Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Da fantasia para a realidade e vice-versa

É verdade que nossa vida cotidiana é composta de duas camadas: a real e a lúdica. A vida real é a pragmática, constituída por atos de nosso trabalho, pelas necessidades cotidianas de sobrevivência e pela postura pragmática diante da sociedade. Já a lúdica ou fantasiosa é constituída pelo lazer oferecido pelos jornais, revistas, televisão, teatro, cinema e tantas coisas prazerosas. Hoje em dia somam-se ao mundo da fantasia as oferecidas pelos arsenais tecnológicos, principalmente pelas redes sociais e afins.

São camadas distintas, sim, mas interligadas e dependentes de tal maneira que uma não sobrevive sem a outra.

Como exemplo dessa relação poderia citar o recente caso tão divulgado pela mídia, do juiz que “escorregou na maionese” e, num surto exagerado, saiu de sua sisuda e responsável realidade pragmática e mergulhou no mundo de fantasias com espasmos de grandeza capaz de julgar-se maior que Deus – na sua imaginação lúdica, o próprio réu milionário que ele julgava – e com isto, apoderar-se de seus bens sem nenhuma cerimônia.

Por outro lado, isto também acontece na camada fantasiosa. Recentemente pudemos verificar na novela Império um caso interessante: a atriz Drica Moraes teve que sair da novela por imposição médica. Ora, a vilã Cora, que ela interpretava, era uma figura central e indispensável no desenrolar da história. Um impacto da realidade na camada da fantasia… O que fez o autor? Simplesmente, dentro da trama, substituiu a personagem por outra muito mais nova com uma desculpa esfarrapada que ninguém engoliu. Mas aí aconteceu um fenômeno: a audiência aceitou a troca em solidariedade com o drama pessoal da atriz no mundo real. Louvável, mas que se danasse a lógica na história!

A criança começa a descobrir o nosso mundo dentro da camada lúdica. Até seus cinco ou seis anos vive imersa num universo de fantasias, muito incentivada pelos pais. Um dia, vai com a mãe a uma loja de brinquedos e fica deslumbrada com aquela quantidade maravilhosa de brinquedos e, claro, quer – digamos, se for menina – uma boneca. Aí a mãe apresenta-lhe a realidade dizendo-lhe que agora não tem dinheiro para comprá-la, mas consola-a explicando-lhe que ela tem que pedir para um tal Papai Noel lá no final do ano. Como assim? O que é esse poderoso dinheiro e vem de onde?

As teorias da conspiração

Interessante é que pelos seis, sete anos, aquela mesma criança vai para a escola. Aí descobre que essas bobagens de coelhinho da Páscoa e Papai Noel são invenções dos adultos, principalmente para que alguns ganhem seu dinheiro em cima dos sonhos das crianças. Aí, por inércia, os pais continuam no mundo da fantasia pensando ingenuamente que seus filhos ainda acreditam nas suas mentiras. E depois, quando esses filhos revelam suas descrenças, é a vez dos pais ficarem desolados!

Mas essa interação entre a realidade e a fantasia também se estende ao macro mundo. Em geral, as mulheres são mais fantasiosas que os homens, e por isto gostam tanto de novelas. Sofrem com as desgraças das mocinhas e revoltam-se com as maldades dos vilões.

Já os homens adoram futebol (que as mulheres odeiam) porque é um jogo pragmático com um resultado real e definido por gols contra ou a favor. Mas quem não gosta de uma fantasia? Para isto existem as tais mesas redondas da TV onde alguns “entendidos” discutem se o gol foi real, se houve um impedimento por milímetros que só uma determinada câmera pode flagrar, se aquele “chapéu” foi humilhante para o adversário ou ainda, perdem seu tempo ouvindo de um “especialista” – vejam só – que, se fosse o juiz, “esse eu não daria”. Enfim, essas abobrinhas que nós, homens, adoramos.

E não tem aquela história das versões fantasiosas sobre a realidade que culminam com as teorias da conspiração, como a de que “Elvis não morreu” ou que o homem não pisou na Lua? Ou, como agora está se noticiando, de que a Grécia quer propor uma fantasia ao mundo real, pedindo o ressarcimento da dívida de guerra que os alemães nazistas impuseram pelas mortes e destruição de cidades gregas? Para eles, uma realidade, isto é, que os alemães contemporâneos paguem pelos erros dos seus antepassados. Para os alemães, uma pura fantasia que nada tem a ver com a realidade.

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Luiz Ernesto Wanke é professor aposentado