Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Destaque para suplemento do Estadão

O Dia da Mulher

Cumprimente-se o Estadão pelo suplemento com que homenageou o Dia da Mulher em 8 de março. Dos quatro jornalões que assino é de longe o que mais espaço e destaque deu à efeméride. Para representar as 86 milhões de brasileiras selecionam-se 16 delas que têm sua vida descrita. Artistas, escritora, empresária, cientista, médica, religiosa, política, juíza e ongueira formam um painel em amplo espectro das competências do sexo feminino no país. Quando penso que na antiga turma de meu avô na Faculdade de Direito 100% dos alunos eram homens, uma galeria profissionalmente variada como esta é de se comemorar.

Critérios originais empregados na formação do time escolhido permitem à edição escapar de expor apenas figuras muito óbvias. É verdade que entram as consagradas Fernanda Montenegro e Clarice Lispector, mas metade da escalação é desconhecida. ‘Retratos do Brasil’ é algo construtivo, volta-se para vidas que têm propósito. Não se ocupa de socialites nem figurinhas badaladas da grande mídia que lhe podem prover altos índices de audiência. Não banaliza o assunto, não apela.

Ali estão mulheres de destaque por genuínos méritos próprios, pessoas atrás de acrescentar algo ao mundo em que pisam e dar sentido a suas existências. Renée Gumiel continua dançando descalça, deslumbrando platéias, indiferente a ter passado dos 90. O jornal pesca Karina Groch, que nos conta dos dois projetos de proteção de baleias em Santa Catarina em que está envolvida. Quatro mil quilômetros distante de onde escrevo estas mal traçadas, ainda no Brasil e fora do eixo Rio-São Paulo, iniciativas beneméritas como essa apontam para a extraordinária variedade do país.

‘Retratos do Brasil’ acrescenta a sua seleta lista um grupo póstumo estabelecido em pesquisa entre leitores do Portal Estado. Nele estão irmã Dulce, Carmem Miranda e Leila Diniz. A turma das evocadas permite ainda a inserção de… Nelson Rodrigues entre as saias, graças ao pseudônimo Myrna, servindo de disfarce às crônicas publicadas nos anos 40 no Diário da Noite. A criatividade desta inclusão dá graça ao texto.

O encarte, embora ainda timidamente, supera o elitismo do centenário Estadão. Trata-se de um conservadorismo que de certa forma cobra imposto ao matutino dos Mesquita. Garantem-se nele bem umas quatro colunas regulares a gente cujo mérito, acredito, é pouco mais do que bela estampa, traquejo social ou assinatura conhecida. Ora, tais textos abatem a qualidade do jornal, que por sorte a tem sobrando.

Mas ‘Retratos do Brasil’ inclui entre as 16 escolhidas uma jovem operária da construção civil, Patrícia Anselmo. E a transcrição do relato de seus empregadores é oportunidade de se constatar o reconhecimento da vocação feminina para certas tarefas com azulejos, com vantagem sobre o desempenho de homens, e observar a boa acolhida em ambientes de onde só se espera machismo.

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Diretor de ONG, Bahia