Estou feliz pelos motoboys! Vale a pena celebrar publicamente a regulamentação da profissão de trabalhadores tão importantes para o país. O reconhecimento chegou depois de tanto tempo pilotando em meio ao trânsito congestionado, de manhã, de tarde, de madrugada, sob o risco de entrar debaixo de um caminhão, de bater de frente com um ônibus ou na traseira do carro de uma mãe que busca seu filho na escola. Tudo isso, veja bem, para entregar o medicamento contra dor de cabeça que pedimos na farmácia ou aquela pizza religiosa de toda semana.
Sinceramente, não sei o que seria de nossas vidas no mundo moderno sem os motoboys. Percebo (perplexa) que o mundo se globalizou, em grande parte, por causa deles! A mudança na percepção do tempo e do espaço conceituada de forma complexa por intelectuais é a natureza da profissão do motoboy. Não importa onde seu cliente está. Ele irá até ele. As duas horas que dona Helena perdia no fogão preparando o jantar são coisa do passado. Em minutos, o motoboy chega à sua casa com todos os pedidos e a Coca-Cola dois litros e meio. Não é fantástico?
Tá certo que tem motoboy reclamando. Afinal, as coisas não são tão fáceis quanto parecem. Para ser motoboy de verdade é preciso ter idade mínima de 21 anos, habilitação por, no mínimo, dois anos na categoria de motos e ser aprovado em curso do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Sabe como é… Não dá para assumir tanta responsabilidade sem se preparar, sem rever as normas de trânsito, direção defensiva, primeiros socorros, boas maneiras no trânsito etc.
A ilusão de que o estudo afiaria o senso crítico
Até que enfim esse país está caminhando no rumo certo. Quando o Supremo Tribunal Federal disse que para ser jornalista não é mais preciso estudar, fiquei pensando: vem aí uma reforma das profissões. Achei até que ia demorar, mas trinta dias depois, regulamentaram as profissões de motoboy, mototaxista e motofrete.
Tenho fé que as novidades não irão terminar por aí. Não vou me surpreender quando pararem de exigir diploma e aprovação da OAB para ser advogado. Afinal, tem advogado melhor que a minha mãe para me defender? E ainda de graça! Por outro lado, o servente de pedreiro precisa de reconhecimento. Há décadas esse trabalhador da construção civil tem sido humilhado pelo engenheiro de blazer e pelo arquiteto de calça xadrez, que vão lá na obra, distribuem serviço, dão palpite, mas pegar na massa que é bom, mesmo, nada!
Preciso confessar que enxerguei a luz! Acreditam que eu achava que era necessário estudar para ser jornalista? Por favor, não riam. Antes de ingressar na faculdade de Jornalismo em Caratinga, em 1998, já trabalhava em rádio e TV há seis anos. Cometi o ‘erro’, agora irreparável, de frequentar a faculdade quatro anos e fazer duas especializações. Pensava que isso poderia se somar à prática que tinha. Durante as aulas eu, meus colegas e professores travávamos discussões infindáveis para tentar compreender melhor o cotidiano da profissão. Ficava feliz quando recebia a indicação de textos de sociólogos que refletiram sobre a comunicação e pensava: se não estivesse na faculdade, dificilmente saberia que esse autor existe, dificilmente leria esse texto. Tinha a ilusão de que o estudo afiaria meu senso crítico, me ajudaria a enxergar melhor as coisas.
A insignificância de letrados
Não! Você prometeu que não ia rir! Agora sei que era fantasia da minha parte. Felizmente, a gente cresce, amadurece, não é? Os sinais estavam todos lá para eu ver, mas não conseguia enxergar. Muitos diziam à época: não vou mexer com isso não. Já tinham o registro de jornalista pensando que pirâmide invertida – uma técnica de redação jornalística – é um triângulo de cabeça para baixo.
Os ídolos brasileiros não são aclamados por terem estudado, por terem diploma de qualquer coisa que seja. A maioria, aliás, é venerada justamente por ter ‘vencido na vida’ apesar de não ter frequentado escola por muito tempo. Deixemos de lado ‘fenômenos’ do futebol, cantores de axé, pagode e outras ‘profissões’ menos cotadas. O presidente da República, Lula da Silva, se ufana disso. Sem propagandear tanto o fato, o vice-presidente José Alencar também chegou lá (ou quase lá) sem curso superior. Isso não diminui o mérito de ambos. Triste é saber que o mérito maior não é daquele que segue os trâmites na busca do conhecimento que constrói. É de quem ‘venceu’ sem cumpri-los, dominando a arte do ‘jeitinho brasileiro’.
Que fique bem claro! Com o fim da exigência do diploma de jornalismo para exercício da profissão, entendemos que estudar para determinadas coisas é bobagem. Para que perder tempo com educação formal? O país está crescendo, o presidente foi reeleito, tem chances de eleger seu sucessor, a inflação está baixa, temos enfrentado bravamente uma crise internacional, ganhamos a Copa das Confederações e o regime democrático está melhor ainda sem essa classe de jornalistas. Recolhamo-nos à nossa insignificância de letrados.
Parabéns, motoboys!
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Jornalista, Caratinga, MG