Peço desculpas aos leitores por entrar em uma seara que não é bem o foco dos meus textos. No entanto, o episódio sobre o qual escreverei não deixa de ter relação com certos debates aqui já realizados. Falo da cruel, ultrajante, aviltante, preconceituosa e descabida declaração de Boris Casoy no último Jornal da Noite de 2009, da Rede Bandeirantes.
Para quem não viu ou não tomou conhecimento, já que a noite de 31 de dezembro não é exatamente um sucesso de audiência, Boris anunciou um intervalo, falando sobre os assuntos que seriam apresentados no bloco seguinte. Em seguida, antes da vinheta do jornal, veiculou-se a fala de dois garis, desejando bons votos de ano novo. Pois eis que, logo depois, assim que terminou a vinheta, instante em que, normalmente, desliga-se o microfone dos apresentadores dos telejornais, o áudio de Boris vazou. E o que ele disse?
‘Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades… do alto das suas vassouras… Dois lixeiros! O mais baixo da escala do trabalho!’, afirmou Boris, deixando claro em rede nacional alguns de seus valores.
‘Diarréia verbal’
Quem falhou não foi apenas o operador de áudio, que não ‘cortou’ o microfone de Boris. Este talvez tenha sido o menor dos erros. A grande falha que escancarou-se nesse episódio foi a do caráter, a do berço, a da educação, a da criação, a do senso de justiça, este último, tão apregoado por Casoy em seus rompantes, em geral, contra políticos e contra toda notícia de fato absurdo ou injusto.
Fico imaginando como se sentiram aqueles dois garis, no último dia do ano: no meio do valiosíssimo trabalho desses dois digníssimos profissionais (sem os quais qualquer cidade pararia), uma equipe de reportagem os abordou, pedindo que deixassem uma mensagem de ano novo a todos os brasileiros. Num primeiro momento, talvez tenham recusado, ou titubeado, inibidos pela câmera e pelo microfone. Por fim, concordaram em gravar, abrindo seus corações com os melhores desejos aos telespectadores. E quando chegou a noite, na hora de assistirem aos seus depoimentos, provavelmente ao lado da família e dos amigos, o que viram foi o destruidor comentário de Boris Casoy. A ‘diarréia verbal’ de Boris (com o perdão aos leitores) ainda seguiu-se de um debochado e insolente risinho de mulher, que, tanto quanto Boris, mostrou o lado mais sórdido de sua personalidade: a do preconceito.
Segunda faceta
Pergunto à Band, ao sr. Boris e à infeliz criatura que riu-se do odioso comentário: com que credibilidade, respeitabilidade e moral esse sujeito vai ‘botar a cara’ no vídeo, pregando moralidade e rotulando as mazelas com o seu consagrado bordão ‘Isso é uma vergonha!’?
A propósito do tal bordão, temos duas imagens de Boris: o que se levanta contra as injustiças, construída ao longo de anos e anos de jornalismo, e o que ataca aqueles que comumente entram no rótulo das ‘minorias’, escancarada em míseros e trágicos segundos. Em suma, a imagem certa de Boris… e a mais certa.
A ‘falha’ no áudio talvez tenha revelado a segunda faceta, que aparenta ser a mais verdadeira, e também a mais cruel, tão representativa ela é dos reais valores desse cidadão.
O comentário desse senhor sobre os ‘lixeiros’ (chamados de garis no pedido de desculpas) é tão ou mais revoltante do que Arrudas, Prudentes, Brunellis, panetones, cuecas e meias de 2009. E, como tal, inviabiliza esse elemento para cobrar retidão dos outros.
E que em 2010, consigamos varrer definitivamente o preconceito que teima em desgraçar a raça humana.
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O pedido de desculpas de Boris Casoy (01/01/2010)
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Jornalista, Belo Horizonte/MG