Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Deus no céu e Lula lá

Era o dia 1º de janeiro de 2003 quando, já emocionado pela festa em Brasília, ouvi o discurso de um homem que mudaria o Brasil ‘como nunca antes na história desse país’. E começava falando justamente de mudanças.

‘Mudança; esta é a palavra chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A esperança finalmente venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos.

Diante do esgotamento de um modelo que, em vez de gerar crescimento, produziu estagnação, desemprego e fome; diante do fracasso de uma cultura do individualismo, do egoísmo, da indiferença perante o próximo, da desintegração das famílias e das comunidades; diante das ameaças à soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse econômico, social e moral do país, a sociedade brasileira escolheu mudar e começou, ela mesma, a promover a mudança necessária.

Foi para isso que o povo brasileiro me elegeu presidente da República: para mudar.’

Assim tinha início a Era Lula. Eram as primeiras palavras do primeiro retirante nordestino a subir a rampa do Planalto. As manchetes de alguns meios de comunicação do país demonstravam como seria o relacionamento deles com o novo presidente. Na Veja, do dia 8/1/2003, a manchete: ‘Lula de Mel. A partir de agora, começa a cobrança.’ E logo em seguida, no dia 15/1/2003, a primeira das muitas alfinetadas no governo: ‘Trapalhadas na decolagem. O show de factoides no começo do governo Lula.’

‘Ser um ícone’

Mas ele conseguiu. Resistiu aos escândalos e às manchetes, cada vez mais ácidas, contra seu mandato. Viu (ou melhor, não viu) o mensalão ser o ponto mais baixo do seu mandato. O próprio presidente acusou o escândalo de ter sido uma fraude para evitar a sua reeleição, ou até mesmo um impeachment. Disse ele:

‘O que mais me intriga é que o deputado que fez a acusação foi cassado porque não apresentou nenhuma prova. O texto da cassação dele, na Câmara dos Deputados, diz que ele foi cassado por falta de decoro parlamentar, por não ter provado as acusações que fez. Mesmo assim, o processo contra os acusados continuou.’

Afirmou não saber de nenhum esquema para compra de votos e saiu ileso do escândalo que manchou a história do seu filho pródigo, o PT. Foi reeleito. Para piorar a situação da oposição, e da imprensa de oposição, tirou José Dirceu da Casa Civil e deu lugar a desconhecida tecnocrata, Dilma Rousseff. E deu certo.

O programa Fome Zero foi engolido pelo Bolsa Família, surgiu o Programa de Aceleração do Crescimento, cresceram as exportações, solidificou-se a economia, pagou-se o Fundo Monetário Internacional, o Brasil passou a emprestar dinheiro ao antigo credor, superou-se a crise econômica mundial, milhares de pessoas saíram da situação de miséria, as Classes C e D passaram a consumir mais que as A e B, foram criados 15 milhões de novos postos de trabalho e hoje, como disse um infeliz jornalista da RBS, qualquer ‘miserável’ tem um carro.

Aos críticos, restou apenas o discurso do mensalão e a tentativa de dizer que o presidente está acima do PT por não ser um político, e sim, um ícone. Como se ‘ser um ícone’ fosse obra do acaso, e não dos méritos pessoais de quem o é.

‘Quem é vitorioso não se queixa’

Para a imprensa de oposição, ou como prefere chamar o Paulo Henrique Amorim, o Partido da Imprensa Golpista, restou apenas o ‘mas’. Quando obrigados a divulgar algum ato positivo do governo, utilizavam a conjunção adversativa referida para criticar logo depois, ou o inverso. Na opinião da jornalista da Folha, Eliane ‘massa-cheirosa’ Cantanhêde, por exemplo, tivemos: ‘A política externa do presidente Lula foi bem sucedida… mas há um senão.’ Já segundo o professor Marco Aurélio Nogueira, em matéria publicada no site do Estadão (única oposição explicitamente declarada nas eleições): Lula não inventou a roda nem começou do zero, mas mudou o país.

Mas, diria a imprensa, eles tem suas razões. Como deve ter sido para a Folha de S.Paulo, crítica ferrenha ao governo, publicar a matéria ‘4 em cada 5 brasileiros consideram governo Lula ótimo ou bom’? E como é duro ver a tristeza o blogueiro vejista Reinaldo Azevedo, comparar a presidência da República com a presidência do seu blog e ainda soltar a frase mais cara-de-pau do ano ‘Farei oposição sistemática a Dilma? Ora, não fiz nem a Lula!’

Porém, o presidente soltou a pérola do seu mandato em sua entrevista ao programa É notícia, da Rede TV, no dia 19 de dezembro de 2010: ‘A imprensa sempre foi justa comigo, nenhuma queixa da imprensa. (…) Quem é vitorioso não se queixa.’ E ele foi.

Se não fossem os 17%…

No início do seu governo disse que não poderia errar, senão a esquerda nunca mais assumiria o poder no Brasil. Reelegeu-se e ainda conseguiu fazer a sua candidata substituta. Encerra seu governo com 83% de aprovação, sendo mais bem avaliado nas áreas do social, economia e geração de emprego e renda. Deixou o país com um índice de desemprego reduzido a impensáveis 5,7%, no mês de novembro de 2010, de acordo com o IBGE. Criou 14 Universidades federais no país e sai do governo para andar nas ruas.

Em sua posse, o presidente fechou o seu discurso assim:

‘Peço a Deus sabedoria para governar, discernimento para julgar, serenidade para administrar, coragem para decidir e um coração do tamanho do Brasil para me sentir unido a cada cidadão e cidadã deste país no dia-a-dia dos próximos quatro anos.

Viva o povo brasileiro!’

Agora, cabe a cada um de nós avaliarmos se Deus atendeu ao pedido ou não. Particularmente, parabenizo o presidente Lula e agradeço muito a Deus. Mas agradeço também aos 17% da população que avaliaram como ruim o governo Lula. Se não fossem vocês, seríamos uma unanimidade. E toda unanimidade…

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Analista de marketing, Salvador, BA