‘Punição para a selvageria’, matéria do Globo de 20/2/04, começa muito bem, informando que os 11 PMs que torturaram barbaramente ‘um morador do Morro da Coroa, em Santa Teresa [Rio de Janeiro], foram afastados ontem de suas funções e já estão detidos no batalhão’.
‘Como O GLOBO noticiou, os PMs teriam submetido a maus-tratos Nelis Nelson dos Santos, de 31 anos, na manhã de segunda-feira. Ouvidos no batalhão, os militares – entre eles dois oficiais – inicialmente negaram, mas acabaram admitindo ter estado com Nelson. Por isso, o comandante do 1º BPM, tenente-coronel Marcos Alexandre Santos de Almeida, decidiu-se pela prisão. Os policiais negaram a acusação de tortura.’
O segundo parágrafo prossegue escorreito:
‘Parentes de Nelson disseram que os PMs – cerca de 15 –, em busca de informações sobre o esconderijo dos traficantes do morro, submeteram a vítima a cerca de três horas de torturas’.
Na linha seguinte, porém, o deslize intolerável:
‘Viciado em drogas, Nelson recebeu choques elétricos, levou chutes na barriga e foi empalado com um cabo de vassoura.’
De que serve o ‘viciado em drogas’ em reportagem que denuncia tortura? De justificativa do injustificável?
No mesma sexta-feira, no Globo Online, nota informava que em São Paulo um policial atirou em dois homens que pararam o carro perto do seu, porque pensou ser um assalto. A nota dizia que o motorista baleado, ‘ex-presidiário’, estacionara em frente à casa da namorada. Terá o policial adivinhado que o rapaz era ‘ex-presidiário’, e por isso disparou? Uma notinha de apenas seis linhas praticamente justifica o crime.
Nas duas matérias ouve-se a voz da polícia, a versão da polícia. Que calcula muito bem o valor de uma informação ‘plantada’ desse jeito, como que casualmente, em textos de jornal. Mais de uma vez isso tem sido usado nos tribunais em favor dos criminosos, em detrimento das vítimas da violência policial.
E assim caminham as editorias de polícia, acumpliciadas com a tortura e o assassinato nas supostas hostes da lei.