Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crime de Primeiro Mundo?

Faltou contexto na cobertura jornalística do assassinato do turista Grégor Erwan Landouar. Na noite de 10 de junho, o francês foi atacado a golpes de faca, na porta de um bar, supostamente depois de ter assistido à Parada do Orgulho Gay (ou GLBT, enfim), em São Paulo. De acordo com testemunhas, ele estava acompanhado de três rapazes homossexuais, quando um grupo de agressores com roupa de skatista, dois dos quais carecas, o atingiram sem motivo aparente.

Aventam-se algumas hipóteses: teria sido um crime passional, ou motivado por alguma discussão anterior, ou, ainda, resultado de intolerância sexual. Esta tem sido a mais citada pela polícia e pelos jornais.

Cabe às autoridades a investigação, esta é a única certeza. O que não impede os jornalistas de situarem os seus leitores acerca da similaridade das circunstâncias deste fato com as de outros que têm ocorrido no Brasil.

A ênfase aqui não é gratuita. É comum depararmos com o mesmo tipo de comentário, toda vez que uma vítima perece pela violência no exterior – onde quer que tenha nascido. Desta vez, a família do jovem, justamente estarrecida pela crueza dos fatos, buscou o estereótipo do país distante e violento.

Morgan Landouar, irmão da vítima, disse que os seus familiares estavam tristes ‘pelo que aconteceu com Grégor e tristes também pelos brasileiros, por viverem em um país como esse, tão perigoso’. A frase rendeu o título da entrevista na Folha de S.Paulo: ‘Irmão de francês lamenta por brasileiros’. A mãe de Landouar também comentou a nossa desgraça social, no Estado de S.Paulo: ‘Tudo o que eu desejo é que se faça alguma coisa, que se pare com essa violência animal que se vive no Brasil’.

Declaração alarmante

Concordo com os dois, mas faço uma ressalva, que depende, é verdade, de uma conclusão de que ainda não dispomos: o turista foi assassinado por intolerância. Nesse caso, teríamos não um estereótipo, mas um antiestereótipo. De hospitaleiro e caloroso a raivoso e eivado de preconceito: eis o brasileiro que o mundo desconhece. Aqui se mata para roubar, aqui se estupra, aqui se furta, aqui se faz o diabo. Mas o histórico de, por exemplo, xenofobia ou homofobia é mais associado a países como aquele em que nasceu e viveu o pobre Landouar.

Não se quer dizer que isso não aconteça entre nós. Na possibilidade de que o crime tenha sido cometido por discriminação sexual, a mídia tem a obrigação de radiografar esse problema. Deveria ter citado o caso de Edson Néris da Silva, adestrador de cães que na madrugada de 6 de fevereiro de 2000 foi espancado até a morte por um grupo de carecas, na Praça da República, em São Paulo. Edson passeava com o seu companheiro, quando foi colhido pela barbárie.

Faltou, também, aprofundar a pauta sugerida pelo Globo Online, em 12 de junho, sob o título ‘Crime de intolerância não tem pena especial’. Na reportagem, o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Bissexuais, Toni Reis, nos diz que, a cada dois dias, um homossexual é assassinado no Brasil. É uma declaração alarmante que exige a atenção dos veículos. Ainda que o francês tenha sido assassinado por outras razões.

Por ora, ficamos com a realidade, um estereótipo e um antiestereótipo. Nada disso é bom.

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Jornalista