Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Descendo a escada da elegância

Existem vários tipos ou estilos de se praticar a arte de bem informar, que deve ser a bandeira maior do jornalista. Jornalismo investigativo, analítico, mundano, policial, esportivo, e por aí vão os caminhos que um jornalista trilha, na sua labuta sem tréguas. Tenho observado que está surgindo uma nova modalidade de se praticar o ofício que Barbosa Lima Sobrinho tanto dignificou: o jornalismo de insinuação, que seria uma ‘maneira hábil de dar a entender alguma coisa sem expressá-la claramente’, segundo mestre Houaiss, ou, ‘como tirar antecipadamente as nádegas da seringa fugindo de uma saia-justa ou um processo’, diria eu.

Escrevendo sobre o ‘turismo sexual’ no Rio de Janeiro, a jornalista Hildegard Angel divulgou, com todas as letras, o nome do hotel que fornecia aos hóspedes um álbum com fotos de meninas de programa etc. e tal. Ela não insinuou dizendo que determinado hotel situado em uma praia famosa, fornecia esse tipo de atração! Corajosa? Destemida? Não!!! Profissional autêntica, filha da Zuzu.

Hoje [9/8], o excelente Direto da Redação deu curso a um texto que é uma aula do jornalismo de insinuação. Com o título ‘As pontas do iceberg’ vem um texto que ensina aos neófitos da arte de escrever o segredo de como se embaça uma informação. Vou aos exemplos.

Que ‘papos’? Que Fátima?

1) ‘Uma revista semanal de grande circulação já publicou fotos de um respeitado presidente do BC de outrora ao lado do maior doleiro de Brasília de então’. Se fosse a filha da Zuzu a redação seria assim: ‘A revista Escândalos da Semana, de grande circulação, publicou em 1850 fotos de Eduardo Bananeiras, que era o respeitado presidente do BC, ao lado de Zezé Pega-pra-capar, maior doleiro de Brasília naquela época’. (Como estou por fora dessa informação inventei nomes e datas para exemplificar.)

2) ‘Um filme sobre os bastidores da eleição presidencial que colocou, inexplicavelmente (até para ele mesmo, segundo alguns relatos de primeira mão), Lula no desgoverno deste país. ‘Se redigido pelo Eliakim [Araújo], ele não usaria o ‘inexplicavelmente’, visto que os milhões de votos têm explicação numa democracia. A Leila [Cordeiro] não cometeria a bobagem de achar que Lula ficou surpreso com a vitória, logo ele que esperava ganhar já no primeiro turno. E esse ‘relatos de primeira mão’ fica por conta do jornalismo de insinuação. Ninguém, jamais, vai saber de quem é a primeira mão!

3) ‘O conto do vigário do Fome Zero’. Sem insinuação, esse ‘conto do vigário’ é um assunto muito grave, mas o jornalista fica na ‘insinuação’ e, no seu próximo texto, não iremos, eu e os leitores, encontrar qualquer resultado de uma investigação.

4) ‘Os papos do Grupo de Fátima’. Que ‘papos’? Que Fátima?

Medo do conselho

5) ‘Uma tentativa arrogante, pedante, cretina’. Esta afirmativa o elegante Alberto Dines jamais faria. Sua quilometragem no jornalismo não lhe permite carimbar de cretina uma atitude de um presidente de Banco Central de um país. Cretina é uma palavra muito forte para um jornalista, ainda que principiante ou debochado ou profundamente desapetrechado de um vocabulário decente e respeitoso.

Pode-se fazer oposição sem descer a escada da elegância. Quem não respeita não pode reclamar se for desrespeitado. Quem agride não pode temer agressão. Violência costuma gerar violência.

É este, em pinceladas descoloridas, o novo jornalismo que surge. Esse jornalismo, sim!, é possível que tenha medo da criação de um Conselho Federal, igual aos que existem para todas as profissões regulamentadas.

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Jornalista