Era uma vez uma cidadezinha chamada Salvador da Bahia. Uma cidade com um índice altíssimo de desigualdade social, onde a educacão foi preterida pelo turismo e a busca por conhecimento e cultura deu lugar à caça ao sucesso e o estrelismo. Nesse ambiente nascia a princesa Kelly. Bonita, branca, cabelos escuros, cheia de saúde e com nome estrangeiro para dar sorte em seu incerto futuro.
Londres, 1993. Aos 10 anos de idade, despontava uma das maiores divas da música internacional. A pequena Amy Winehouse encantava o seu pequeno público com uma voz diferenciada com jeito de “jazz & blues”. Seu timbre já lembrava, de longe, grandes cantoras como Ella Fitzgerald, Nina Simone e Billie Holliday. Um furacão musical estava se formando na capital britânica.
Na Bahia, a pequena Kelly crescera. Agora uma mulher, começava a encantar a vizinhança com seu corpo bem torneado e algumas tatuagens grandes pelas pernas. Kelly chamou a atenção do traficante de drogas mais popular do bairro e começava mais uma das histórias de amor bandido sob o pôr-do-sol do Porto da Barra.
Amy começava a despontar para o sucesso e a Europa não comportava mais o seu sucesso. Gravou Back to Black, um antológico álbum com canções impecáveis, como “You know I’m no Good”, “Rehab”, “Just Friends”, “Tears dry on their own”, “Valerie” e “Me and Mr. Jones”. Começava a curta carreira de uma das mais geniais intérpretes da história da música.
Visibilidade inesperada
A pobre menina baiana agora se tornara a patroa do tráfico. De tanto usar roupas com marcas de surfe, tornou-se Kelly Cyclone. Vivia agora num mundo de luxo, riqueza, “festas de camisa colorida” e, obviamente, drogas. Muitas drogas. Mas a vida feliz das drogas tinha prazo de validade e não contaram isso a ela. Seu grande amor foi morto em troca de tiros com a polícia e a agora Viúva Kelly foi presa em uma Festa do Pó.
A estrela britânica conquistou o mundo com sua música, seus cabelos engraçados e seu visual drunk. Passou a ser alvo dos tabloides no mundo todo não somente pelo seu talento, mas pela sua predisposição ao escândalo e aos vexames em público. Viciada em drogas e bebidas, Amy Winehouse começava a sua derrocada, rumo ao fundo do poço, local onde por várias vezes dormiu sob o efeito da cocaína.
Kelly Cyclone, após ser presa, ganhou destaque nos programas de TV locais. Algo quase insano aconteceu. Uma das criaturas mais nefastas da TV baiana, exploradora da miséria, da morte, do tráfico e das mazelas sociais, deu a Kelly uma visibilidade inesperada. Tentou transformá-la numa vítima e fazer da patroa uma espécie de anti-heroína. E por mais absurda que pareça, a Bahia abriu mais um precedente.
As drogas levam à mídia e à morte
Amy Winehouse foi encontrada morta no dia 23 de julho de 2011. A causa mortis, mesmo que não seja divulgada, é previsível. Kelly Cyclone foi assassinada na periferia, ao chegar de uma festa, onde havia se divertido ao som das incessantes horas de pagode. De um lado, morria a última grande diva da música. Do outro, mais uma menina iludida pelo mundo de dinheiro fácil das drogas e por um apresentador / explorador da desgraça alheia, que planejava lançar Kelly como vereadora em 2012.
O mundo perdeu duas jovens inconsequentes e iludidas, em apenas uma semana. Amy tornou-se a bad girl da música mundial. Um furacão musical que arrastou milhões de fãs pelo seu timbre e refinadíssimo estilo. Uma jovem que teve o mundo aos pés, mas não conseguiu se equilibrar sobre ele, pois vivia eternamente “chapada”. Kelly Cyclone virou a musa da periferia do subúrbio da favela. Teve um enterro com pompas de heroína nacional, ganhou mais de 20 páginas nos jornais locais falando sobre sua morte e findou sua vida vazia como mais um número nas estatísticas de homicídio na Bahia.
Duas histórias, dois mundos, duas visões de vida totalmente diferentes unidas apenas por uma única moral da história. Desde a patroa que fornece até a estrela que consome, as drogas levam sempre aos mesmos lugares: à mídia e à morte.
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[Erick da Silva Cerqueira é analista de marketing, Salvador, BA]