Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Despautérios de um governador

A chamada da matéria é espetacular: "Para Lembo, eleição presidencial foi um processo esquizofrênico" (entrevista ao Estado de S.Paulo, 31/10/2006, pág. H9).

Lá ia o signatário engolindo a estranha sociologia de Cláudio Lembo, governador de São Paulo por renúncia de Geraldo Alckmin, quando, à pergunta de Paulo Moreira Leite sobre a cultura explicar a presença de três governadoras – feita apenas assim "Cultura?" – o governador seqüestrou a heroína-mor de Santa Catarina, homiziando-a alhures: "O Rio Grande é a terra de Anita Garibaldi". Governador! A heroína merece mais respeito! Assim o senhor se filia ao que muitos gaúchos querem: que Santa Catarina seja apenas uma linha imaginária que separa o Rio Grande do Sul do Paraná. Ora, os catarinenses têm sua própria identidade neste grande arquipélago de culturas que é o Brasil.

Até que o governador antecedeu o tremendo erro histórico de uma idéia muito simpática, ao comentar a novidade de termos três governadoras: "Não precisaram das cotas, aquela idéia da [ex-prefeita] Marta Suplicy que eu acho totalmente errada. O que valeu foi a cultura". Daí a estranheza do entrevistador: "Cultura?".

Há outras pérolas: "A burguesia sempre faz o que é útil para a sua preservação. Por isso não perde uma desde 1789". Será? Nenhuma? A burguesia vem ganhando todas desde a Revolução Francesa? Mas em que países? Não houve a Revolução Russa de 1917? Não houve Fidel Castro em Cuba? Não houve Getúlio Vargas no Brasil? Não houve os sandinistas na Nicarágua? Não houve Mao Tse Tung na China? O Oriente Médio é todo e inteiramente burguês?

Diz que as oligarquias estão morrendo pelas mesmas razões que levaram ao desaparecimento de outras espécies na seleção natural, segundo Darwin:




"Estamos vivendo o fim do ciclo biológico das oligarquias nascidas com o regime militar".

Louvando-se nas derrotas de ACM, na Bahia; de Sarney, no Maranhão; de Bornhausen, em Santa Catarina (Epa! De novo! O que será que vem agora sobre meu estado natal?), lasca:




"O eleitor também pratica o seu darwinismo. Ficou mais racional. Após cinco anos de eleições livres, conhece os candidatos, sabe o que eles representam. Assim, sobrevivem os mais aptos".

Mas essas figuras solares das oligarquias perderam uma batalha, governador! Quantas vezes as mesmas personagens, as mesmas oligarquias perderam várias batalhas e voltaram de novo e até com mais força? Leia o livro de Sebastião Nery As 16 derrotas que abalaram Brasil (que provavelmente contou com a consultoria de Petrônio Portela, cala-te boca!) e explique-nos então que derrotas foram aquelas, já que o PMDB, sucessor do partido que fez a orquestra da grande vitória de 1974, está aí no pedaço? José Sarney não está mais no Senado? Ele perdeu? O distinto público sabe apenas que sua filha Roseana Sarney perdeu apenas a eleição para governadora do Maranhão. E que Ana Júlia, do PT, elegeu-se no Pará graças á ajuda providencial do coordenador de sua campanha – meu Deus, meu Deus, que horror, à moda de Castro Alves! – Jader Barbalho!

Mas o fecho de ouro é a definição do presidente Lula:




"Lula não tem tendência a ditador. É um operário de chão de fábrica, conhece a vida de verdade. É um pequeno burguês, apenas isso".

Para entender Cláudio Lembo

A bibliografia indicada é a Grammatica Portugueza pelo Methodo Confuso, de Fradique Mendes. Há um bom estudo sobre ela, feito por Ricardo G. Munduruca Costa (bolsista PIBIC/CNPq), orientado pela profa. dra. Maria Augusta Bastos de Mattos, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Unicamp. Ali se diz que…




"…as gramáticas tradicionais da época na qual foi escrita a Grammatica Portugueza pelo Methodo Confuso (GMC) continham, em geral, uma parte na qual era exposta a gramática e, depois, uma antologia na qual era aplicada. Além disso, era uma prática prestigiosa e aplaudida anexar à sua gramática uma pequena antologia".

Outro boa pedida é ver o que fez o gramático de origem flamenga Johannes Van Pauteren (1460-1520), famoso pela confusa gramática latina que elaborou, cheia de regras absurdas, que foi best-seller por dois séculos, especialmente na França. O nome latino do autor, Dispauterius, resultou na palavra portuguesa despautério, definida pelos dicionários como tolice graúda.

O livro de Fradique Mendes trazia o Appendice Anthologico (AA)…




"…construído, por vezes, seguindo o padrão de construção das antologias da época e, por vezes, utilizando um método próprio de construção que acreditamos não ser casual, como já ocorria na primeira parte da GMC".

Diz o aluno, orientado pela professora:




"Esse método, grosso modo, consiste em criticar utilizando o humor caricatural, procedimento típico da época na qual foi escrita a GMC. Não podemos deixar de dizer que o AA está repleto de referências, propositadamente incorretas, o que nos levou a preparação de um `dossiê´ completo dos autores constantes nesse apêndice".

Elite branca

Os políticos talvez esqueçam que quando dão entrevistas à mídia são lidos por todos os que têm o gosto de ler. E entre eles a controvérsia é, não apenas desejável, mas saudável. E é decorrência natural daqueles leitores/eleitores que não pensam como os eleitos.

Os dois candidatos passaram a campanha toda sem citar autor algum, com exceção de Geraldo Alckmin, que citou Maquieval:




"Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me adulam, porque me corrompem".

Não foi somente sobre segurança pública que não se falou, governador Lembo. Nada foi debatido! Talvez por isso nenhum eleitor mudou seu voto. O homem foi reeleito com os mesmos votos da primeira eleição.

De todo modo, podem surgir novas palavras, como lulismo. E temos que resumir também o que o senhor diz num modo de ver a vida, nascido de críticas à elite branca, seja lá o que essa nova categoria sociológica signifique. Quem sabe, lembança, lembismo, lembar. De todo modo, para não reduplicar, devemos ater-nos ao sobrenome pois o nome já inspirou claudicar, que tem como um de seus significados: "fraquejar intelectualmente", segundo o dicionário Michaelis.

Não fique bravo com este escriba, não, governador. Gosto de ler suas entrevistas e declarações: sempre encontro novidades.

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde dirige o Instituto da Palavra; www.deonisio.com.br