Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Definitivamente, adeus

Fiquei e continuo indignado, enojado da orquestração de Veja (edição 1926, de 12/10/05) contra a heróica atitude de dom Frei Luiz Flávio Cappio. Tanto que este é o último número da revista em que ponho as mãos e os olhos.

Começando pelos artigos dos srs. André Petry e Roberto Pompeu de Toledo, que, pobres de espírito, não sabem, ou não querem, distinguir entre matar-se e entregar a vida. Pior: fazem afirmações que só posso atribuir à má-fé. Dizer que dom Cappio é incoerente (‘Greve de coerência’) porque ele é contra o aborto e a eutanásia, mas é a favor do suicídio (sic) ‘no momento em que quer defender uma boa causa’ é, no mínimo, mostrar-se totalmente ignorante quanto a quem é dom Cappio. E se essa ignorância pode ser perdoável a quem só se interessa pela religião para atacá-la, não o é para uma revista do porte de Veja. Petry vai ao extremo ao afirmar que ‘a greve de fome de dom Cappio parece adequar-se melhor ao picadeiro da palhaçada do que à arena do protesto íntegro’. Isso é achincalhar, além da honra do bispo, a honra de seus familiares, dos demais cidadãos de Guaratinguetá e de todo cidadão de bem que conhece a alma nobre de Dom Cappio.

Isso é achincalhar a honra de toda aquela população a quem ele doa a vida, não a partir da greve de fome que fez há pouco, mas há pelo menos 30 anos, quando abandonou tudo o que uma família de posses lhe garantia para doar-se àquele povo pobre e sofrido do Nordeste. Ou o sr. chamaria de palhaço um São Francisco de Assis?

E que incoerência existe, sr. Petry, em ter estudado com mestres da Teologia da Libertação e ser contra o aborto e a eutanásia? Acaso conhece algum teólogo católico que, aberta e irrestritamente, defenda essas duas formas camufladas de assassinato?

Depois vem o culto sr. Roberto Pompeu de Toledo tecendo grotesca comparação de dom Cappio com os homens-bomba do Islã. Ora, sr. Pompeu, deixar-se explodir para, junto com sua vida, tirar também a vida de dezenas de outras pessoas é a mesma coisa que entregar-se para que uma população inteira, que há séculos é espoliada de seus direitos tenha esses direitos minimamente respeitados? Se é de suicida atitude de dom Cappio, suicidas também foram Gandhi, Albert Schweitzer, Maximiliano Kolbe, irmã Doroty e muitos outros.

Coração do homem

‘A Igreja Católica fez seu ingresso no mundo do suicídio como instrumento da ação política nestes últimos dias, às margens do Rio São Francisco, na pessoa do bispo Luiz Flávio Cappio’, escreveu Pompeu. Não foi ‘nestes últimos dias’, não, sr. Pompeu, pois foi sempre contra interesses e poderes políticos que cristãos entregaram suas vidas desde os primórdios da Igreja. Se é suicida um frei Cappio, suicidas foram todos os mártires da História, suicida foi o próprio Cristo, que veio deliberadamente para morrer por uma causa.

E para ‘coroar a obra’, a reportagem assinada por Julia Duailibi, em nome de Veja, é simplesmente escabrosa. Mais que isso, é caluniosa. Chamar dom Cappio de ‘homem vaidoso e consciente do espetáculo que protagonizava’ é jogar na lata de lixo exatamente a virtude que mais o caracteriza, desde a vida de seminário até os dias de hoje: a humildade. Antes de mexer assim com a dignidade de uma pessoa, sra. Julia, pesquise um pouco mais. Uma simples entrevista não a autoriza a desmoralizar assim quem quer que seja.

O tempo dirá se o gesto de dom Cappio resultou em nada. Momentaneamente, a repórter pode até ter acertado. Não entenda, porém, momentaneamente dentro da pobreza e finitude do pensar humano. O senhor da História é paciente. Há milhares e milhares de anos, desde o primeiro ser humano, Ele só quer semear o bem no coração de cada homem, de todos os homens. É exatamente o aparente fracasso de Cristo na cruz que até hoje atrai milhões e milhões em seu seguimento.

Quanto a ti, Veja, porque és parcial e escandalosamente tendenciosa, definitivamente adeus!

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Aposentado, Guaratinguetá (SP)