Estou lendo a Veja na internet – não sei se os erros foram mantidos na versão impressa –, mas a revista informa que na Copa de 1994 o Brasil venceu a Checoslováquia na estreia por 2 x 0. A seguir, aplicou 3 x 0 na Inglaterra. Depois empatou com a Romênia: 1 x 1. Prosseguiu rumo ao tetra e venceu o Peru por 1 x 0 e o Uruguai por 3 x 2. Mas, enfim, acertou a partida final: empate sem gols com a Itália e decisão por pênaltis.
Aquela Copa foi bem diferente. Exceto a final, as partidas e os resultados foram outros. Segundo o Almanaque da Seleção, de Alexandre Simões (Editora Leitura), o Brasil venceu a Rússia, por 2 x 0, e Camarões, por 3 x 0. Empatou com a Suécia (1 x 1), venceu os EUA por 1 x 0, a Holanda por 3 x 2, de novo a Suécia por 1 x 0 e, enfim, a Itália, nos pênaltis, por 3 x 2, depois de empate sem gols. Contudo, o Almanaque da Seleção informa à página 255 que o capitão da seleção brasileira foi o técnico Carlos Alberto Parreira. Deve ser coisa das facilidades do computador na hora de escrever, os traiçoeiros recursos de ‘recortar’ e ‘colar’. O capitão foi Dunga.
Faz algum tempo que a mídia escrita irrita os leitores com erros primários como esses. Mas, agora, as editoras, na ânsia de colocar os livros na praça e aproveitar o mote da Copa, também se descuidaram.
Revisores indevidamente dispensados
Entretanto, a mídia não se descuida apenas nisso. Os descuidos são, sobretudo, de língua portuguesa.
Mas não é só ela. Editoras estão publicando livros com clamorosos erros de revisão. E não estão sozinhas nisso. A página do Ministério da Educação também tem seus deslizes. Na do Inep, por exemplo, encarregado de avaliar as universidades, a disciplina Língua Portuguesa vem grafada ‘Lígua Portuguesa’.
Tudo isso acontece num momento delicado da norma culta da língua, decorrente das desarrumações do Acordo Ortográfico, mas os erros aqui apontados não podem ser creditados a esse desarranjo. No caso da Veja e do Almanaque da Seleção, os erros foram de pesquisa. Na página do Inep, um simples corretor eletrônico poderia evitar o tropeço.
O que ocorre é que a profissão de revisor declina no Brasil. Os revisores foram indevidamente dispensados das redações e de outras instâncias onde seu trabalho é indispensável. Os editores ficaram sobrecarregados com tarefas que não são suas, pois é impossível que em prazo tão curto, de um dia para outro, eles cuidem de todos os aspectos de um texto.
No mato sem cachorro
E há ainda um outro problema. Não há, como havia antes do Acordo Ortográfico, um dicionário inteiramente confiável. O que temos são dicionários mais ou menos seguros do que outros. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), de responsabilidade da ABL, que poderia ser o STF da norma culta, transgride várias determinações do Acordo. Por isso, também não é confiável. A ABL e a editora que o publicam recomendam ir ao portal da Academia e imprimir os anexos.
Antes do Acordo, Portugal adotava o modelo de 1945, que o Brasil assinou, mas não cumpria. Nosso país preferia seguir o de 1943.
Se você é um profissional de Letras e pode corrigir os dicionários, também incorre em impasses como esse do Acordo sobre o hífen: ‘Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição’, serão escritos sem hífen. E quem decide a ‘certa medida’? E o que quer dizer ‘certa medida’, no caso?
No caso do futebol, todos sabem que Veja errou, que o Almanaque da Seleção errou. Mas, no caso do modo de escrever de acordo com a nova grafia, os brasileiros estão perdidos num mato sem cachorro.
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Escritor, professor da Universidade Estácio de Sá e doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e De onde vêm as palavras