"18/10/07
Não há almoço de graça
A primeira página anuncia: ‘Buenos Aires agrada a todos os gostos e bolsos’.
Não é verdade: há, acreditem, quem não goste.
O tom do título é promocional, não jornalístico.
No primeiro texto em Turismo, ‘Moeda desvaloriza, mas os méritos de Buenos Aires não’ (pág. 2), a única companhia aérea citada é a British Airways. Dados da empresa comprovam o sucesso da linha São Paulo – Buenos Aires – São Paulo.
No pé, uma nota informa que um dos dois jornalistas que assinam a reportagem viajou ‘a convite’ da British.
O texto cita três hotéis. Um deles é o Hyatt, o mesmo que convidou um dos autores.
Na página 4, há fotos dos três hotéis, sobre o título ‘Clássicos ou novos, hotéis regalam turista’.
Um dos sentidos do verbo ‘regalar’ é ‘presentear’. Além do Hyatt, aparecem o Faena e o Alvear.
Um dos repórteres foi convidado pela rede de hotéis Leading. Na internet, descobre-se que dois dos hotéis Leading em Buenos Aires são… o Faena e o Alvear.
Ao informar o convite dos hotéis Leading, a Folha não deixa claro ao leitor que os hotéis Faena e Alvear, tão elogiados, em estilo mais apropriado a release do que ao jornalismo, são os que pagaram a conta.
O serviço, é verdade, enumera mais companhias aéreas e hotéis. Os relatos jornalísticos, no entanto, só deram atenção aos patrocinadores da viagem.
Congresso carioca
Legenda da pág. 2 de Turismo trata o Congresso argentino como ‘congresso portenho’.
Portenho é o habitante de Buenos Aires, não o conjunto dos argentinos. ‘Congresso portenho’ equivale a dizer ‘Congresso carioca’, como ainda hoje fazem alguns estrangeiros desinformados.
O texto ‘Moeda desvaloriza, mas os méritos de Buenos Aires não’ fala em ‘cidade portenha’. Não ficaria estranho escrever ‘cidade paulistana’?
Negros e africanos
Título de chamada no alto da primeira página: ‘Descobridor da estrutura do DNA diz que negros têm inteligência inferior à de brancos’.
Título do pé da pág. A30: ‘Africano é menos inteligente, diz Nobel’.
O biólogo James Watson se pronunciou sobre negros ou africanos? Sua opinião, sem fundamento científico, se aplica a negros brasileiros, americanos e equatorianos ou só a africanos?
A chamada na primeira página deveria ‘problematizar’ a afirmação, de ‘cunho racista’, segundo linha-fina de Ciência.
Saiu uma foto de um ancião sorrindo, com sua alta qualificação (‘descobridor da estrutura do DNA’) e nenhum contraponto.
A rubrica é ‘Ciência’, o que reforça a autoridade do comentário. Por que não ‘Racismo’ ou ‘Racismo?’ ou ‘Polêmica’?
Cadê Kaká e Robinho?
A fotografia da primeira página mostra Ronaldinho com Vágner Love.
Os personagens principais da goleada da seleção foram Kaká, Robinho e Ronaldinho.
A capa do Estado, com os três craques, ficou melhor.
Love, love, love
Título do texto principal da cobertura da Folha sobre Brasil 5 x 0 Equador: ‘Love tenta, mas a festa é do trio’.
Parole, parole, parole
Título na primeira página: ‘Arcebispo de SP é nomeado cardeal pelo papa Bento 16’.
‘Pelo papa Bento 16’ não é uma obviedade?
O espaço não poderia ser ocupado com outra informação?
Leitores sem vez
Hoje, de novo, mais da metade do Painel do Leitor é ocupada por assessores de imprensa e por jornalistas (nas respostas).
Registro: a réplica à carta do coordenador de comunicação da Secretaria de Estado da Educação de SP não responde a várias questões.
Nomenclatura
A reportagem ‘Renovação da Ferrari com Massa intriga a F-1’ (pág. D2) se refere ao ‘Independent’ como ‘jornalão’ inglês.
O que é jornalão?
Colunas e ruínas
Chamada da primeira página do Estado, ‘Consórcio de olho no trem-bala’, reproduz informação que saiu na Folha em 31 de julho passado. O consórcio Siemens/Odebrecht apresentou seu estudo para o trem-bala Rio-São Paulo em 2004.
Evento
Participo amanhã, no Rio de Janeiro, de debate no 1º Colóquio de Mídia e Agenda Social, promovido pela Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância).
Resposta ao ombudsman
Recebi do jornalista Igor Gielow, por intermédio da Secretaria de Redação, o seguinte esclarecimento, pelo qual agradeço:
A nota abaixo, do ombudsman, induz à idéia de que a Folha estava viajando no avião da FAB antes e só agora avisou aos leitores. Não é isso: só na edição de hoje [quarta-feira, 17 de outubro] que o repórter produziu matéria após viajar de avião da FAB (trechos internos na África). Antes, voou em avião de carreira.
(A nota da crítica do ombudsman de 17 de outubro: ‘Carona – Hoje, Folha e Estado informam que seus repórteres viajam na África, cobrindo o périplo presidencial, em avião da FAB’.)
17/10/07
A difícil escolha da manchete
Com a notícia da noite, a Folha mudou a manchete. Na edição Nacional foi ‘PF prende 40 acusados de fraude em favor de múlti’. Na São Paulo/DF, ‘Fidelidade partidária vale para todos os cargos, diz TSE’.
O Estado manteve a manchete ‘Gigante da informática é acusada de 8 crimes’.
O Globo escolheu o mesmo assunto, ‘PF prende 40 por fraude bilionária de multinacional’.
O Estado de Minas preferiu ‘Epidemia de dengue volta a assustar país’.
Título de chamada em uma coluna na capa da Folha: ‘Ministro da Saúde admite epidemia de dengue no país’.
Fidelidade partidária, operação da PF e o reconhecimento da epidemia de dengue eram três opções fortes para manchetar.
A minha: epidemia de dengue, com as 481.316 notificações e as 121 mortes de 2007.
A foto que confunde
O texto-legenda do alto da primeira página informa que a PM estimou em 15 mil os participantes do ato contra a CPMF. Mas a fotografia mostra o vale do Anhangabaú com, seguramente, menos de 1.500 pessoas.
Era obrigatório citar o horário em que a imagem foi feita e o que ocorria então no palco, já que aparentemente mais tarde havia mais gente, como se vê na pág. A6. Como saiu, a foto da capa jogou ainda mais para baixo a audiência da manifestação.
Já o título interno, ‘Protesto contra tributo não atinge meta de público e reúne 15 mil em São Paulo’ assume números da Polícia Militar. Como o texto diz, essa foi uma estimativa da PM. Não cabe à Folha acolhê-la em título.
De acordo com o Globo, a PM afirmou que não havia mais de 7.000 presentes.
Carona
Hoje, Folha e Estado informam que seus repórteres viajam na África, cobrindo o périplo presidencial, em avião da FAB.
Discrição
A retranca ‘Com novo comando, Polícia Federal busca ação mais discreta’ (pág. B4) foi um bom diferencial na cobertura da Operação Persona.
Em busca da verdade
A Folha e toda a imprensa entram hoje no caso revelado ontem pelo Diário de S. Paulo, a suposta extorsão de que o padre Júlio Lancelotti teria sido vítima. A cobertura pareceu sóbria, em tom correto. Não custa reforçar: o compromisso do jornal é com a verdade.
Promoção
A entrevista com o ex-oficial do Bope trata o capitão Rodrigo Pimentel como coronel (‘Para roteirista, filme pode ter sido catalisador’, pág. C4). É preciso corrigir.
Capricho
O sistema de edições da Folha permite que vários cadernos sejam atualizados ou integralmente refeitos à noite. Por isso, ficou sem sentido a seguinte passagem da edição São Paulo/DF, na reportagem ‘País vive epidemia de dengue, diz ministro’ (pág. C8): ‘Na noite de ontem, Temporão ocuparia rede nacional de rádio e TV para falar da campanha’.
Se a edição foi concluída às 23h18, como avisa a primeira página, houve tempo para informar se Temporão foi mesmo à TV e ao rádio e o que ele disse.
Pluralidade
A Folha fez muito bem em abrir a Ilustrada para um artigo-resposta de Jacob Klintowitz, curador do Museu Brasileiro da Escultura.
Colunas e ruínas
No dia da estréia da nova coluna Direto da Fonte, na pág. 2 do caderno 2 do Estado, a coluna de Mônica Bergamo, na pág. 2 da Ilustrada, está em dia especialmente bom.
16/10/07
Operação na selva (midiática)
A Folha publica hoje no alto da primeira página fotografia de Nelson Jobim, vestido de militar, com um macaco à altura do peito. O texto-legenda diz que era o quarto dia de sua viagem à Amazônia. A informação mais relevante dá conta de que o ministro da Defesa ‘disse faltar pessoal da saúde na região e sugeriu prestação de serviços por formados em universidades públicas’.
Dentro, há somente um texto-legenda, com repetição de informações da capa.
Trecho da coluna de Janio de Freitas serviria de legenda mais informativa: ‘[…] Nelson Jobim, com o seu exibicionismo típico de caçador de votos distraídos, um dia bombeiro, outro de militar na Amazônia, de repente em navio da Armada […]’.
No sábado, em cobertura da viagem de Jobim a outra cidade do Amazonas, em companhia de Dilma Rousseff, a Folha registrou que seus repórteres de texto e imagem viajaram a convite da FAB. Hoje, em TLs, não há esse anúncio.
Seja qual for a intenção do ministro, tem sido um sucesso de mídia sua viagem que, até agora, quase nada rendeu de notícia. Viagem sem notícia merecer grande atenção no noticiário é de fato uma contradição.
Ontem, no Estado, Jobim segurava uma sucuri. Hoje, joga bola. Sempre com uniforme militar. Não há no jornal nota avisando que seus jornalistas viajaram a convite do governo (podem não ter viajado; não sei).
O Globo, ontem, avisou que o repórter viajou a convite. A foto, mostrando Jobim saindo de uma casamata do Exército, era da Agência Brasil.
Viagem paga pela União a jornalistas convidados e espaço, até agora, bem maior do que a relevância dos fatos resultam em mau momento jornalístico.
Pelo menos O Dia aproveitou a mise-en-scène para ironizar. Deu na primeira página Jobim com a cobra. Em cima, escreveu: ‘Pegar sucuri é mole, ministro’. Embaixo: ‘Duro é encarar as pensionistas’.
Pauta quicando
O Painel conta na nota ‘Latifúndio’ que o setor de comunicação do Senado tem cerca de 600 funcionários.
O que faz toda essa gente remunerada pelos contribuintes?
Para iniciados
A reportagem ‘Maioria do Senado rejeita CPMF como governo quer’ (pág. A4) fala de uma certa ‘noventena’.
O leitor não é obrigado a saber o que é isso. O jornal deveria explicar.
Sem convite
O Globo informa que seu enviado especial à África, na cobertura da viagem de Lula, ‘viajou em avião da FAB, a convite do governo brasileiro’.
Já Folha e Estado não informam ter viajado a convite. Ou seja, supõe-se que viajaram por conta própria, em aviões de carreira.
Remessa de lucros
A boa reportagem de capa de Dinheiro rendeu a manchete do jornal, ‘Remessa de lucro triplica sob Lula’.
A informação merecia um debate maior. A Folha ouviu somente três pessoas: um professor da PUC-SP, um diretor da Câmara Americana de Comércio e o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização. Nenhum identificou problemas para o Brasil com as remessas em alta.
O jornal deveria ter consultado mais pessoas e instituições, em especial as com opiniões divergentes.
Testemunha ocular
A reportagem ‘Sem verba, Exército deixa de levar água para vítimas da seca’ (pág. C8) foi feita à distância, de uma cidade litorânea. Os leitores vão ganhar se a Folha enviar repórter à região atingida pela falta de chuvas.
O ministro da Defesa deveria ter sido ouvido. Não foi. Na mesma página, ele aparece em mais uma foto, em texto-legenda com um dos títulos mais desenxabidos da temporada: ‘Macaco pula em ministro na Amazônia’.
Só falta a Branca de Neve
A abertura inspirada da reportagem ‘Dunga chega irritado da Colômbia’ vale o jornal de hoje: ‘No dia seguinte à estréia frustrante da seleção brasileira nas eliminatórias, o técnico Dunga mostrou-se zangado’.
Em capítulos?
A seção Outro Canal tem como título principal ‘Apologia da fé é pior do que sexo, diz bispo’. A nota contém declarações do bispo Edir Macedo em entrevista por e-mail à Folha.
O bispo deu nova entrevista ao jornal ou as informações sobraram da que foi publicada no sábado? Era preciso esclarecer.
Retardatário
Só depois de concluir a crítica de ontem tive tempo para ler, na íntegra, o caderno de quatro páginas publicado no sábado sobre Paulo Autran. (Ontem lamentei que o título não tenha sido ‘Paulo Autran’, mas ‘Ilustrada 2’).
Minha impressão é de que o caderno ficou muito bom, com larga vantagem na comparação com os concorrentes.
Resposta ao ombudsman
Recebi da editora de Mundo, Claudia Antunes, por intermédio da Secretaria de Redação, a seguinte resposta a comentário da crítica de ontem:
Embora a China seja uma ditadura de partido único, o atual presidente e secretário-geral do Partido Comunista, Hu Jintao, não pode ser chamado de ditador. Hu não detém o poder discricionário que Mao Tsé-tung exerceu em seu tempo ou que Fidel Castro exerce há 48 anos em Cuba (ou pelo menos exercia até adoecer). O poder do presidente chinês, atualmente, tem que ser negociado não apenas com o restante da cúpula comunista como também, e principalmente, com os chefes do PC nas Províncias, que muitas vezes resistem ao comando da direção central. Em resumo: a ditadura é dos comunistas em geral, e não do presidente. Isso de certa forma tem a ver, sim, com as reformas econômicas dos últimos 25/30 anos. Mas não significa, como sugere o ombudsman, um juízo de valor ideológico sobre essas reformas.
Comentário do ombudsman
Agradeço a resposta e comento:
Temos uma concordância: o regime político da China é uma ditadura. Então, não há por que omitir tal informação na cobertura em curso. Hoje o jornal fala em ‘ausência de democracia’. É um eufemismo. Sobre Mianmar, há referência à ‘ditadura birmanesa’. Se em Mianmar há uma ditadura e a Folha a designa assim, o jornal deveria fazer o mesmo com a China.
15/10/07
Anotações sobre uma entrevista ótima, olho no olho, e uma entrevista boa, por e-mail
A Folha publicou no domingo uma ótima entrevista com o presidente da República. Rendeu a manchete ‘Lula não descarta concorrer em 2014’.
No sábado, saiu uma boa entrevista com o bispo Edir Macedo, aliado de Lula, com o título interno ‘Corrupção é perdoável com arrependimento, diz bispo’.
Um contraste decisivo para fazer da primeira uma peça jornalística superior à segunda foram as condições: Lula foi entrevistado pessoalmente; Macedo, por e-mail.
O correio eletrônico trouxe muitas facilidades ao jornalismo. Há menos chance de uma entrevista se frustrar por causa de limitações de agenda do entrevistado. Por e-mail, ele responde quando pode. O entrevistador não perde o pingue-pongue desejado.
Por outro lado, um dos traços essenciais da entrevista, a possibilidade de replicar e treplicar, insistir e não se satisfazer com a resposta, a ambição de arrancar alguma informação ou declaração a mais, tudo isso se perde ou é prejudicado na conversa por e-mail.
Muitos entrevistados também preferem o e-mail para se assegurar que a transcrição será mais fiel ao que dizem. Também para não dar chance a indagações complementares. E porque, por escrito, o pensamento é mais bem ordenado (é por isso que, quase sempre, as perguntas parecem mais claras que as respostas; os entrevistadores têm a chance de aprimorar no computador o que falaram).
Ainda está por ser estudado o impacto das entrevistas por e-mail no jornalismo. No exterior, essa reflexão já começou.
Diferenças concretas: quando Lula deu respostas evasivas ou frágeis ou contraditórias sobre José Dirceu, Roberto Jefferson, seu filho Fábio e mensalão, o entrevistador Kennedy Alencar retrucou, obteve mais declarações para tornar mais claras (para o bem e o mal, a decisão é do leitor) as idéias do presidente.
Já Edir Macedo disse o seguinte: ‘Jesus ensina que o único pecado imperdoável é a blasfêmia contra o Espírito Santo. Para os demais, há perdão, se houver arrependimento’.
Em uma entrevista tête a tête, o repórter Daniel Castro poderia relacionar vários nomes de corruptos notórios e perguntar sobre o perdão a eles.
Sobre aborto e sua descriminalização, Macedo afirmou: ‘O que a Bíblia ensina é que se alguém gerar cem filhos e viver muitos anos, até avançada idade, e se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é mais feliz do que ele (Eclesiastes 6.3). Não acredito que algo, ainda informe, seja uma vida’.
Caberiam novas perguntas, até para entender melhor o que o chefe da Igreja Universal quis dizer.
Há situações (não pareceu ser o caso da entrevista do sábado) em que, mesmo por e-mail, é possível fazer novas perguntas. Mas não é como estar pessoalmente com o entrevistado.
Voltarei ao assunto.
Um por todos
A entrevista de Lula à Folha me pareceu mais interessante do que a publicada pelo Estado em 26 de agosto. O ‘cardápio’ de ontem foi mais estimulante.
O Estado contou com quatro entrevistadores. A Folha, com apenas um.
A comparação reforça minha impressão de que entrevistas no geral rendem mais quando só há um entrevistador.
No século passado, um executivo de uma revista semanal desestimulou a escalação de equipes para entrevistas. Não se teve informação de prejuízo com a existência de apenas um entrevistador.
Registro histórico
Se Lula diz –ou dá a entender– que seu último porre ocorreu em 1974, então ele estava sóbrio quando afirmou, na década de 1980, que Leonel Brizola seria capaz de pisar no pescoço da mãe (ou algo do tipo) para ser presidente.
Pequenos problemas
A introdução da entrevista com Edir Macedo tem alguns problemas.
O jornal banca que a tiragem da biografia autorizada do religioso é de 700 mil exemplares. Pode até ser, mas, que eu saiba, a Folha não tem condições de assegurar. Por isso, deve creditar a fonte.
Reafirmo observação de meses atrás: embora haja quem defenda o aborto, o mais comum é que se defenda sua descriminalização ou a ampliação da lei que o permite em determinadas condições. Saiu que ‘Macedo defende o aborto’.
Há duas vezes ‘porque’ que deveria ser ‘por que’, creio.
Primeira dominical
O título de chamada esportiva no alto da primeira página de domingo (‘Seleção estréia a 2.600 m nas eliminatórias’) é velho de muitos meses. O jornal deveria ter salientado alguma novidade ou abordagem mais original.
Foi bom destacar na capa o ótimo artigo de Renato Mezan no Mais! (‘Por que um povo impontual dá tanto valor ao relógio de Huck?’, título na primeira).
Primeira sabática
Grande sacada o título do texto-legenda sob a fotografia que mostra um alpinista descendo da cúpula da Basílica Nacional de Aparecida com a imagem de Nossa Senhora: ‘Baixando a santa’.
Paulo Autran
As quatro páginas de sábado dedicadas à cobertura da carreira do ‘grande ator brasileiro’, morto na véspera, não deveria ter saído sob a rubrica ‘Ilustrada 2’.
O caderno deveria se intitular ‘Paulo Autran’.
Não é detalhe.
1949-1959
A boa cobertura da Folha, melhor que a da concorrência, sobre os preparativos para o congresso do PC Chinês reafirmou ontem e hoje o tratamento de Hu Jintao como ‘presidente’.
Hoje o jornal reafirma o tratamento de Fidel Castro como ‘ditador’.
Reafirmo o que disse semanas atrás: gostaria de entender a diferença entre o chinês e o cubano.
Fidel está há quase 50 anos no poder. Hu tem poucos anos na cadeira e data prevista ou especulada para sair, daqui a cinco anos. Mas ambos encabeçam regimes de partido único semelhantes. São ditaduras.
Ou Fidel é ditador e Hu também é ou nenhum é.
Não há por que haver tratamento distinto. Parte do jornalismo internacional trata o governo chinês com benevolência, no que se refere às liberdades políticas ou ausência delas, porque ele integra o país ao grande mercado mundial, o que o governo cubano não faz.
É por isso que um é ‘presidente’ e o outro ‘ditador’?
Curiosidade: quem fim levou a oposição chinesa? Ainda existe ou o massacre da Praça da Paz Celestial deu fim a ela? Se existe, como se organiza?
Chutômetro
A Folha afirma hoje que a Polícia Militar estimou em 800 mil os participantes da Parada Gay no Rio.
No Globo, a PM fala em 1,2 milhão.
Com os claros que a foto na Folha deixa evidentes, está errada a legenda (pág. C7) segundo a qual ‘gays, lésbicas e simpatizantes lotam orla de Copacabana’. Eram muitos, milhares, mas não lotaram a orla.
A primeira página cita a estimativa da PM do Pará de que 2 milhões de pessoas participaram da procissão do Círio de Nazaré em Belém. O jornal deveria esclarecer se é projeção científica ou não.
Ações da Bovespa
Não é que lhe falte clareza ou sobre terminologia cifrada, mas a reportagem de hoje ‘Investidor se prepara para `comprar´ Bolsa’ poderia ter oferecido informações mais detalhadas e mastigadas para os novos investidores que acorrem ao mercado financeiro.
Exemplo: está claro para os leitores habituais quais são as ‘instituições financeiras credenciadas’. Mas para muitos novatos talvez não esteja.
Com a abertura de capital da Bovespa e em eventos de repercussão –para certo público– como esse, é recomendável investir no ABC.
Contribuição pontual ao Erramos
Para que a Folha não saia amanhã, como hoje, sem nenhuma correção: está errada a tabela de classificação do grupo A das Eliminatórias da Eurocopa (pág. D7 do domingo): a Polônia não tem 26 pontos.
Resposta ao ombudsman
Na quinta-feira à noite, recebi do jornalista Leonardo Souza, por intermédio da Secretaria de Redação, a seguinte resposta a observações minhas na crítica diária:
Não é verdade que o senador Demóstenes Torres avisou a Folha sobre a espionagem. Na sexta-feira [dia 5 de outubro] à tarde fui pautado para verificar se procedia o boato que circulava no Congresso de que Renan despachara para Goiânia um assessor para espionar os senadores Demóstenes e Marconi Perillo. Eu sequer tinha os telefones dos senadores ou de seus assessores. Nem Demóstenes nem Perillo são minhas fontes.
Demóstenes apenas confirmou que tivera notícia da investida de Francisco Escórcio contra ele e Marconi Perillo, sem dar nenhum detalhe a mais (entrevista gravada).
Foi Escórcio, o assessor de Renan, quem confirmou as demais informações, como a ida a Goiânia e a reunião com Pedro Abrão no escritório de Heli Dourado, negando, contudo, ter tratado de espionagem contra os senadores.
Em entrevista no sábado, Heli Dourado confirmou que Abrão e Escórcio haviam tratado, sim, de fotografar Perillo, o que contradizia o assessor de Renan. A matéria foi publicada no domingo.
Não é correto, portanto, afirmar que a Folha passou a gravação a Demóstenes como ‘retribuição’ por ter sido informada da tentativa de espionagem.
No domingo, Heli Dourado divulgou nota e deu entrevistas em Goiânia negando a declaração à Folha Francisco Escórcio fez circular no Senado a nova versão de Dourado. Na segunda-feira, o senador Demóstenes solicitou ao repórter uma cópia da gravação da entrevista. Após consultar a chefia da sucursal, fui autorizado a passar somente a parte da gravação que havia sido publicada um dia antes.
A entrevista dada pelo ‘Senhor X’ foi ‘off-the-record’. A entrevista dada por Heli Dourado foi em ‘on’, e o conteúdo de suas declarações e seu nome já haviam sido publicados. Portanto não cabe a comparação.
Comentário do ombudsman
Agradeço a resposta e comento:
1) O centro das minhas restrições enunciadas nas críticas da semana passada foi a entrega a um parlamentar, o senador Demóstenes Torres, de gravação de entrevista feita pela Folha com um advogado. Pelo que entendi, o repórter considera que acertou. É uma opinião legítima, mas divergimos. Para mim, o gesto contraria os procedimentos e valores consagrados pelo jornal.
2) A resposta, se não contradiz, não confirma a manifestação encaminhada a mim pela Secretaria de Redação, para publicação na coluna dominical. A SR afirmou: ‘O repórter consultou a chefia, mas, por causa de um mal-entendido, foi autorizado a passar a fita ao senador’. Já o relato do repórter não faz referência a nenhum mal-entendido. Ou seja: teria havido concordância em presentear o senador com a gravação.
3) Na crítica da terça-feira passada, fiz referência (na nota ‘Crédito omitido’) a texto publicado naquele dia pelo jornal com a seguinte informação: ‘O caso [da suposta espionagem em Goiás, a serviço de Renan Calheiros] veio à tona depois que Demóstenes disse à Folha que seu amigo Pedrinho Abrão, empresário, se encontrou com Escórcio em Goiânia, no escritório de um advogado’. O erro, eu dizia, era omitir que a revista Veja veiculara a informação no mesmo sábado. Depois eu saberia que Ricardo Noblat deu na véspera (5 de outubro) em seu blog. Pena que o repórter não esclareça o ‘furo’ alardeado, mas inexistente.
4) Também lembrei em crítica da semana passada do verbete ‘gravador’ do Manual da Redação: ‘[…] A publicação do conteúdo de uma gravação feita sem o conhecimento do entrevistado depende de consulta prévia à Direção de Redação’. O entrevistado sabia da gravação? A DR foi consultada?
5) Minha afirmação sobre a importância das informações prestadas por Demóstenes Torres à Folha se baseou no trecho de reportagem citado entre aspas no item 3.
6) A comparação com os diálogos gravados pelo ‘Senhor X’ se restringe à prerrogativa de o jornal manter em seu poder as gravações das entrevistas que faz, inclusive em ‘on’.
7) Agradeço o esclarecimento de que não houve ‘aviso’ e ‘retribuição’. Sigo, contudo, sem entender: que valores jornalísticos embasaram a concordância em atender ao pedido do senador?"