Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Daniela Barbi

‘Uma septuagenária tem roubado a cena na televisão quando o assunto é sexo. A educadora sexual canadense Sue Johanson, que, segundo ela mesma, nasceu ‘em algum lugar do século XX’, só perde em audiência no canal a cabo GNT para o programa Saia Justa. Desde a estréia, em setembro passado, até a primeira semana de janeiro, 1,2 milhão de pessoas assistiram a Falando de Sexo, exibido nas madrugadas de sábado para domingo. Sue responde sem rodeios a qualquer pergunta.

‘Sou casada e adoro sexo oral, mas meu marido não acerta’, diz uma telespectadora. ‘Talvez ele não goste da aparência ou dos odores. Você tem de convencê-lo de que é normal e linda. Explique direitinho para ele o que e como você gosta. Ele vai acabar acertando’, responde Sue, enquanto manuseia reproduções em silicone de órgãos genitais. Tudo divertido e esclarecedor, sem jamais ser apelativo.

No mesmo estilo, mas com roupagem moderninha, estreou há menos de um mês o Ponto Pê, apresentado pela VJ Penélope Nova na MTV. Trata-se de uma versão renovada do Erótica, antiga atração do gênero exibida pela emissora. Apesar de não ter formação na área, a desenvoltura e o humor de Penélope encantaram a direção da MTV. Ela não perde o rebolado diante das perguntas mais cabeludas. Logo na primeira semana recebeu mais de 1.000 telefonemas e milhares de e-mails. A idéia inicial era tirar o programa do ar no fim do verão, mas os diretores decidiram prolongar a temporada. ‘Adoro o jeito da Penélope. Ela é engraçada e não tem papas na língua’, diz o colega Thunderbird – que também não perde o programa de Sue Johanson.

Apesar de sexo estar cada vez mais na televisão (muitas vezes em atrações de qualidade duvidosa), a psicóloga e sexóloga Regina Navarro Lins acredita que os jovens ainda sabem pouco sobre o assunto. Por isso, programas que tiram dúvidas e discutem o comportamento de homens e mulheres são bem-vindos. ‘O importante é que se fale de sexo com a naturalidade que o tema merece’, ensina ela.

PIONEIRA NO ASSUNTO

Marta Suplicy fez história na TV Mulher, nos anos 80

Entre 1980 e 1986, a TV Mulher, programa matinal da Rede Globo, contou com o histórico quadro da sexóloga Marta Suplicy, atual prefeita de São Paulo, que respondia às dúvidas das telespectadoras. Comportamento Sexual tinha audiência diária média de 2 milhões de pessoas. Foi a primeira vez que temas como orgasmo, gravidez na adolescência e ejaculação precoce foram debatidos na TV. O quadro alçou Marta, psicóloga de formação, ao posto de celebridade e causou a revolta do grupo conservador Senhoras de Santana, que chegou a fazer manifestações em frente à emissora.

Marta não mostrava pênis e vaginas de plástico, como faz Sue Johanson. Os tempos eram outros. ‘Os tabus eram muito maiores. Daí sua importância ao falar no assunto. Ela abriu canal para muita gente’, diz a sexóloga Regina Navarro Lins.’

 

CARTOON NET

Antonio Brasil

‘O Cartoon Net e as drogas’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/02/04

‘O que seria mais perigoso para as crianças brasileiras? O envolvimento com as drogas ou com os desenhos do Cartoon Net? A dúvida parece absurda, mas o problema é mais complexo do que parece. Segundo pesquisa recente sobre a introdução das TVs a cabo na favela da Rocinha no Rio de Janeiro apresentada no último Colóquio de Comunicação Brasil-Estados Unidos na Universidade do Texas em Austin (veja aqui), as mães da Rocinha preferem ver seus filhos assistindo a uma média de 5 horas de programação infantil em canais pagos com desenhos animados como o Carton Network aos perigos das drogas em nossas ruas.

Elas justificam a decisão de ‘pagar’ caro pela programação das TVs por assinatura com uma programação infantil de canais como o Cartoon Network como a única forma de evitar que os filhos se envolvam com o mundo lá fora, o mundo da violência e das drogas. É uma atitude desesperada e compreensível, mas aqui entre nós, após ter sido praticamente criado em frente a uma telinha – faço parte da geração televisão – confesso que tenho minhas dúvidas sobre qual seria a pior opção para nossas crianças.

Mas o que mais me surpreendeu nessa pesquisa americana foram algumas ‘conclusões’ que considerei apressadas e distorcidas. No final de sua apresentação, Bethany Letalien, uma jovem pesquisadora da Universidade do Texas, declarou que os dados obtidos demonstram de forma evidente que no caso brasileiro ‘as teorias estabelecidas sobre o imperialismo cultural da mídia estariam obviamente equivocadas’ (sic). Ou seja, televisão paga em favela é um bom negócio tanto para os produtores como para os consumidores, mesmo aqueles mais pobres. As mães que moram na favela da Rocinha no Rio de Janeiro estariam bem servidas e satisfeitas com canais como o Cartoon Network. Elas teriam declarado que suas crianças estão mais seguras assistindo a programação infantil do canal líder de audiência.

Qual seria o pior?

Confesso que não resisti. Após tantos anos produzindo e pesquisando o ‘poder’ da televisão, resolvi contestar as conclusões da pesquisa. Será que os professores americanos realmente acreditam no que estão dizendo? Afinal, qual seria o pior ou o melhor para as crianças pobres brasileiras: as drogas ou os desenhos do Cartoon Network? Dúvida cruel.

De qualquer maneira, também ficou evidente que os pesquisadores americanos em Ciência Sociais adoram números. Eles precisam sempre de dados quantitativos, quaisquer dados, obtidos de qualquer forma, para explicar ‘quase’ tudo. O problema é que as tais ciências sociais não são exatas. Talvez não sejam sequer ‘ciências’. Os dados, principalmente aqueles obtidos de forma apressada e superficial em nossas favelas ou em qualquer parte do mundo, podem nos oferecer um ‘retrato’ distorcido da nossa realidade. A pobreza, a falta de opções mais seguras para as nossas crianças e até mesmo o desconhecimento sobre os males causados pela TV, talvez fossem explicações mais plausíveis. Mas também seriam muito mais difíceis de quantificar ou de se explicar. Mas isso certamente é um outro problema.

Televisão é um vício

Confesso que fiquei intrigado e ‘incomodado’ com as conclusões dessa pesquisa. Tenho restrições à televisão e aos números. Não acredito muito em métodos quantitativos para explicar fenômenos sociais. Além disso, televisão é um meio por demais desconhecido em seus efeitos a longo prazo em relação ao comportamento das pessoas. Segundo as pesquisas de um colega aqui mesmo da Rutgers University de Nova Jersey, o Prof. Robert Kubey, televisão é simplesmente um vício (veja aqui). Pode não ser uma ‘droga’, mas, certamente, seu consumo indiscriminado apresenta sintomas muito parecidos. Em sua maioria, os critérios usados para caracterizar dependência química podem ser aplicados a quem assiste televisão demais. TV causa dependência, apresenta sinais negativos de abstinência e pode prejudicar a vida das pessoas. Mas também pode ser uma fonte de informações importantes para a comunidade e também pode ajudar muito na educação das crianças.

Baixarias na TV

Tanto as drogas como a TV podem nos conduzir a escapismo e alienação. O problema é que os efeitos nocivos da televisão não são tão facilmente percebidos, principalmente, entre as crianças. Tentamos defender nossas crianças das ruas e das drogas, mas não conseguimos livrá-las das ‘baixarias’ televisivas. Mas insisto que ‘baixaria’ na TV não é somente sexo ou palavrão. Há ‘baixarias’ ainda mais perniciosas em nossos telejornais e na própria programação da TV infantil brasileira. O problema é que não percebemos ou não queremos perceber. Aceitamos qualquer coisa para evitar que nossas crianças enfrentem uma realidade considerada perigosa.

Líder de audiência

Mas, afinal o que seria esse tal de Cartoon Network? Os números em relação ao canal americano são simplesmente ‘assustadores’. Líder absoluto de audiência entre as televisões pagas brasileiras, o Cartoon Network pode ser visto em 38 países em toda a América Latina e Caribe. Em todo o mundo, o canal pode ser visto em 17 idiomas, está presente em 145 países e em cerca de 150 milhões de residências. Segundo a divulgação do canal, ‘é o canal mais assistido, mais conhecido e o favorito em toda a América Latina’. Esses dados são impressionantes e significativos. Pelo jeito, ainda tem gente ganhando muito dinheiro com a TV paga em nosso país.

Mas que tipo de desenhos inocentes o Cartoon Network do Brasil estaria oferecendo às nossas crianças (veja aqui)?

Procurei fazer a minha própria pesquisa sobre a programação do Cartoon Network no Brasil e obviamente não consegui localizar sequer um único desenho ‘brasileiro’ em toda a programação do canal. E a justificativa é simples. O canal é ‘globalizado’. Por razões práticas e econômicas a programação é a mesma em todos os lugares do mundo. O Cartoon Network é o MacDonalds da televisão infantil. Divulga alguns ‘animes’ japoneses ou produções francesas como Asterix e Tim-Tim. Mas ignora totalmente a produção brasileira. Quanto à formação e educação de nossas crianças? Deixa pra lá.

E a Xuxa nos EUA?

E já que estamos discutindo as drogas e as relações do Brasil com os EUA, procurei lembrar um outro caso interessante de ‘reciprocidade’ televisiva. Há alguns anos, a rainha dos baixinhos, a ‘nossa’ Xuxa, tentou conquistar um espaço na programação infantil americana. Não conseguiu. Na época, apesar dos altos investimentos de seus produtores e patrocinadores, as ousadias da rainha dos baixinhos brasileiros teve que amargar um de seus primeiros e maiores fracassos. Os americanos repeliram violentamente a tentativa da ‘nossa’ Xuxa de fazer uma programação infantil brasileira nos EUA. As instituições americanas de proteção à infância e controle da programação televisiva protestaram com veemência contra o que consideraram um programa ruim que incentivava somente o consumo e a ‘pornografia’. Quem diria! Os americanos tomaram medidas para proteger suas crianças dos efeitos nocivos da televisão e de uma cultura que consideram ‘estrangeira’. Os ‘defensores’ das crianças americanas deixaram bem claro que não existe lugar para programas como o Show da Xuxa nos EUA. Em minha opinião, essa foi uma sábia decisão.

O problema é que para mim, não existe tanta diferença entre o programa da Xuxa e o Cartoon Network. Ambos se utilizam de desenhos meio ‘desanimados’ para entreter ou mesmo para ‘dopar’ as crianças e todos faturam muito dinheiro. Xuxa pode ser acusada de incentivar um consumo irresponsável e uma sexualidade precoce, mas os desenhos do Cartoon Network também incentivam a violência, a alienação e a ignorância. É só assistir a programação do canal diariamente. Mais uma vez, é difícil dizer qual é o pior. O problema é que a Xuxa produz um péssimo programa ‘brasileiro’. O Cartoon Net, no entanto, é um canal ‘globalizado’ com muitos desenhos poderosos, mas igualmente ‘perigoso’.

Muitas bobagens

Pobres crianças brasileiras. Por um lado, estão expostas ao perigo eminente da violência e das drogas nas ruas. De outro, são vítimas de uma programação televisiva poderosa que as mantêm afastadas das ruas, mas também as condenam a viver em um mundo de fantasias ‘estrangeiras’ e ao escapismo. Desenhos animados para vidas desanimadas.

O acesso ao Cartoon Network custa caro, mas muitas favelas simplesmente ignoram a lei. Eles resolvem o problema financeiro com um jeitinho bem brasileiro, coisa de desenho animado: apelam para os famigerados ‘gatos’ e segundo alguns empresários do setor, prejudicam os lucros e o futuro das TVs por assinatura no Brasil.

Aqui entre nós, o Cartoon Net é um show de ‘bobagens’ durante 24 horas. Obviamente, há quem goste. Minha filha, apesar dos meus protestos, adora. Ela fica acordada de madrugada para assistir aos ‘animes’ japoneses. Menos mal. O problema é que essas ‘bobagens’ americanas ou japonesas são muito bem produzidas com muito dinheiro e visam atingir um público que possui poucas alternativas, principalmente na TV. Dessa forma, as crianças brasileiras são presas fáceis. Não conseguem resistir à avalanche de histórias fantásticas que retratam um mundo muito melhor do que o mundo de verdade. Elas passam mais tempo na frente de canais como o Cartoon Net do que em salas de aula ou mesmo brincando na rua com os amigos. Assistem a mundos estranhos e estrangeiros, com muita fantasia em uma TV que não possui qualquer compromisso com a formação e educação de nossas crianças.

Anima Mundi

Mas será que temos uma produção em animação de qualidade para ser exibida em canais internacionais como o Cartoon Network ? As diversas edições do Anima Mundi, (veja aqui), promovidas pelo Centro Cultural Banco do Brasil no Rio e em São Paulo nos últimos 10 anos com grande sucesso de público e crítica, não deixam dúvidas. Os desenhos brasileiros são excelentes, mas assim como o nosso cinema, para fazer sucesso, a animação brasileira teria que se tornar ‘globalizada’. Pelo jeito, os nossos desenhos deveriam seguir os passos de filmes brasileiros como Cidade de Deus para poder ser visto pelo mundo e também pelos brasileiros. A estética brasileira, principalmente a ‘estética da fome’ do nosso velho cinema, não serve para o mundo ou mesmo para o Brasil.

Enquanto isso, a vida continua sempre a mesma em nossas favelas. Muitos filmes e ainda mais violência. Em desespero, os pais brasileiros ainda acreditam que as nossas crianças estão mais protegidas da violência e das ameaças das drogas assistindo à programação inocente de canais infantis como o Cartoon Network.

Televisão é um meio poderoso, principalmente para as crianças. Toda a programação considerada infantil deveria ser profundamente analisada por educadores e especialistas antes de ser veiculada. Ainda mais quando for ‘estrangeira’. Nessa categoria, temos excelentes exemplos de programas infantis como o Vila Sesamo que tanto sucesso fez e ainda faz no mundo. Mas a programação infantil na TV é o ponto mais delicado e frágil da formação e educação de nossas crianças. Em televisão infantil, não deveríamos ter que escolher sempre entre o mal menor.

Mas o pior é pensar que o mundo das drogas e o mundo da alienação pela TV podem estar muito mais próximos do que imaginamos. Essa relação ainda guarda muitas surpresas e merece ser melhor estudada. Mais um bom tema para discussões e pesquisas.’