Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Da repressão da ditadura à repressão da guerra

Quando Saddam Hussein governava o Iraque, os meios de comunicação eram estritamente controlados. Repórteres e editores recebiam licenças para trabalhar e tinham seu trabalho observado atentamente. Mais de três anos após a invasão americana no país, os jornalistas iraquianos conquistaram um nível considerável de liberdade – principalmente quando comparado a países vizinhos como a repressora Arábia Saudita. O contato com empresas de comunicação ocidentais deu a eles um grau de profissionalismo antes desconhecido, e a mídia local se tornou, por conseqüência, mais ousada e agressiva.

Daí a afirmar que a situação da imprensa no Iraque é boa, ou ao menos razoável, pode ser considerado exagero. ‘O caminho para a democracia não é suave, é repleto de bombas’, resume Habib al-Sadr, executivo-chefe da Iraqi Media Network, maior organização de mídia do país.

Liberdade, explosões e detenções

‘Agora somos livres’, celebrava o editor do jornal de Bagdá al-Sabah, Falah al-Mishaal, em entrevista concedida no fim de julho. ‘Podemos escrever o que quisermos’. Três semanas após o depoimento, um homem dirigiu um pequeno ônibus cheio de explosivos até o estacionamento do al-Sabah e explodiu o veículo, matando duas pessoas e ferindo outras 20.

O exemplo dá uma noção do cenário enfrentado pela mídia iraquiana. Desde o início da guerra, cerca de 130 profissionais de imprensa – na maioria iraquianos – foram mortos quando (ou porque) faziam seu trabalho. ‘Os jornalistas daqui trabalham sob condições muito, muito, muito difíceis’, diz um funcionário da embaixada americana no Iraque entrevistado pelo New York Times sob condição de anonimidade. ‘Eles são atingidos por todas as direções’. Diplomatas dos EUA afirmam admirar a coragem e dedicação dos repórteres locais para cobrir a guerra e os ‘esforços pela democracia’.

Repórteres, editores, fotógrafos e cinegrafistas são alvos de seqüestro por gangues e alvos de detenção pelo Exército americano, sob suspeita de ligação com insurgentes sunitas ou milícias xiitas. O medo de assassinato é tão grande que há profissionais que passam meses sem ir para casa. Além disso tudo, eles sofrem também com as pressões do governo.

Lembranças de Saddam

De acordo com novas leis que punem quem ridiculariza as autoridades, algumas ressuscitadas do antigo código penal de Saddam Hussein, jornalistas podem ser processados por ‘ofensa’ a funcionários governamentais. Atualmente, três jornalistas de um pequeno jornal no sudeste iraquiano enfrentam processo por artigos, publicados no ano passado, em que acusavam um governador, juízes e policiais de corrupção. Estes profissionais são acusados de violar o parágrafo 226 do código penal, segundo o qual pessoas que ‘insultam publicamente’ o governo ou funcionários públicos podem pegar até sete anos de prisão.

Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, pelo menos outros três profissionais iraquianos já foram presos por escrever artigos considerados criminalmente ofensivos. No início de setembro, a polícia interditou os escritórios do canal por satélite al-Arabiya, com a justificativa de ‘reportagens inflamatórias’. Recentemente, o gabinete do primeiro-ministro, Nuri Kamal al-Maliki, passou a negar qualquer diálogo com organizações de notícias que reportam sobre a violência sectária no país de maneiras que o governo considera provocadoras.

Em agosto, mais de 70 organizações de notícias participaram de um abaixo-assinado de apoio ao plano de reconciliação nacional do primeiro-ministro, com a promessa de não divulgar mais depoimentos inflamatórios ou imagens de mortos em ataques, e com votos de ‘disseminar as notícias de uma maneira que harmonize com os interesses do Iraque’. Dias depois, a polícia barrou jornalistas que tentavam fotografar cadáveres após explosões. Desde então, diversos fotógrafos tiveram suas câmeras e cartões de memória destruídos. Informações de Paul von Zielbauer [The New York Times, 29/9/06].