Todos vocês vibraram com a prisão do ex-governador de São Paulo durante a ditadura e depois dirigente, tantos anos, da CBF, José Maria Marin, ligado à gente fina do futebol brasileiro, como Ricardo Teixeira e o belga-brasileiro João Havelange, da FIFA.
E todos vocês continuaram a vibrar quando, depois de quase vinte anos de denúncias, a Justiça americana conseguiu, graças a delações premiadas (inclusive do brasileiro José Hawilla, proprietário da Traffic) conjugadas com investigações do Ministério Público suíço, interessado na maneira como foram escolhidos a Rússia e o Qatar para as Copas do Mundo de 2018 e 2022, pegar sete de 14 indiciados em corrupção e fraude na direção de federações latinas de futebol e na organização das Copas das Américas.
Será que todos vocês vibraram mesmo com essas notícias?
Não, muitos de meus “companheiros de esquerda” não vibraram com isso, mas festejaram, isso sim, a quarta reeleição para um quinto mandato do dirigente da FIFA, Joseph Sepp Blatter. E sem medo de reeditarem o novo Festival de Besteira que Assola o País, publicaram nos seus sites e blogs umas explicações tão absurdas que só podem tirar credibilidade a esquerda se continuarem a circular.
Assim, o dirigente da FIFA, “que não seria tão corrupto como se pensava mesmo porque ninguém consegue acabar com a corrupção”, teria sido vítima do ódio americano por ter dado a próxima Copa do Mundo à Rússia e a de 2022 ao Qatar, e não aos Estados Unidos. E esse ódio teria mobilizado o FBI, a CIA e a juíza negra e secretária da Justiça, Loretta Linch.
Ora, todo mundo sabe que o futebol ou o soccer, como eles dizem, não é o esporte nacional americano e que, há uns 30 anos, foi alvo de bastante publicidade nos States feita pela própria FIFA com o apoio do Pelé no clube Cosmos, para o futebol se tornar um “produto” nos EUA e participar das competições internacionais.
Esporte nacional americano é o beisebol. Em outras palavras, argumento furado.
A outra é a de que os EUA teriam provocado essa intervenção na FIFA para impedir a votação da expulsão de Israel da FIFA! Para os amiguinhos curtidores das teorias de complô, essa é realmente bem fraquinha. Entretanto, isso não impediu que tenha sido publicado esse besteirol e, provavelmente, alguns ingênuos acreditaram pois circulou entre blogueiros.
Camaradagem suspeita
Esse tipo de ativismo é prejudicial para a esquerda porque cria o descrédito, espalha a impressão de que os pensadores da esquerda são uns espalhadores de boatos furados e imbecis. Por favor, se você recebeu uma dessas besteiras, não espalhe, não redistribua, ela nos compromete.
É verdade, e aproveitamos para alertar, que existem divulgadores nas redes sociais francamente favoráveis ao presidente Putin, da Rússia, talvez pensando que a Rússia de hoje ainda é a União Soviética. E como Putin é amigo do Irã, esses mesmos divulgadores não deixam de mostrar sua simpatia pelo regime iraniano, esquecendo-se de que o Irã não é nenhum exemplo em matéria de direitos humanos e respeito às conquistas das mulheres. A impressão é a de que a ordem é a de apoiar tudo quanto for contra os EUA e isso acaba gerando esses apoios esdrúxulos ao Sepp Blatter, aos aiatolás e ao autoritário Putin. A esquerda não é isso, não apoia nem Putin, nem os aiatolás de olhos fechados e muito menos a corrupção da FIFA, mesmo se Putin enviou muitas palavras de apoio ao presidente Blatter da FIFA que, por sinal, acaba de anunciar sua renúncia ao cargo.
Como o título desta coluna fala em corrupção limpa e corrupção suja, vale uma explicação. Em nossa opinião, corrupção é corrupção. Não existe uma corrupção positiva, uma corrupção limpa feita pela esquerda e uma corrupção suja, negativa praticada pela direita. Essa observação provém da impressão de que muitos companheiros deixaram de aplaudir a ação contra a FIFA, contra Blatter, contra Marin, contra Ricardo Teixeira, para evitar analogia com a corrupção, ainda mais desenfreada, ocorrida na Petrobras. Mesmo porque a corrupção nas Copas da América, que chegou à FIFA, foi também descoberta por denúncias premiadas.
Em síntese: não é verdade que a Justiça americana se meteu indevidamente num outro país, ao pedir a prisão de alguns cartolas da FIFA. O procedimento foi decorrente de denúncias feitas nos EUA sobre dinheiro de propinas depositadas em bancos americanos; fora isso, a Suíça também tinha feito investigações levantando suspeitas sobre as mesmas pessoas. Essa ação salutar em favor do futebol mundial, não tem nada a ver com a política americana em relação à Rússia e nem faz parte de uma nova Guerra Fria e muitos menos envolve palestinos e Israel.
O comportamento ambíguo com relação a Blatter para não desagradar a Putin (!) leva ao absurdo de dar a impressão de que uma “certa esquerda brasileira” lamenta a intervenção na FIFA e, indiretamente, está contra a prisão de José Maria Marin, e da próxima prisão de Ricardo Teixeira. A esquerda à qual pertenço só pode comemorar ter sido, enfim, tomada uma ação judicial e penal contra a máfia da FIFA, detonadora do fim do reinado Havelange-Blatter.
Esta mesma esquerda nunca viu com bons olhos a camaradagem do PT com Sarney, Collor, Maluf e outros, e não aceita a existência de uma corrupção tolerável, limpa e positiva contra uma corrupção inaceitável, suja e negativa. Razão pela qual espera o prosseguimento do processo iniciado com a operação Lava Jato, para que sejam responsabilizados e presos os Marins, Teixeiras, Havelanges e o Blatter brasileiro, da Petrobras.
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Rui Martins, jornalista, escritor, editor do Direto da Redação