do Nascimento que se destacava no Baquinho, time infantil do Bauru Atlético Cube. Reali era filho de pai de raízes italianas e de mãe descendente de baianos, família de costumes rurais na fazenda Tibiriçá, sustento da família.


Depois de fazer o primeiro ano do curso primário em Santos, onde seu pai, Elpídio Reali, delegado de polícia e mais tarde secretário estadual de Segurança trabalhou, Reali mudou-se para São Paulo, na Vila Nova Conceição, então um bairro de chácaras de legumes e flores. ‘Minha turma era da pá virada’, contou o jornalista em depoimento a Gianni Carta em gravação para o livro Às Margens do Sena (Ediouro, 2007), lembrando a disputa da criançada na caça aos balões que caíam num eucaliptal da Avenida Indianópolis. Era o goleiro do time de futebol de rua – ‘não era um craque, mas era o dono da bola’.


Golpe militar


Reali tinha 14 anos e Amélia tinha 13, quando começaram a namorar. Estudavam em Higienópolis – ele no Colégio Rio Branco e ela no Sion – saíam para um cineminha e comer um macarrão no centro da cidade, naturalmente escondido dos pais. ‘O primeiro beijo foi na bochecha’, recordou Reali, mais de 50 anos depois. ‘Até hoje estamos namorando’, acrescentou. Ao conseguir o emprego na Jovem Pan, então Rádio Pan-Americana, já estava pensando em se casar. Casaram-se em janeiro de 1961 e já tinham suas quatro filhas – Luciana, Adriana, Cristiana e Mariana – quando se mudaram para a França.


Reali era repórter de rádio, mas trabalhou também em jornais e participou de programas de televisão. Seu primeiro jornal foi o carioca Correio da Manhã, sucursal de São Paulo. Depois foi para a sucursal de O Globo e escreveu para os Diários Associados, sem nunca abandonar a Jovem Pan. Na madrugada de 1º de abril de 1964, no golpe militar, estava ao lado do governador Ademar de Barros no Palácio dos Campos Elísios – um dos poucos repórteres que conseguiram entrar. Nos anos seguintes acompanhou todos os principais fatos políticos do País, ao mesmo tempo que cobria outros assuntos.


***


A despedida de Reali Júnior


Reproduzido do Estado de S. Paulo, 11/4/2011


Ao som da gravação de uma de suas transmissões ‘diretamente das margens do Sena, na Maison de la Radio’, o corpo do jornalista Reali Júnior foi cremado no domingo (10/4), às 16h30, no cemitério da Vila Alpina, em São Paulo.


Elpídio Reali Júnior começou a trabalhar como repórter da Rádio Jovem Pan aos 16 anos. O adolescente que entrava no gramado para entrevistar jogadores de futebol com um enorme gravador ganhou o apelido de Repórter Canarinho que logo lhe deu projeção. Nascido em 1939 em Bauru, onde passou os primeiros anos, sempre manteve elos com a cidade. Foi ali que conheceu Pelé, que se destacava no Baquinho, time infantil do Bauru Atlético Clube. Reali era filho de pai de raízes italianas e de mãe descendente de baianos, família de costumes rurais na fazenda Tibiriçá, sustento da família.


Após fazer o primeiro ano do curso primário em Santos, onde seu pai, Elpídio Reali, delegado de polícia e mais tarde secretário estadual de Segurança trabalhou, Reali se mudou para São Paulo, na Vila Nova Conceição, então um bairro de chácaras de legumes e flores. ‘Minha turma era da pá virada’, contou em depoimento a Gianni Carta em gravação para o livro Às Margens do Sena (Ediouro, 2007), lembrando a disputa da criançada na caça aos balões que caíam num eucaliptal da Avenida Indianópolis. Era o goleiro do time de futebol de rua – ‘não era um craque, mas era o dono da bola’.


Reali tinha 14 anos e Amélia, 13, quando começaram a namorar. Estudavam em Higienópolis – ele no Colégio Rio Branco e ela no Sion -, saíam para um cineminha e comer um macarrão no centro. ‘O primeiro beijo foi na bochecha’, recordou Reali, mais de 50 anos depois. ‘Até hoje estamos namorando.’ Ao conseguir o emprego na Jovem Pan, então rádio Pan-Americana, já pensava em se casar. Casaram-se em janeiro de 1961 e já tinham suas quatro filhas – Luciana, Adriana, Cristiana e Mariana – quando se mudaram para a França.


Reali era repórter de rádio, mas trabalhou em jornais e programas de televisão. Seu primeiro jornal foi o carioca Correio da Manhã, sucursal de São Paulo. Depois foi para a sucursal de O Globo e escreveu para os Diários Associados, sem nunca abandonar a Jovem Pan. Na madrugada de 1.º de abril de 1964, estava ao lado do governador Ademar de Barros no Palácio dos Campos Elísios – um dos poucos repórteres que conseguiram entrar.


‘Sempre escrevi sobre qualquer assunto, minha formação de jornalista autodidata, construída pedrinha sobre pedrinha, me dá essa possibilidade’, gravou no depoimento a Carta. Suspeito de ser comunista, o que sempre negou, ficou na mira da repressão e por isso achou melhor ir para o exterior. Viajou para Paris em setembro de 1972, dois meses antes de Amélia chegar com as meninas. No ano seguinte, foi contratado pelo Estado, por indicação de Ludembergue Góes e Raul Bastos, editores do jornal de passagem pela França, pouco depois da queda de um Boeing da Varig nas imediações do aeroporto de Orly.


Reali deu à cobertura do acidente, em que morreram o senador Filinto Müller e o cantor Agostinho dos Santos, um enfoque bem brasileiro. Atribuiu a um cigarro aceso jogado no vaso sanitário do avião a fumaça que asfixiou os passageiros, descartando assim a versão do diário Clarín, de Buenos Aires, que apostou na hipótese de atentado terrorista. Sua situação ficou comprometida nos Diários Associados, que embarcaram na reportagem do jornal argentino. A versão de Reali estava correta.


Correspondente


Descrever e analisar os acontecimentos da França e de outros países por onde andou com os olhos de um repórter brasileiro sempre foi uma preocupação de Reali. Em Paris, ele cobria mais os fatos do dia a dia, ou fazia artigos especiais sobre eles, enquanto outro correspondente do Estado, o intelectual e escritor premiado Gilles Lapouge, escrevia análises.


À disposição da Jovem Pan e do Estado 24 horas, Reali viajava pelo interior da França e para outros países. Numa época de telecomunicações precárias, transmitia o material por cabines públicas de telefone e brigava com os colegas por um terminal de telex. Fez coberturas marcantes: a Revolução dos Cravos em Portugal (1974), a queda do franquismo na Espanha (1975) e a ascensão de Lech Walesa, na Polônia (1980). Reali e o amigo William Waack, então correspondente do Jornal do Brasil, viajaram várias vezes a Gdansk e Varsóvia, numa delas para cobrir a primeira viagem de João Paulo II a seu país natal.


O apartamento de Reali, às margens do Sena e a poucos quarteirões da Torre Eiffel, tornou-se ponto de encontro de brasileiros. Além de amigos e jornalistas, sempre baixaram ali exilados, artistas e políticos de várias tendências. O economista Celso Furtado, os ex-presidentes Jânio Quadros, João Goulart, José Sarney e FHC, o ex-governador pernambucano Miguel Arraes, os ex-governadores paulistas Lucas Nogueira Garcez e Abreu Sodré, o cineasta Glauber Rocha, a cantora Elis Regina e Lula foram alguns de seus hóspedes ou comensais ilustres. Leonel Brizola era boa fonte e amigo no exílio. Um dos maiores amigos de Reali foi o escritor Luiz Fernando Verissimo, com quem compartilhava os prazeres da boa mesa.


O prestígio do Estado e a popularidade na Jovem Pan facilitaram o acesso de Reali às autoridades francesas e a personalidades estrangeiras que visitavam Paris. Fez entrevistas exclusivas com os presidentes Giscard d’Estaing, François Miterrand e Jacques Chirac, para falar principalmente das relações bilaterais entre França e Brasil. Esse era também o interesse dos candidatos ou presidentes brasileiros que, como Collor, FHC e Lula viajaram à Europa. O ex-ministro Delfim Netto, que foi embaixador em Paris, era uma fonte bem cultivada. Reali não selecionava pessoas nem discriminava ninguém por suas posições ideológicas.


Enviado para participar da cobertura da Rio 92, reunião de cúpula mundial sobre o meio ambiente, Reali teve um enfarte e foi parar no hospital no Rio de Janeiro, de onde viajou em seguida para São Paulo e recebeu três pontes de safena. ‘Esse foi o preço da boa comida parisiense’, brincou Julio Mesquita Neto, diretor do Estado no telegrama que lhe enviou, antes de visitá-lo no Instituto do Coração (Incor).


Reali sempre mereceu o respeito da direção do jornal e da Jovem Pan. ‘Conheci os ‘meninos’ nos tempos de futebol em que eu era repórter de campo no Pacaembu e também quase um menino’, disse ele em Às Margens do Sena, referindo-se à geração dos Mesquita, seus contemporâneos. Citou nominalmente Ruyzito, Rodrigo e Fernão (filhos de Ruy Mesquita), Marina (filha de Julio Neto) e Patrícia (filha de Luiz Carlos Mesquita). ‘Quando viajo ao Brasil, sempre os encontro’, revelou. Na rádio, foi muito amigo dos Fernando Vieira de Melo, o pai e o filho.


Já aposentado do Estado, do qual continuava sendo colaborador, mas ainda atuando na Jovem Pan, Reali viajou em férias para São Paulo em fevereiro de 2009. Deveria ficar dois meses, mas não pôde viajar. Doente, submeteu-se a um transplante de fígado em São José dos Campos. A cirurgia correu bem, mas sofreu outros problemas de saúde. Passou dois anos entre seu apartamento na Alameda Rocha de Azevedo e o Hospital Oswaldo Cruz. Mesmo quando de cama, continuava atento às notícias e pensando em voltar a trabalhar.


Enquanto Amélia se desdobrava para dar assistência dia e noite ao marido, com a ajuda de Adriana, que mora em São Paulo, as outras três filhas, Luciana, Cristiana e Mariana, residentes da França, revezavam-se para passar alguns dias com o pai. Reali tinha muito orgulho das meninas. Cristiana, atriz de teatro e cinema de projeção internacional, ganhou um capítulo especial no livro-depoimento do pai.


Colegas, empresários e políticos prestaram a última homenagem a Reali Júnior, um dos jornalistas mais respeitados de sua geração.


***


Clique aqui para depoimentos em homenagem a Reali Jr. transmitidos pela rádio Jovem Pan.