Texto publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.
Na guerra que se avizinha entre o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL – RJ), e as empresas de comunicação, o repórter está no meio do fogo cruzado, porque é ele quem busca as informações e faz as notícias. Mesmo sem esse tipo de guerra, a vida do jornalista na apuração dos fatos nunca foi fácil. Pelo singelo motivo de que ninguém gosta de ver os seus podres na primeira página do jornal. A maneira como o presidente eleito organizou a sua caminhada até a vitória nas eleições mostra que ele é um homem organizado, estratégico e implacável com os seus adversários – sobre o assunto, há um vasto material disponível na internet. No seu enfrentamento com a imprensa, o presidente eleito cita os nomes das empresas, acusando-as de publicar fake news . Até agora, não citou o nome de quem fez a notícia. Mas, ao chamar de falso o conteúdo do que foi publicado, ele bate na parte mais sensível do corpo do repórter: a sua credibilidade e sua independência para fazer o seu trabalho. Nada ofende mais um jornalista do que ser chamado mentiroso e de “pau mandado do dono da empresa”.
É a liberdade de imprensa que irá manter o grupo político de Bolsonaro nos trilhos da legalidade. Como está acontecendo nos Estados Unidos. O presidente americano, Donald Trump, o homem que se elegeu usando as redes sociais e acusando a imprensa de publicar fake news e que serviu de modelo para Bolsonaro, tem dezenas de repórteres fiscalizando os seus atos diariamente. A seu favor, o repórter americano tem o fato de que a liberdade de imprensa lá tem mais de 200 anos. No Brasil, ela é jovem. Começou em 1985, quando terminou a Ditadura Militar, que tomou o poder em 1964. E foi oficializada em 1988, com a publicação da Constituição brasileira. Isso significa que ela está em construção. Os tijolos dessa construção são as nossas matérias publicadas diariamente. E a argamassa é a vigilância dos nossos leitores, a sociedade organizada e as autoridades encarregadas de preservar as leis.
Aqui chegamos ao xis da questão. Para fazer com que a sua versão dos fatos seja considerada a única verdade, o presidente eleito tem que nos desacreditar perante a população. Antes da existência da internet, isso era um processo lento e arrastado. Hoje, graças às redes sociais, é rápido. E o caminho para complicar a nossa vida de repórter e a nossa rotina de trabalho, onde faz parte o uso de fontes — que não publicamos seus nomes — que nos passam informações exclusivas. Antes da internet, nós tínhamos tempo de chegar à informação. Hoje, com a concorrência instalada no nosso meio pela instantaneidade dos sites de notícia, o tempo de verificação praticamente sumiu e, com isso, fomos obrigados a aumentar a confiança na fonte. O que é um perigo. Lembro um caso. Um informante de um colega vazou para ele uma informação sobre o mercado de capitais. O jornal deu na capa. A informação era falsa e causou a maior confusão.
Citei esse caso para lembrar o seguinte: a área econômica do novo governo promete ser uma das mais tumultuadas, por abrigar uma luta entre os liberais e os nacionalistas. Em um ambiente assim, é rotina o uso do vazamento de informações para a imprensa como arma contra os adversários. Aqui, um alerta aos colegas. Tenho 40 anos de profissão, 30 e poucos em redação, fazendo matérias investigativas de conflitos agrários e crime organizado nas fronteiras. O grupo político do Bolsonaro é diferente de tudo que já vimos até aqui. Eles têm as suas disputas internas. Mas são focados nos seus objetivos: um deles é fazer a economia andar, o que significará a consolidação deles no poder. Os grupos em disputa sabem que têm um inimigo em comum: a imprensa. Portanto, é real a chance de jogarem uma casca de banana no nosso caminho.
Outra área que vai ser complicada para nós é a do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Na última terça, eu assisti a entrevista coletiva do titular da pasta, o juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato. A impressão que tenho é que o juiz não sabe onde se meteu. Ele tem um plano de como tocar os assuntos da pasta. Mas não combinou com os russos. Área é minada de problemas, como os grupos de extermínio infiltrados nas policiais militares, o conflito entre garimpeiros e índios (tribo Cinta-Larga, em Rondônia) e a fronteira com o Paraguai, que serve de esconderijo para as quadrilhas brasileiras, entre elas Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, e Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. Até Moro e o seu grupo tomarem pé da situação, nós vamos ter uma enxurrada de matérias. São poucos repórteres em redação no Brasil atualmente que conhecem as particularidades da área criminal de conflitos agrários. Uma conversa com esse pessoal pode evitar a publicação de muita bobagem.
Então, é isso. A nossa realidade: muita informação, abundância de cascas de banana pelo chão, pouco tempo para chegar à veracidade do informe. Como resolver? Lembro um provérbio muito popular, que é o seguinte: “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Foi muito comum entre os repórteres, nos anos 80, envolvidos na cobertura de conflitos sociais, fazerem um pacto com o seu concorrente para apurar a veracidade das informações antes de publicarem. Na época, os órgãos de contra informação do governo militar espalhavam boatos para confundir a opinião pública.
**
Carlos Wagner é jornalista.