No Brasil seguem ecoando na mídia, como de costume, notícias destoantes sobre o número total de crimes ocorridos e respectivos métodos e técnicas (também divergentes) de elaboração de estatísticas criminais por parte das unidades federativas e do governo central. Isso também abrange a importante questão de procurados e foragidos, presos em regimes especiais etc. A “Inteligência de Segurança Pública”, produtora de “análises espaciais” do fenômeno do crime da violência, pode ofertar subsídios valiosos para a elaboração de políticas, planos e programas de segurança pública, tanto no plano local quanto nacional, e até mesmo regional, no âmbito da América do Sul em que o Brasil está inserido. Mas os insumos para tanto – cifras, índices, dados enfim – permanecem questionáveis e incertos.
Isso constitui hoje parte de uma infindável “discussão acadêmica”, enquanto a gestão técnico-profissional do setor permanece sem instrumentos informativos válidos e confiáveis acerca da real situação da criminalidade nacional. Tal discussão agora alcança até mesmo altas autoridades do governo federal, ainda que o Ministério da Justiça esteja engajado na construção de um sistema de estatísticas criminais agregadas nacionais desde mais de dez anos atrás. Isso remonta ao tempo do “sequestro do ônibus 174”, no Rio de Janeiro, quando o governo federal fez editar seu primeiro grande instrumento de política pública para a segurança – o Plano Nacional de Segurança Pública.
FBI celebra declínio de crimes
É preciso ter em conta que importantes questões de âmbito e importância nacional estão intimamente ligadas com questões apenas aparentemente de “segurança pública local”. Esse é o caso da segurança nacional do Brasil, considerando o ativo narcotráfico andino fronteiriço e a corrupção que ele arrasta, tanto localmente, nos países de origem da “indústria criminosa da cocaína”, quanto além das fronteiras da Bolívia, Peru e Colômbia. Já não resta dúvida de que ela está também instalada no Brasil, penetrando deleteriamente no território nacional brasileiro. Os desdobramentos disso, aparentemente descurados pelo governo central, já atingem hoje até mesmo as “políticas locais de pacificação” conduzidas em um Rio de Janeiro conflagrado e que irá sediar uma Olimpíada…
Já os norte-americanos seguem elaborando regularmente sobre os resultados de seu sistema octogenário de coleta de dados e produção de estatísticas criminais oficiais. Como de costume, no mês de setembro é tempo de “olhar para o ano anterior” e cotejar as cifras respectivas com as do último quinquênio e/ou até mesmo com as de várias décadas anteriores (remontando até a década de 1930). Um modelo a ser seguido? Talvez, vencidos preconceitos que implicam “reinventar a roda”…
No dia 19 de setembro, o Federal Bureau of Investigation (FBI, a Polícia Federal norte-americana), órgão de investigação pertencente ao equivalente norte-americano do Ministério de Justiça do Brasil, celebrou na mídia o declínio, em 2010, dos crimes violentos contra a pessoa (queda de 6% diante das cifras de 2009) e também um decréscimo dos crimes contra o patrimônio (2,7% menor vis-à-vis 2009). No primeiro caso, o declínio está mantido pelos últimos quatro anos, enquanto no segundo o decréscimo se apresenta constante nos oito anos anteriores.
Sistemas de registro e identificação
Impressiona a riqueza de dados e informações produzidas pelo FBI acerca da criminalidade dos EUA em 2010. Tais estatísticas agregadas nacionais indicam um total estimado de 1.246.248 ocorrências criminais para crimes violentos contra a pessoa e 9.082.887 contra o patrimônio. Essas estatísticas estão consolidadas no relatório “Crime nos Estados Unidos”, elaborado com dados e informações provenientes de 18.108 instituições policiais escolares, tribais, metropolitanas, estaduais e federais. Talvez fosse mais simples elaborar um trabalho do gênero no Brasil, considerando a existência de apenas 54 polícias estaduais e duas federais por aqui. Ainda assim, os brasileiros seguem sem um instrumento consolidado de estatísticas criminais nacionais agregadas.
Paradoxalmente, com o que usualmente aponta a “crônica criminológica” brasileira, a norte-americana sugere que a criminalidade pode diminuir, até mesmo em tempos de “vacas magras” e crise econômica como a que atualmente se abate sobre os EUA. No diário The Washington Times (19/9) vai apontado que “se uma pessoa perde seu emprego em um banco, ela não sai e vai roubar um banco”. A mesma fonte faz referência a James Alan Fox, criminólogo da Universidade Northeastern, quando ele sugere que o declínio no fenômeno da criminalidade é atribuído a uma “combinação de fatores”. Tais fatores incluiriam o número de internos no sistema prisional do país, o envelhecimento da população e a utilização crescente de tecnologia pelas forças policiais norte-americanas.
Mesmo destoando da realidade norte-americana no tocante a um sistema consolidado de estatísticas criminais nacionais que seja válido e confiável, a realidade brasileira acompanha a tendência, não só dos EUA, como também do restante do mundo, na utilização intensiva de modernas tecnologias e sistemas de informação na consecução da atividade fim policial. Se não temos boas estatísticas criminais, não é por “atraso tecnológico”.
Problemas na disponibilidade
Isso se aplica, e verifica, mais especificamente na observação e vigilância. Através delas, a “aquisição de dados e informações” passou a estar fartamente disseminada no Brasil por inúmeros dispositivos de gravação de áudio e vídeo. Aí estão incluídos desde Circuitos Fechados de Televisão (CFTV) de organizações públicas e privadas, modernos sistemas de registro e identificação humana biométrica, até os milhares ou milhões de câmeras de telefones móveis (celulares), hoje operantes e na posse de boa parte da cidadania espalhada pela comunidade. A mídia pode agora reportar “ao vivo e a cores” delitos os mais variados, incluindo subornos, homicídios, torturas, narcotráfico, roubos e furtos, bem como tudo que exista de mais execrável, mas que nem por isso deixa de ser passível de ser gravado com a tecnologia contemporânea. Ainda assim, algo tão essencial como os números da criminalidade seguem sem uma necessária contagem estimada, em prol de análises tão necessárias para a formulação de políticas, planos e programas de segurança pública.
O exemplo norte-americano é inquietador quando considerada a realidade brasileira, particularmente no tocante a regiões conflagradas pelo crime violência, cujo caso mais emblemático é o da cidade do Rio de Janeiro. Isso passa a ser ainda mais dramático considerando os compromissos internacionais que o Brasil assumiu ao ir sediar a Copa do Mundo da Fifa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. No mesmo The Washington Times de 19 de setembro, Robert Mueller, diretor do FBI afirma: “A publicação de estatísticas criminais nacionais de 2010 nos relembra que a segurança nacional tanto implica manter nossas ruas seguras em relação ao crime, quanto proteger os Estados Unidos contra o terrorismo.” Que dizer de um país, como o Brasil, em que o próprio titular da pasta da Justiça reconhece e aponta problemas na disponibilidade de dados e informações instrumentais para uma política nacional de segurança pública? Mais preocupante ainda quando as declarações de um diretor do FBI sugerem que estatísticas criminais possam ser instrumentais até mesmo para a segurança nacional.
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[George Felipe de Lima Dantas é professor, Brasília, DF]