Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Desnutrição, tuberculose e malária matam milhares

O que não mata, emagrece. Emagrece a tiragem dos jornais e diminui audiência das emissoras de rádio e TV espalhadas Brasil afora. É por isso que a gripe A está na manchete dos principais noticiários. Pelo menos estava até descobrirem que a gonorréia pode ser mais letal. Novidade? Um relatório do Ministério da Saúde mostra que a influenza e pneumonia (J10-J18) estão em quinto lugar na lista das principais causas de morte. O J10-J18, essa sigla que aparece ao lado do documento, é um agrupamento de várias enfermidades que vão da ornitose, febre tifóide, gastroenterite e coqueluche à histoplasmose e outras oses que você nunca sonhou que existissem. Incluindo a já citada gonorréia. E é na soma de todas essas moléstias, que o resultado de óbitos é esse que você vê na tabela: 36.053 mortos.

Ok. Vamos esclarecer melhor. De acordo com o próprio Ministério da Saúde, a gripe sazonal, aquela que você costuma pegar no inverno, juntamente com suas causas associadas, mata, em média, 70 mil pessoas por ano. Já a Gripe A/H1N1 levou a óbito 7.820 vítimas no mundo todo, conforme dado divulgado em 27 de novembro pela OMS (números atualizados semanalmente). No Brasil, o número chega a 1.368 pessoas entre 25 de abril e 10 de outubro, segundo nota divulgada à imprensa no dia 19 de outubro.

Além da gripe sazonal, há outras doenças infecciosas que acometem grande parte da população brasileira, como a tuberculose, causa de 4.500 mortes anuais. Mas os problemas da saúde pública não se resumem a epidemias. A desnutrição não é transmissível; no entanto, assola a população carente matando em larga escala. Estariam tais dificuldades despercebidas da cobertura midiática?

Passando o pente fino

Primeiramente, é importante ponderar e avaliar a postura da mídia diante da atual pandemia. Partindo deste pressuposto, um estudo realizado pelo Monitor de Mídia, revista mensal multimídia da Univali, acompanhou durante cinco dias a produção de informação de três sites de agências de notícias: BBC Brasil, Reuters e Radiobras. De acordo com o estudo, houve notável desequilíbrio na cobertura de notícias de saúde, especialmente da Radiobras, entidade ligada ao governo.

A maioria das matérias analisadas abordava os novos casos de infecção e morte pela Gripe A, tornando invisíveis outras doenças preocupantes. Além disso, assuntos que são de baixo interesse público tornaram-se manchete, como o caso de Holanda lança vídeo game que simula pandemia de gripe.

Jornais e sites de notícias como G1 e O Globo limitaram-se a repetir números e mais números de infectados e falecidos. Algumas vezes, para quebrar o gelo, as maneiras de prevenção da doença apareciam em pauta.

Ocupando o primeiríssimo lugar no pódio, está a Folha de S.Paulo. Motivo de crítica em três edições do site Observatório da Imprensa. Entre outras coisas, o jornal trazia, em matéria de capa, o título Gripe suína deve atingir ao menos 35 milhões no país em 2 meses. Número que foge à realidade dos fatos, visto que já se passou mais de um mês e meio da data de publicação. Lembrando que o relatório da OMS apontou menos de sete mil mortes até agora. Número com alguns dígitos a menos em relação ao divulgado pela Folha.

Mídia a serviço do povo?

Então, a imprensa foi negligente na cobertura de outros problemas relevantes da saúde pública? Como em muitos casos, os pontos de vista são divergentes. Para Dorival Duarte, infectologista e diretor clínico do Hospital Adventista de São Paulo, apesar de muitos considerarem o papel da mídia alarmista, a cobertura desempenhada por ela foi adequada. A imprensa deu as informações sobre o desenvolvimento da epidemia, das medidas governamentais de saúde pública e do processo educativo preventivo para a população.

Pela ótica da coordenadora do diagnóstico ‘midiático’ já citado, Laura Seligman, a imprensa não cumpriu satisfatoriamente seu papel. ‘Se analisarmos a cobertura diária da mídia a respeito de questões de saúde, é possível perceber que essa intenção de informar acaba se transformado em espetacularização da doença’, analisa. De acordo com ela, isso acarreta a invisibilidade de outros males que também são graves para o País. ‘Disenteria, diarréia e febre amarela, por exemplo, não recebem uma linha da mídia, não recebem recursos do poder público, sequer recebem atenção dos pesquisadores de grandes laboratórios’, condena. Para Laura, isso é um problema social que os meios de comunicação ajudam a agravar, se a cobertura da doença for realizada apenas de maneira denuncista, e nunca de forma educativa e preventiva.

Levando em consideração que os especialistas já temiam que uma mutação do vírus da gripe pudesse desencadear um elevado índice de mortalidade no planeta, como ocorreu em 1918 com a morte de mais de 20 milhões de pessoas, o alerta inicial feito pelos meios de comunicação foi correto. É o que pensa o jornalista e assessor de imprensa, Celso Vicenzi. Entretanto, ele acredita que a imprensa revela maior zelo na cobertura dos fatos quando a possibilidade de infecção é democratizada, como no caso da gripe suína. A mídia excedeu, e não soube recuar quando percebeu que não havia o impacto que se previa. ‘O tom pouco equilibrado das notícias – até o momento, uma verdadeira overdose! – levou milhares de pessoas às emergências dos hospitais, provocando caos’, objeta. Segundo ele, o jornalista precisa dosar a validade da notícia, a fim de informar o que realmente é de interesse público. ‘Não adianta esconder-se atrás de álibis de boas intenções’, repreende.

Silêncio dos inocentes

Ainda resta uma dúvida: se a mídia ignora outras doenças preocupantes, por que ela o faz? Na avaliação de Laura, um dos fatores é o interesse puramente capitalista das grandes indústrias. ‘[Pesquisadores de grandes laboratórios] não vêem neste público pobre-feio-sujo-e-malvado um bom nicho de mercado para comprar e gastar em suas novas drogas miraculosas’, ataca. A grande mídia, por sua vez, que só se move há passos pesados, contribui com os interesses dessa indústria.

Vicenzi compartilha do mesmo ponto de vista – e vai além. Para ele, tanto outros setores como a mídia, podem esconder, atrás do que é de interesse público, interesses políticos e econômicos. ‘A mídia, que poderia ser um agente de transformação dessa realidade, revela-se, infelizmente, como principal porta-voz de uma elite perversa, insensível, cruel’, dispara. Diante dessa realidade, Vicenzi aponta a importância do senso crítico embutido no telespectador. ‘O leitor que aprenda a consultar boas fontes – que nem sempre estão na chamada ‘grande mídia’ – ou poderá se tornar refém de grupos que disputam poder na sociedade, a maioria, de caráter privado. E que ingenuamente, pode ajudar a consolidar essa realidade’, adverte.

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Estudante de jornalismo do Unasp e repórter de ciência do Canal da Imprensa