Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Dar uma espiadinha, que nada!

‘Terça-feira é dia de eliminação no paredão.’ Esta frase se tornou recorrente no principal reality show da TV aberta brasileira. Essa e outras sentenças formaram um grupo de falas ditas e reditas pelo apresentador, que insiste no mesmo discurso que mistura as de autores como Mário Quintana e Fernando Pessoa às suas. Mas, entre as trovoadas de pseudo-jargões, uma das falas chamou a atenção do observador que vos escreve.

A cada despedida de um participante da aventura televisionada – entre gritos e abraços nos familiares – eles, os brothers, são surpreendidos com uma perguntinha do gênero: ‘Deu para amadurecer lá dentro?’. E para o telespectador que assiste à TV aberta, é possível amadurecer, aprender algo, com esses espetáculos da vida (sur)real?

Quanto às respostas dos brohers, a questão do que é possível ou não aprender com a participação em um programa desses é questão a ser respondida por especialistas em psicologia. Para o telespectador dos canais abertos, co-participantes e produtores de uma vida real, em muito pouco deve acrescentar assistir às edições curtas acerca de dias inteiros e às animações protagonizadas pelos personagens do show – que não possui grandes intenções intelectuais. Se a intenção não fosse o puro entretenimento, e sim, o aprendizado de algo (doce ilusão), o programa não estaria no horário que está: entre a novela e o futebol, os filmes, programas de humor tradicionais, materiais televisivos de entretenimento puro.

Tarefa para psiquiatras

E mais: além da conversinha fiada do apresentador, os diálogos dos participantes trancafiados também não são lá essas coisas. São cartas carimbadas: a falta de assunto, os erros grotescos de português e um entediante e batido papinho cujo tema sempre é: ‘Eu não estou jogando, estou sendo eu mesma.’ De tão previsíveis, as conversas dos brothers se tornam incapazes de serem classificáveis como qualquer tipo de material enriquecedor.

Assim como as tentativas frustradas de jargões – como o ‘dar uma espiadinha’ –, as respostas institucionais dos participantes e suas participações frustram qualquer um que pense a produção da TV brasileira – hoje, uma compradora de formatos internacionais. Fica, portanto, árduo não só acompanhar, como compreender o que acontece nesses shows para que recebam o nome de um processo de amadurecimento. Talvez seja mais fácil e rápido entender o comportamento humano durante o confinamento – mas aí, já é tarefa para psicólogos e psiquiatras. Aos observadores da mídia, parece restar o recolhimento. Uma pena.

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Jornalista, Juiz de Fora, MG