Disponibilizar notícias sobre esportes é uma prática comum no jornalismo brasileiro. A tradição é reconquistar o público a cada detalhe, como as novidades sobre a performance dos atletas, as armadilhas dos treinadores, o interesse dos torcedores e outras influências externas que interferem na disputa, como as suspensões por doping. A cobertura dos eventos adquire um contorno além da expectativa do público que, cada vez mais, fica atraído pelas transmissões, principalmente no rádio e na televisão.
Da ênfase sobre os resultados de uma disputa esportiva advém a ansiedade imediata do torcedor, como as observadas durante as rodadas dos campeonatos de futebol aos domingos. As informações complementares sobre o mesmo torneio conduzem os noticiários durante a semana, interferindo diretamente no cotidiano da população. O tempo da competição é determinado pela multiplicidade da pautas sobre o mesmo conteúdo, massificando a maneira de pensar dos apaixonados por (certos) esportes.
O torcedor fica atento ao universo da mídia. A proposta é a integração pela notícia. Neste caso, as informações precisam ser fresquinhas, justamente, para alimentar o indivíduo que ‘sabe das coisas e acerta o resultado’. O sujeito está super informado e se destaca onde quer que esteja, no botequim ou no trabalho. O torcedor manja (é craque) sobre os esportes (da mídia). É o personagem central quando os jornalistas e os colegas falam a sua (e a mesma) língua.
Paixão do torcedor vai além do futebol
O jornalismo age diretamente na memória e na atenção das pessoas, seja pelos jornais impressos, televisão, rádio, internet e outras mídias. Ao criar possíveis mundos esportivos emergem desejos de satisfação, propiciando ao indivíduo participar, incorporar e reproduzir pensamentos e condutas. Porém, esses novos universos se repetem, variações são previstas e alimentam uma possível identidade por determinado esporte. Neste universo, a propaganda de vários produtos e empresas, ligados ou não ao esporte, favorece o consumo de determinados eventos, fortalecendo uma linguagem comum.
Enquanto isso, os críticos observam o noticiário esportivo como um espaço destinado à superficialidade, conduzido por um grupo de comunicadores que prefere ‘perder tempo’ com informações e análises sobre os resultados das competições, em vez de discutir os problemas do esporte, com o mesmo engajamento do debate em torno do acesso à educação, saúde, segurança e monopólio dos meios de comunicação.
Talvez os analistas da mídia estejam certos quanto ao extenso espaço ocupado pela tagarelice de uns ditos especialistas que andam pelos canais de televisão e rádio ou mesmo dos colunistas que se esqueceram da crônica em favor do achismo. Neste ponto, fica a lembrança do passado romântico do esporte (quase) amador ou (semi) profissional, ou seja, a influência em meninos e meninas (nascidos até os anos 70) que queriam ser atletas. O principal não era o dinheiro, mas a fantasia de entrar em campo e ser ovacionado. O lema era vencer e convencer pelo talento.
Dos chamados cronistas esportivos surgem também bons recados para os (futuros) jornalistas. É possível fazer um texto solto, recontar (e modificar) a história pelos detalhes, como os observados nos movimentos e habilidades, e não apenas descrever o resultado. Se a pessoa já assistiu ao jogo pela televisão, a mídia continua a partida em terceira dimensão. Pelo repórter, é possível estender a conversa ou a alegria do dia anterior. No ponto de encontro com os amigos, o sujeito procura os detalhes sobre aquilo em que não prestou atenção, porque estava distraído com outros afazeres,como os comes, bebes e bate-papos.
Agora o torcedor ficou mandão e passou de técnico a comentarista, com a própria mídia incentivando o achismo durante as análises (não que alguns narradores e/ou comentaristas também não o façam desta maneira). Quer falar e produzir. Sua paixão já vai além do futebol. Ficou especialista em outras modalidades, assim como já também pensa em divulgar a atividade física, reproduzindo a pauta do comportamento saudável. Deseja, com isso, melhorar a saúde, ou melhor, a vida da população.
A superficialidade da cobertura de outras modalidades
A esperança para os diversos personagens do esporte é que o Brasil consiga virar uma potência esportiva com a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, esta na cidade do Rio de Janeiro. Para muitos, mega-eventos são a oportunidade de transformar o esporte como meio de ascensão e sobrevivência para milhões de brasileiros que estão na linha da pobreza ou, no caso dos esportistas amadores, desmotivados pela falta de apoio, enquanto para outros é apenas mais uma preocupação quanto aos gastos ou desvios do dinheiro público, como já é comum por estas terras.
Os jornalistas estão envolvidos na dura tarefa de cobrir os eventos e, ao mesmo tempo, estarem atentos e desconfiados quanto à questão dos investimentos em infra-estrutura, que envolve desde o desenvolvimento das várias modalidades, em especial as pouco conhecidas como o hóquei sobre grama e o badminton, até a questão política, de saber quem serão os integrantes das comissões fiscalizadoras. A ideia é partir da lisura, da transparência da notícia sobre o mundo esportivo, com pautas que vão desde a ligação de políticos com empresários até a denúncia de projetos oportunistas de investimentos no esporte.
Diante deste universo de afazeres, surge também a obrigação do aperfeiçoamento no modo de conduzir a notícia. Se o modelo atual está relacionado ao ufanismo compreendido pela cobertura caseira, daqui para frente os noticiários e as transmissões serão fundamentados pela clareza. Não é mais permitido encobrir ou omitir certas informações, já que o público tornou-se universal. O jornalista brasileiro fala agora para o mundo. É a vitrine e a referência para milhões de comunicadores. Neste momento, a fonte universal é a imprensa brasileira especializada em esportes. Cabe ao jornalista estar preparado para um novo desafio: ampliar as notícias muito além do futebol e eliminar a atual superficialidade diante da cobertura de outras modalidades.
As lições do futebol
As regras das diversas modalidades esportivas olímpicas são as primeiras a serem compreendidas. Se possível, é interessante até praticar, mesmo de forma amadora. Desta maneira, o repórter tem contato com a dinâmica do esporte, podendo assim analisar um lance durante a competição. A referência já existe há muito tempo no futebol, já que muitos dos comentaristas jogaram peladas nas ruas, nas areias, nos terrões ou nos diversos campos deste país. A maioria não foi profissional, mas compreende a filosofia do jogo.
Das peladas surgiram os cronistas esportivos, homens que relembram os grandes ídolos como meio de recontar a trajetória de cada um. Quantas vezes, o jornalista caminha na rua, principalmente nas cidades do interior, e fica paralisado ao se deparar com determinado sujeito. O cara está distante, e logo pensa: ‘Esse era craque. Jogava pra caramba. Tinha uma esquerda fantástica. Quanta lembrança.’
‘Fala menino’, grita o boleiro. ‘Prazer em revê-lo’, emociona-se o cronista, que não vê a hora de colocar no papel que o ponta-esquerda da esquina jogava muito mais que o agora chamado atacante da seleção.
Logo surge a reflexão de que hoje se produz e se anula o craque rapidamente. Um novo advento no jornalismo esportivo é observado, ou seja, o esquecimento mesmo quando o atleta ainda está em atividade.
A fábrica de jornalistas (ou cronistas) é obra dos milhões de brasileirinhos e brasileirinhas que disputaram partidas emocionantes em qualquer pequeno campo deste país. Assim também é a revelação de que o Brasil também possui grandes jornalistas que podem cobrir outras modalidades. Os jornais necessitam de muito mais e é possível começar agora. E não venham com essa de que está velho para praticar alguma modalidade. Esporte e imaginação são para a vida toda.
A interpretação da performance
É difícil retornar ao exercício como jogar uma partidinha, correr, nadar, mas é possível, principalmente, para algumas modalidades esportivas que qualquer garoto(a) praticou na escola e nas ruas. O voleibol, o basquetebol, o handebol são modalidades ensinadas nas escolas públicas e privadas. Já o atletismo, o ciclismo, o levantamento de peso, o beisebol e o softbol, a natação, incluindo nado sincronizado e saltos ornamentais, integram o cotidiano das pessoas.
Como esquecer as caminhadas e corridas a pé ou de bicicleta pelas ruas e clubes, o pesinho em casa e na academia, jogar taco na rua, nadar, saltar e brincar nos rios, mares e piscinas. A inclusão das lutas, como a greco-romana, livre, boxe, judô, taekwondo também é fácil porque desafios, muitas vezes, acontecem até sem querer, quando ocorre uma briga, ou na brincadeira de quem é mais forte. Nestas lutas existe sempre um cuidado consigo e com o outro durante o treinamento e mesmo durante a competição. As artes marciais, cada uma a sua maneira, ainda pregam o respeito no lugar de treino e ao adversário.
Os barcos também fazem parte do dia-a-dia dos aficionados por água, que gostam de um passeio, de uma boa pescaria ou mesmo de explorar ou desafiar uma corredeira ou locais de velocidade, assim como os praticantes do remo, da canoagem e da vela. A raquete é um instrumento característico de brincadeiras baratas. O pingue-pongue é o tênis de mesa, lembrado nos desafios entre pais e filhos, assim como jogar tênis na garagem. E logo surge a curiosidade da peteca pequena, em que surge o badminton.
Da vertente do aprendizado do futebol, renascem as semelhanças com o rúgbi e com o hóquei sobre grama, deste com a inclusão do taco, numa bela mixagem com o beisebol. Da mesma forma, jogar bolinha de tênis com um taco, pode também trazer semelhanças com o golfe.
A memória de quem participou, mesmo como torcedor, recupera fragmentos para a leitura de modalidades cujas regras são compreendidas superficialmente no primeiro contato. Após algumas horas de leitura, o regulamento integra o cardápio de informações a ser oferecido na notícia. A pesquisa completa, a cobertura com detalhes sobre os atletas e os principais eventos da modalidade. O público é instigado da mesma forma, porque revela situações, recupera e reformula a memória. A sintonia entre jornalistas e público conduz a um ato de comunicar pela proximidade do cotidiano vivido no esporte.
As regras são importantes, assim como as informações que revelam a trajetória do atleta. Se o esportista chegou até o evento, já é uma grande façanha e todos merecem um tratamento especial, não só os competidores com chance de conquistar uma medalha olímpica ou uma boa colocação. Geralmente, durante as transmissões e noticiários, os atletas, em especial os de outra nacionalidade, tem o nome e as conquistas exaltadas, com a performance na hora da disputa sendo analisada por especialistas (geralmente, um ex-atleta). O ‘tempo’ atingido em modalidades como o atletismo, a natação, o hipismo e muitos esportes de inverno é sempre destacado, com os especialistas ou convidados auxiliando na interpretação da performance dos esportistas.
O despertar para a prática desportiva
As explicações sobre as dificuldades (obstáculos) são demonstradas como forma de valorizar os competidores. Neste contexto surge um problema que dificulta a interpretação, quando o jornalista esquece de revelar a trajetória dos atletas, desde o início na modalidade, o desenvolvimento, os métodos de treinamentos, as principais virtudes e defeitos. Pouco é possível saber sobre aquele esportista, além das informações básicas.
O jornalismo, como ferramenta de transformação do esporte, passa, então, pela ampliação e aprofundamento da notícia. As informações sobre a preparação dos atletas determinam os detalhes que orientam na compreensão da disputa e também estimulam a prática da modalidade. Além das regras, é fundamental revelar dados sobre a carreira do atleta, como os caminhos trilhados para chegar ao alto rendimento.
O despertar para a prática desportiva renasce, muitas vezes, pela semelhança entre atleta e público. Um competidor que surge mais velho para determinada modalidade pode estimular a pessoa da mesma idade, assim como é possível a identificação pelo local de nascimento e/ou treinamento, que podem ser propícios para a prática de um determinado esporte, ou seja, um local com parques e ciclovias estimula, respectivamente, o atletismo e o ciclismo, da mesma forma que a disponibilidade de quadras e campos para esportes coletivos, como o basquetebol, o voleibol, o handebol, no primeiro caso, e o futebol e o rúgbi, no segundo.
Banco de dados
Cabe ao jornalista conhecer e revelar os detalhes da carreira de uma boa parte dos competidores, não apenas por meio das informações básicas (nome, país e resultados), mas também pelas complementares (trajetória e condições de treinamento). Para o público fica mais fácil a compreensão da dinâmica em torno da disputa, assim como para o início de uma possível atividade física por meio daquela modalidade. A pesquisa se torna ponto crucial para a produção de notícias, com as informações dos atletas sendo coletadas, sintetizadas e armazenadas no banco de dados, que serão disponibilizados ao jornalista. Se possível, também é essencial cada profissional possuir o próprio arquivo, justamente para diferenciar a cobertura dentro do mesmo veículo.
As tecnologias atuais facilitam a coleta e armazenamento dos dados, tanto os básicos quanto os complementares. Caso as informações conseguidas sejam insuficientes, a solução é encontrar e manter contato com fontes ligadas ao esporte, ou seja, pessoas com acesso ou, pelo menos, que possuam alguma relação com os competidores e as modalidades desconhecidas. O jornalista necessita ir além dessas fontes, conhecendo a modalidade a fundo.
A atenção na reportagem é para com o leigo que, ao iniciar o esporte, percebe detalhes e dificuldades que os esportistas, muitas vezes, já esqueceram por estarem por demais acostumados com a rotina de treinos e competições. Assim, esportes, mesmo sem tradição, conquistariam espaço na mídia.
Os esportes de inverno servem de exemplo porque são pouco praticados no Brasil, com os treinamentos e competições sendo realizadas em países vizinhos, como Chile e Argentina, ou mesmo nos outros centros, como América do Norte, Europa e Ásia. Porém, as competições são transmitidas nos principais canais de televisão, com as notícias sendo divulgadas nos principais jornais impressos, rádios e pela internet. Um grande público se interessa pelas competições, mesmo com a pouca participação dos atletas locais.
Transmite-se a competição, mas pouco se conhece sobre a trajetória dos atletas de outros países, com apenas algumas celebridades do esporte sendo exaltadas, na maioria norte-americanos, justamente pela massificação e controle que as grandes redes desse país exercem sobre a mídia brasileira. A trajetória de determinados atletas e competições, como os do Curling, esporte com algumas semelhanças com o jogo de bocha, que é muito praticado no Brasil, poderia conduzir um aumento no número de praticantes, assim como dos locais para a prática da modalidade. As atividades do curling seriam uma novidade e uma diversão, como o boliche e a malha em algumas cidades brasileiras. Com isso e em breve, o Brasil disputaria competições de importância como as olimpíadas e poderia, inclusive, sediar torneios internacionais.
Assessoria de imprensa
O contexto para o desenvolvimento do jornalismo esportivo no Brasil passa pelo trabalho das assessorias de imprensa, que são essenciais para determinar um ponto de referência durante a cobertura esportiva, em especial para a familiarização para com as modalidades desconhecidas. A estratégia aproxima e diminui as dificuldades que os repórteres encontram no processo para a construção da matéria. As assessorias auxiliam no trabalho de reportagem quando revelam aspectos que, em princípio, tomaria muito tempo do jornalista.
Disponibilizar dados sobre os atletas, comissões técnicas, torneios, equipes, locais de treinamento, praças esportivas são determinantes para a apresentação do trabalho da assessoria, principalmente pela internet e outras mídias digitais. O fundamental está presente nos boletins, com atualizações periódicas. Fatos e ídolos são apresentados como integrantes de uma história, contextualizando a matéria pela apresentação da filosofia do esporte. As artes marciais compreendem tradições que modificam a ideia de uma simples luta e assim por diante.
A assessoria de imprensa alimenta o jornalista por meio das informações básicas que o conduzem ao contato com as fontes e os locais de prática desportiva. O resto depende do esforço do repórter. Acompanhar as competições e treinamentos e, se possível, como já dissemos, até praticar, é trabalho do jornalista, que assim não depende exclusivamente das assessorias.
Cozinhar matérias por meio de textos prontos e entrevistas pelo telefone é uma prática comum, mas perigosa e que descaracteriza o trabalho de reportagem. A presença no local de treinamento e de competição conduz ao aprendizado e ao contato com os esportistas, além de valorizar o profissional e o jornal para quem trabalha. Credibilidade conquistada para futuras coberturas; confiança garantida pelo público-praticante.
O trabalho de reportagem também está presente nas assessorias de imprensa. Se no primeiro momento, as informações disponibilizadas revelam o contexto da modalidade, a atualização da informação é realizada pela cobertura periódica dos assessores. O profissional que trabalha em clubes, federações e confederações vai além das informações sobre os resultados dos atletas e das equipes. A ampliação da notícia é fundamentada pelo acompanhamento dos fatos, revelando novos dados por outras narrativas, incrementadas por estatísticas sobre a performance dos atletas e dos clubes, que auxiliam não só os jornalistas durante e após a cobertura, mas também o público que, ao acompanhar as informações divulgadas, já visualiza um debate além das informações dos jornais.
As notícias disponibilizadas pelas assessorias são determinantes para confrontar o conteúdo das notícias divulgadas durante a preparação até a competição. O lema ‘treino é treino; jogo é jogo’ demonstra o quanto o jornalista é responsável pela cobertura contínua, que vai desde o acompanhamento dos treinamentos até o resultado final. Se depender apenas das informações fornecidas pela assessoria de imprensa, o jornalista está fadado a ser apenas um apresentador (ou reprodutor) de resultados, sem fornecer noticias que, possivelmente, auxiliariam o público na interpretação do resultado final.
Caminhos para os noticiários
Quais os princípios que regem o jornalismo esportivo brasileiro? Ser um mero divulgador de competições cheias de grana, que são promovidas pelas emissoras de televisão, como a Fórmula 1 e os campeonatos de futebol dominados por alguns clubes do futebol dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande Sul, ou ser um espaço de debate sobre a política esportiva, que visa desenvolver o desporto e, com isso, a atividade física no Brasil? A primeira resposta é certa e óbvia, porque é mais fácil reproduzir o atual modelo de cobertura que reincorpora a função de setorista. Assim o jornalista frequenta sempre o mesmo local, reconduzindo a mesma pauta, como é observado, principalmente, no telejornalismo.
Correr atrás de notícias complexas, como de modalidades pouco conhecidas, que envolvam desafios, como procurar fontes desconhecidas, acompanhar treinamentos e torneios de ‘amadores’, com pouco público, geralmente familiares, atletas das categorias menores e ainda uns poucos fãs, é uma tarefa árdua para os repórteres, ou seja, um desafio para os jornalistas que precisam e podem auxiliar na transformação do atual quadro de descrédito e desmoralização do esporte brasileiro.
Negar um padrão é uma tarefa árdua, que envolve, antes de mais nada, um trabalho sobre o próprio jornalista. Não adianta querer transformar o jornalismo e o modo de relatar a notícia, se essa mudança não acontece primeiramente consigo mesmo. Dizer não e procurar alternativas é uma luta sofrida, mas qualquer ato de recriação ou inovação é difícil, senão o comunicador continuará apenas a reproduzir.
Não é fácil conviver com pessoas que vivem reclamando da falta de incentivo e de organização, mas que não param de treinar, mesmo com tantas dificuldades. É uma pauta fácil e atraente para, de vez em quando, falar de miséria e luta como sentido de superação. Tema que sempre atrai e quebra o ritmo dos noticiários. São matérias montadas com a pompa de especiais. Neste sentido, o modo de pensar o desporto está contra uma das características básicas do jornalismo que é a periodicidade. Fala-se uma vez e depois o assunto fica esquecido, até algum repórter relembrar dos coitadinhos do esporte brasileiro.
Se os grandes clubes de futebol ocupam um espaço diário nos noticiários, então por que as outras modalidades aparecem esporadicamente? Ou o jornalista está acostumado e deseja pouco trabalho ou existe um enorme campo de trabalho a ser explorado tanto pelos profissionais quanto pelas empresas jornalísticas. Se cada jornal preenchesse um determinado espaço com notícias sobre algumas modalidades além das tradicionais como futebol, basquete, vôlei, tênis, automobilismo, haveria uma gama diversificada de conteúdos, com os periódicos atraindo diferentes públicos, aumentando e dividindo a arrecadação.
A padronização dos noticiários massacra e mantém a cultura jornalística para a promoção de grandes eventos. A aproximação com as celebridades do esporte leva o comunicador ao sentimento de ser sujeito da mídia. Jogadores de futebol, entre outros esportistas vencedores, são tratados como personalidades, por meio de fofocas como nas conversas de vizinho. A vigília é constante, com qualquer detalhe sendo motivo para pauta. Tempo perdido em meio às páginas dos jornais e aos valiosos minutos concedidos no rádio, na televisão e na internet. Enquanto isso, migalhas de informação são destinadas aos atletas de outras modalidades, lembrados somente quando representam o país nos mesmos grandes eventos, como os Jogos Olímpicos, Jogos Pan-americanos e, caso conquistem alguma colocação de destaque, em alguns mundiais.
A ausência de uma ampla cobertura esportiva determina que ainda existe um grande vácuo no jornalismo especializado a ser ocupado pelos profissionais de comunicação. Com o aperfeiçoamento em modalidades sem apelo midiático, o jornalista tem a seu favor a possibilidade de disponibilizar notícias e ainda servir como fonte para os meios tradicionais que se ocupam apenas dos esportes tradicionais e com grandes patrocinadores como é o caso do futebol, do automobilismo, do tênis, do voleibol e do basquetebol. O mercado de trabalho está aberto, principalmente agora com os Jogos Olímpicos no Brasil, mas também passível de continuar estático, caso os jornalistas permaneçam a plagiar modelos.
As redações necessitam também de um diferencial caso não desejem ser engolidas pelas agências internacionais durante a cobertura olímpica. A ampliação do conteúdo passa pela diversificação da pauta e, com isso, das linhas editoriais. Novos conceitos necessitam ser aplicados com um conjunto de medidas que possibilite, a cada veículo, a responsabilidade pelo acompanhamento de outros esportes, desde treinamentos até as competições.
Existem caminhos para os noticiários, como a especialização em determinado esporte ou o agendamento das modalidades. No primeiro caso, a cobertura diária incluiria um esporte (para ou não) olímpico, incluindo as categorias de base e, no segundo, as modalidades seriam distribuídas conforme a edição do jornal.
Ampliar o repertório de discussões e gostos
Os aparelhos em audiovisual, como câmeras e gravadores, estão cada vez mais acessíveis ao público. São ferramentas baratas, fáceis de achar e de simples manuseio. Desta forma, as gravações amadoras constituem um universo paralelo às grandes redes que dominam a cobertura esportiva. Muitas informações e transmissões esportivas são agora disponibilizadas por seus produtores por meio, principalmente, das redes digitais. Porém, outras manifestações ficam limitadas ao setor privado, devido ao preconceito para com a qualidade das produções consideradas paralelas.
O acesso à tecnologia já é uma realidade, mas o conhecimento continua restrito ao universo profissionalizante da academia e dos meios de comunicação. O desafio é proporcionar uma aproximação com esses produtores, ampliando os canais de educomunicação, o que possibilitaria o reaproveitamento deste material e, assim, a valorização da produção considerada amadora. Se existe a popularização da tecnologia, então por que não substituir o atual espaço ocupado pelas reprises, mesas-redondas e noticiários padronizados pelos novos conteúdos?
A fórmula é a integração entre comunicadores, esportistas e dirigentes por meio das confederações e federações, instituições representativas, as escolas e os veículos de comunicação, entre outras entidades públicas e privadas que estão diretamente ligadas ao fomento do desporto. Neste ponto, o papel do Comitê Olímpico Brasileiro como intermediário é fundamental para que ocorra uma troca e, ao mesmo, uma aliança pelo desenvolvimento do desporto.
O principal objetivo é a massificação (pluralidade) do desporto pela presença constante das diversas modalidades esportivas na programação dos canais de rádio e televisão, nos jornais e revistas impressas e nos portais de Internet, entre outros meios, quebrando assim o atual monopólio dos interesses representativos do futebol e algumas outras atividades, como a Fórmula 1, fomentadas por alguns canais de televisão que dominam a transmissão esportiva no Brasil. É essencial possibilitar ao público a identificação com diferentes esportes, ampliando o repertório de discussões e de gostos, não transformando em anormal o indivíduo prefere outras modalidades, muitas vezes visto como alguém rejeitado por estar fora dos eventos preferidos da mídia, principalmente o futebol.
Os comunicadores esportivos
A difícil tarefa dos comunicadores esportivos passa pela mudança de comportamento e pensamento sobre o universo esportivo. É inadmissível ocupar o espaço da programação com notícias superficiais, com repetições e firulas sobre celebridades esportivas momentâneas, enquanto diversas modalidades lutam por poucos segundos de exposição. O primeiro ponto é a divisão e abertura da programação e dos cadernos de esporte para a exibição de informações sobre os diversos esportes, assim como para a transmissão dos mais variados eventos. Os horários vazios nas rádios e televisões, como as madrugadas de segunda a sexta-feira, assim como as notas nos jornais impressos, são vácuos que podem ser ocupados para a divulgação de outros esportes.
Caso o primeiro passo foi conquistado, é importante desenvolver parcerias entre comunicadores e esportistas, incluindo dirigentes e outros interessados, com o intuito de viabilizar projetos de baixo custo e manutenção da qualidade. O trabalho em conjunto é fundamental, sendo possível assim uma transmissão segura e de credibilidade. A atual parceria já é observada, parcialmente, na televisão, em especial durante as coberturas dos Jogos Olímpicos e Pan-americanos, quando da participação de (ex) atletas, que enriquecem a transmissão ao esclarecer dúvidas e acrescentar novas informações sobre a (desconhecida) modalidade. A fórmula é interessante e pode ser seguida, mas também é possível dinamizar o processo cedendo autonomia aos esportistas. A diferença é tornar este colaborador um agente responsável pela transmissão.
Se de um lado é uma oportunidade de emprego, por outro é uma forma de popularizar o acesso às técnicas de captação, seleção e transmissão. Ao criar projetos independentes ou para desenvolver as parcerias entre os veículos de comunicação e as entidades desportivas, surgirão novas oportunidades de trabalho para os jornalistas, radialistas, cineastas, entre outros comunicadores, assim como para profissionais de educação física e desporto. No mesmo âmbito, surgem desafios para os que já estão envolvidos no esporte.
Os assessores de imprensa das confederações, federações e clubes são agora agentes facilitadores tanto na transmissão das competições, assim como na assistência aos demais colaboradores. A vivência na modalidade possibilita também o contato periódico com os esportistas, diminuindo as dificuldades que geralmente os jornalistas possuem na cobertura de modalidades sem apelo informativo. O esportista não é mais a fonte, mais um parceiro.
No caso do jornalismo, a presença do repórter é fundamental, mas, caso seja impossível, é fundamental disponibilizar um espaço para a transmissão das notícias e mesmo da íntegra dos eventos esportivos. O jornalista se torna o mediador que facilita a entrada de conteúdos antes inacessíveis. Para isso, além dos assessores de imprensa, os demais esportistas começam a integrar o processo, alimentando os noticiários.
Um plano de metas remete ao compromisso de disponibilizar espaços para os chamados comunicadores esportivos. São agentes, geralmente independentes, que captam e disponibilizam o conteúdo especializado de cada modalidade. Credenciam-se como alternativos para o desenvolvimento do desporto junto às grandes redes e às entidades oficiais. Quando excluídos, constroem seus canais em paralelo, mas quando aceitos, são colegas indispensáveis para a inclusão de outras modalidades sem possibilidade de cobertura.
Considerações finais
Dinamizar as manifestações esportivas nos noticiários e transmissões é uma meta teoricamente simples, porque é só dividir e mesclar o conteúdo dos jornais e dos quadros de programação das televisões e rádios, com o mesmo acontecendo na Internet e por meio de outras mídias. O problema é quebrar a avareza de ideias que é observada no jornalismo esportivo, que prefere mascarar o problema da ausência de cobertura esportiva pela inovação dos formatos.
Jovens comunicadores são colocados para atrair os adolescentes pelo humor, com uma pitada de mau-gosto, tirando sarro dos atletas por causa da aparência ou um erro durante a competição, fortalecendo estereótipos e preconceitos. Aos heróis, surgem os puxa-sacos, cheios de manhas no linguajar. Aos experientes comunicadores sobram as críticas por levar o assunto a sério, comentando as falhas e as virtudes de uma vitória ou de uma derrota. Como sempre, a tônica é o futebol, com algumas informações sobre resultados de outros esportes.
Iguais no conteúdo e diferentes no formato. Perde-se tempo com os futebolistas dos grandes clubes, enquanto as demais modalidades gritam por uma pequena parcela de atenção. Repetir esta retórica foi preciso neste texto e será sempre necessária, porque o jornalista brasileiro precisa acompanhar, estudar e, se possível, até praticar outros esportes. A Olimpíada na Brasil está próxima e o jornalismo necessita de profissionais especializados em golfe, remo, tênis de mesa, ciclismo e tantas outras modalidades (para e não) olímpicas.
O público também necessita de opções na grade de programação. Versatilidade é o segredo também diante dos patrocinadores que observam na novidade as possibilidades de investimento, inclusive pelas leis de incentivo fiscal.
Desta crítica pela ausência de criatividade e de democratização no jornalismo esportivo renasce a esperança pela transformação do esporte no Brasil. Os valores como a superação e o limite, além dos sinônimos de lazer e saúde, contagiam o público, que percebe naquele instante uma condição que transforma a realidade em coisa boa. O esporte faz bem às pessoas, sem limite de idade. Acompanhar o esporte pela mídia também é interessante, porque, além do resultado, surgem heróis para um Brasil esquecido, sem praças esportivas, inclusive para o futebol, neste caso repetindo os comentaristas que dizem: ‘Cadê os campinhos de terra?’
Os desafios passam ainda pela defesa e continuidade das bandeiras que sempre ressurgem no jornalismo brasileiro, como as observadas no conflito entre os defensores do futebol-arte e os do futebol-força. A magia deste debate revela os princípios do esporte como manifestação cultural, sendo indispensável para o combate à violência. O mesmo acontece com as narrações esportivas com origem no rádio, que exaltam a plasticidade pela emoção e alegria popular.
Clamamos aqui pela mudança de mentalidade, não só dos políticos, mas também dos jornalistas. Reestruturar o atual modelo é possível com a integração com esportistas, considerando aqui também os cartolas. A proposta é conversar com os interessados em viabilizar projetos de comunicação esportiva.
Um das propostas é permitir a rede aberta, com canais ampliados para além das grandes coberturas em rede nacional e internacional. Neste caso, é possível ainda planejar estratégias também para investimentos localizados para modalidades e competições. Os esportes aquáticos (de mar), como o surfe e o bodyboard, entram na lista de especificidades, assim como os esportes de gelo, de montanha, de ar e outros.
Em Piraju, no interior de São Paulo, a prática da canoagem foi estimulada por um projeto que permitiu o contato da população com os atletas da seleção brasileira, que moravam, treinavam e competiam na região, banhada pelo Rio Paranapanema. Agora a cidade possui vários praticantes, inclusive com equipes e representantes na equipe nacional. A canoagem ocupa um importante espaço na mídia local, que é considerada uma importante fonte de informação sobre a canoagem.
Já no caso dos torneios esportivos em geral, as filiais ou sucursais, assim como os veículos locais, principalmente de rádio, conduzem a cobertura, muitas em parceira. Se cada modalidade possui uma característica, o jornalista pautado para o evento observa as diferenças, preparando, junto com os dirigentes e os profissionais de educação física e esportes locais, a melhor maneira de conduzir a informação.
As universidades e faculdades também são determinantes para o processo de ampliação da política de comunicação esportiva no Brasil. O modelo de fomento científico, com o financiamento de bolsas para pós-graduação em mestrado e doutorado, é um exemplo a ser utilizado no esporte universitário, propondo aos atletas de alto rendimento que realizem pesquisas junto à preparação. O mesmo acontece com os mais jovens, que seriam financiados por meio de projetos de iniciação científica em graduação e pela bolsa-escola para o ensino fundamental e médio. Os canais educativos de comunicação, como o canal universitário de televisão, os jornais-laboratório dos cursos de jornalismo e os jornais-escola, seriam os promotores das competições e das coberturas [fontes: Cláudio Roberto Rodrigues (jornal O Observador e site www.observadorpiraju.com.br)].
As grandes redes precisam ainda reavaliar a condução interna do processo de comunicação. Com a avalanche digital, a abertura da grade é essencial e, como efeito, surge a necessidade de implantação de novos conteúdos. A quebra do monopólio do futebol, com a substituição por uma plataforma esportiva, seja talvez uma das soluções para ampliação das pautas e, assim, para o equilíbrio das linhas editorais nesta área.
As parcerias com agentes esportivos, em especial para a captação da imagem e som, consolidam uma nova ordem que determina o jornalista esportivo como condutor e mediador de relatos representativos. Inicia-se assim a narrativa plural, com a interferência direta das fontes, fundamentada, neste caso, pelos envolvidos (in) diretamente com esporte, sejam atletas, torcedores, preparadores físicos, torcedores e dirigentes.
A transformação da comunicação esportiva passa pela mudança de comportamento dos jornalistas, assim como dos demais profissionais de comunicação. Os noticiários estão pautados pela promoção de eventos, sendo limitado, ou quase nulo, o debate em torno da política esportiva no Brasil. As reportagens sobre a trajetória e situação dos atletas, dos clubes, das confederações, quando aparecem, são permeadas pelo sensacionalismo, com apelo sobre o descaso e a dificuldade financeira. As atuais estratégias pós e pré-jogo, como as mesas-redondas, possibilitariam a discussão em torno dos problemas do esporte, sendo um espaço de extensão do noticiário.
Por fim, deste artigo surge uma lição: não faltam propostas, mas o jogo já começou.
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Doutor em Ciências da Comunicação e professor de Jornalismo, ambos na ECA-USP