Saturday, 30 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Delegados cearenses, exoneração ou afastamento?

Problema sério no jornalismo quando não se sabe ao certo o que quer dizer a palavra empregada na manchete e no corpo da matéria. Mais sério ainda quando um fato de extrema relevância é tratado com parcialidade por um dos jornais e com ambigüidade por outro.

O jornalismo cearense, aliás, é um problema. Apenas dois jornais rivalizam as atenções dos parcos leitores de um estado que tem mais de 6 milhões de habitantes e apenas, em média, 50 mil exemplares diários impressos de O Povo e Diário do Nordeste. Quando temos apenas duas opções de informação impressa, com seus tentáculos on-line, fica complicado formar opiniões conscientes e isentas acerca do problema levantado pela notícia veiculada, mesmo porque, como se sabe, o Ceará é, ainda, um dos estados mais pobres do Brasil, com elevado índice de pobreza, desnutrição e analfabetismo.

A primeira dúvida que surge é a seguinte: o que teria, de fato, ocorrido com os delegados Romerito Moreira de Almeida, Ana Lúcia Moreira de Almeida e César Wagner Maia Martins, no último dia 23? Teria o secretário de Segurança Pública do Ceará, Roberto Monteiro, os exonerado, ou os afastado?

A segunda, igualmente pertinente: teria sido a atitude do secretário justa ou injusta? Seriam os delegados vítimas de perseguição, ou vilões por conta da exposição exacerbada de presos na mídia televisiva policialesca cearense?

Três hipóteses

Analisemos, friamente, sem ideias preconcebidas, as matérias veiculadas hoje nas edições on-line dos dois únicos grandes jornais do estado do Ceará e cheguemos às nossas próprias conclusões. Mas, em primeiro lugar, expliquemos o que vem a ser exoneração e afastamento.

Exonerar, verbo infinitivo, significa demitir, dispensar, banir, expulsar, enxotar. Já afastar, verbo também infinitivo, quer dizer desviar, distanciar. Se o primeiro indica algo definitivo, ou seja, que não tem mais volta, o segundo verbo indica temporariedade, ou seja, o afastamento de hoje pode se converter em retorno amanhã.

Quem tem, ainda que superficialmente, noção de Direito Administrativo, sabe muito bem que uma exoneração de servidores públicos com cargo efetivo – o caso dos delegados acima citados – só ocorre em três hipóteses: ou com sentença condenatória transitada em julgado; ou com decisão administrativa advinda de processo, após oferecidos o contraditório e a ampla defesa; ou por reprovação em avaliação periódica de desempenho. Entretanto, nenhum dos dois jornais levantou essa possibilidade.

Mocinhos e vilão

No jornal O Povo [24/9], a matéria, além de não abordar a questão jurídica do fato de forma correta, é ambígua. A manchete traz a ideia da exoneração: ‘Monteiro exonera três delegados’ (grifo nosso). Já no corpo do texto, no segundo parágrafo, a ideia é de afastamento:

‘(…) Segundo nota divulgada pela SSPDS, a exposição de presos na mídia seria a causa do afastamento dos delegados César Wagner (Delegacia de Narcóticos – Denarc), Romério Almeida (Metropolitana de Maracanaú) e Ana Lúcia Moreira (8º Distrito, no José Walter). Os três delegados passarão a ocupar funções administrativas, com os respectivos adjuntos e plantonista assumindo interinamente os cargos.’

Porém, mais grave do que deixar o leitor em dúvida se houve exoneração ou afastamento é induzi-lo a crer que os delegados são mocinhos e o secretário de Segurança é o vilão da história. Foi o que fez o Diário do Nordeste.

Pobre opinião pública

Na edição de 24 de setembro do DN, a menção à ideia de exoneração dos delegados é bastante clara, como se vê na manchete ‘Monteiro exonera delegados’ e no corpo textual da matéria, que insinua, no meu ver, clara defesa dos delegados punidos, inclusive com breve currículo deles e elogios às suas atuações nas respectivas delegacias, e rejeição à medida do Secretário de Segurança, como se pode ver do início do primeiro parágrafo da matéria:

Numa atitude surpreendente e que causou constrangimento no seio da Polícia Civil, o secretário da Segurança Pública e Defesa Social, delegado federal aposentado, Roberto Monteiro, determinou, ontem, a exoneração de três delegados considerados `linha de frente´ no combate ao crime organizado no Ceará.’

Estranho, em uma matéria que, em tese, não deveria ter cunho opinativo, que, logo no primeiro parágrafo, haja menção à atitude do delegado como ‘surpreendente’ e causadora de ‘constrangimento no seio da Polícia Civil’. A Assessoria de Imprensa da Polícia Civil, certamente, não faria melhor. O Diário do Nordeste, jornal de grande circulação, tomou as dores dos delegados, de forma explícita, especialmente quando fez breve resumo do currículo dos delegados punidos e disse que eles eram ‘considerados `linha de frente´ no combate ao crime organizado’. Considerados por quem, cara pálida? Faltou dizer.

A impressão que dá é que tanto O Povo quanto o Diário do Nordeste tentam, através das manchetes, passar à população a ideia de que os delegados não foram, simplesmente, afastados de suas funções, mas sim, demitidos, para a aflição da população, que se veria desprotegida de seus três heróis. As consequências são terríveis, porque, como já dito, o grosso da população cearense já não lê jornal, consome de forma doentia os noticiários policialescos da televisão e tende a acreditar que o estado não faz nada e que o melhor a se fazer contra os criminosos é agir com as próprias mãos. Pobre opinião pública, sempre negligenciada por uma imprensa irresponsável…

******

Jornalista e estudante de Direito, Fortaleza, CE