O jornalismo possui, em um sua essência, o compromisso de informar o leitor da maneira mais simples, direta e precisa. E esse papel se relaciona a qualquer tipo de assunto que seja de interesse público. Esporte, política, cultura e economia são alguns dos temas mais importantes da imprensa. Mas talvez o último seja aquele que mais traz problemas relacionados à desenvoltura textual, que deveria facilitar a compreensão do público.
Desta forma, pode ser feita uma análise do jornalismo econômico, diretamente relacionada aos profissionais especializados nessa área, especialmente no que diz respeito à linguagem que adotam para expressar seus pontos de vista.
O colunista da editoria de Economia da Folha de S.Paulo online, Vinicius Torres Freire, e a colunista Angela Bittencourt, blogueira do Valor Econômico, são o objeto das preocupações nesta reflexão. Desta forma, a teoria do gatekeeper fornece subsídios na investigação do problema, à medida que traduz a vontade do jornalista em produzir seus conteúdos de acordo com suas ações e escolhas pessoais, como afirma Felipe Pena:
“O gatekeeper é um clássico exemplo de teoria que privilegia a ação pessoal. A metáfora é clara e simples. (…) diante de um grande número de acontecimentos, só viram notícia aqueles que passam por uma cancela ou portão (gate em inglês). E quem decide isso é uma espécie de porteiro ou selecionador (o gatekeeper), que é o próprio jornalista. Ele é o responsável pela progressão da notícia (…)” (PENA, 2005: 133).
Por se tratar de um portal de notícias que segue o perfil quality paper – jornal voltado para um público de maior poder aquisitivo – a Folha é dividida em editorias em que especialistas e colunistas discutem, de forma crítica e muitas vezes aprofundada, os assuntos. No caso de Freire, suas análises são feitas em cima dos principais fatos econômicos e políticos do Brasil e do mundo. Ele não explica a economia com o rebuscamento linguístico que o tema muitas vezes parece exigir.
Normalmente, pode-se levar em consideração que textos produzidos por economistas são feitos para seus pares, isto é, se relacionam com facilidade apenas com outros profissionais da área. A partir do momento em que Freire passa ao leitor o assunto econômico sem que termos da profissão atrapalhem a compreensão, ele começa a praticar bom jornalismo.
A jornalista Suely Caldas explica como deve ser um texto econômico produzido pelo jornalista:
“(…) a linguagem jornalística é uma só. O texto sobre o déficit fiscal do governo deve ter uma mesma simplicidade, objetividade e clareza de outro que descreve um confronto entre policiais e traficantes na favela, ou daquele que narra a súbita disposição de Romário em disputar a bola com o adversário. O que muda é apenas o tema. Se o leitor não entender o que leu, é porque o jornalista não cumpriu sua função básica de informar” (CALDAS, 2010: 9-10).
E complementa:
“(…) o jornalista deve ter a preocupação e preparo para interpretar o que ouviu (…) e, ao escrever, traduzir tudo em linguagem simples e objetiva, capaz de ser entendida por qualquer um, do porteiro de seu prédio ao mais importante empresário do país” (idem: 10).
Quando houve a intenção de ilustrar o caos que enfrentam os economistas do atual governo, em um de seus artigos, intitulado “Na enfermaria de Dilma”, publicado no dia 26 de maio, o autor deixou clara a leveza com que as informações apareceriam. Ao longo do texto, outras referências trariam consigo ferramentas úteis para transformar um assunto denso em algo mais palatável ao leitor.
A ironia é algo muito presente no texto de Freire. Os termos que foram usados exibem seu caráter de maior apelo popular, já que “gripe”, “desarranjos intestinais”, e até mesmo “vício” não mostram relação, em tese, com jargões econômicos. No entanto, para além de criticar o atual governo com certo tom de sátira, o autor expressa, junto ao título, as dificuldades enfrentadas por Dilma Rousseff em seu segundo mandato, assim como uma enfermaria possui problemas para curar seus pacientes:
“(…) outros desarranjos intestinais do governo deram a impressão de que o governo Dilma 2 teria uma recaída nos piores vícios de Dilma 1. (…) Os economistas de Dilma 2 estão doentes, coitados. Gripe e dor nas costas, ou talvez alergias e dores de cotovelo, têm impedido que os ministros da economia apareçam juntos em reuniões públicas [disponível aqui].”
O outro lado
No entanto, é sempre importante lembrar que existe o lado oposto. No caso, a linguagem que adota Angela Bittencourt, blogueira do famoso jornal de economia e finanças Valor Econômico, se diferencia nitidamente do utilizado por Freire.
Angela utiliza todos os termos complexos e específicos que o tema tende a exigir, o que costuma dificultar a compreensão. Entretanto, o que mais se manifesta em seu texto é o rebuscamento. Não é qualquer “porteiro de seu prédio”, como cita Suely Caldas, que consegue entender o que é, por exemplo, carência de ajuste fiscal.
O trecho abaixo de um dos artigos de Angela Bittencourt, de 20 de maio, ajuda a entender o desenvolvimento de suas ideias:
“Na economia brasileira, hoje carente de um ajuste fiscal – para se benevolente – o Banco central sustenta um claro discurso em defesa do cumprimento rigoroso da meta de inflação. Após alguns anos de tentativa e erro em busca da meta, de execução insuficiente ou imprecisa da política monetária ou ainda de inadmissível conflito (no governo) a respeito dos parâmetros vigentes no regime de metas brasileiros há mais de uma década, em 2016 é imperativo acertar na pinta: 4,50% em dezembro [disponível aqui].”
Mas por qual motivo há essa grande diferença entre os dois comentaristas? A primeira relaciona-se a seus interesses pessoais, que vão direcionar todos os conceitos do texto. A segunda é o perfil do órgão onde são veiculados esses textos. Embora tratem de temas afins, inclusive muitas vezes discutindo sobre o atual governo brasileiro, o público que busca a informação pode não ser o mesmo.
Um indivíduo interessado em “saber mais sobre economia”, tem uma boa opção ao encontrar Freire. Outro cidadão que busca conhecimento mais aprofundado e complexo, encontra em Angela conteúdos próprios que lhe satisfarão. As linha editorias dos veículos são diferentes e exigem, portanto, tratamentos linguísticos e textuais diferentes.
Como explicar com facilidade
Os textos são a maneira mais antiga de se passar informação e, até hoje, se mantêm fiéis ao seu objetivo. No entanto, outras formas de se difundir ideias, conceitos e até mesmo notícias podem ser uma alternativa para explicar um tema que, de fato, é complexo, como economia.
Um desses exemplos são os vídeos. A pequena reportagem [disponível aqui] veiculada no Jornal Nacional no dia 28 de maio expressa a competitividade do Brasil no cenário econômico. Mas o que significa isso? Neste ponto, é que se deve parabenizar a equipe de produção, pelos recursos, ferramentas e analogias que usaram na construção da ideia central.
A referência é interessante e durante a matéria, um confeiteiro segue passo a passo a receita de um bolo, adicionando ingredientes e mexendo-os sempre que necessário. Ao mesmo tempo, o repórter indica o que significa cada um dos ingredientes e o que eles representam dentro da economia brasileira.
Essa forma de ilustrar o complexo e específico tema econômico se mostra mais simples e, principalmente, fundamental para que todos possam compreender a informação.
Referências:
PENA, Felipe. Teorias do Jornalismo. São Paulo. Contexto: 2008.
CALDAS, Suely. Jornalismo Econômico. São Paulo. Contexto: 2010.
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Fábio Martin é estudante de Jornalismo