Como o jornalismo está mudando! Por conta das novidades, principalmente com a chegada da web, dos blogs, das redes sociais e dos canais fechados de TV, o cenário da profissão tem se tornado mais complexo e em muitas situações não é fácil distinguir nitidamente o que é jornalismo e humorismo. Para complicar, as áreas de interface despontam cada vez mais por conta das exigências do mercado mais agressivo e voraz por novidades e diferenciações.
Na televisão, o espaço do ‘jornalismo humorístico’ ou do ‘humorismo jornalístico’ passa por uma freqüente dilatação sem delimitar suas fronteiras visivelmente. Em programas como Casseta & Planeta, que satirizam fatos políticos cotidianos da nação, o eixo demonstra estar bem mais inclinado para humor, mas no ácido CQC o teor jornalístico é muito mais evidente. Neste último, a irreverência, o deboche, o sarcasmo, a ironia, o cinismo e o atrevimento coexistem com a crítica contundente que é ingrediente básico num bom produto jornalístico. Como definiu George Orwell, ‘o jornalismo é a arte de noticiar alguma coisa contra a vontade de alguém’.
O CQC, apesar de humorístico, faz um jornalismo sério porque seria muito complicado para um repórter formal, clássico ou convencional fazer certos tipos de perguntas que só brotam na mídia por estarem discretamente protegidas pela alegação do humor. Se não fosse assim, a fonte seria perdida para sempre e as futuras entrevistas impossíveis. Então, às vezes, a saída para se obter boas repercussões estaria no humorismo.
Veracidade e interesse público
Para assessorias de imprensa que fazem credenciamento de grandes eventos políticos ou esportivos ficou mais difícil identificar com segurança se aquele ou este profissional está a serviço da reportagem ou da comicidade ou, por que não, de ambos. De todo modo, é muito importante frisar que seja jornalismo ou humorismo nenhum pode se posicionar como melhor do que o outro. Um está mais na seara da arte popular e do entretenimento, enquanto o outro fica mais na atividade da comunicação e do conhecimento. No entanto, ambos têm papéis importantes e não devem ser alvo da censura prévia.
No programa Furo MTV, os apresentadores Bento Ribeiro (filho do escritor João Ubaldo Ribeiro) e Dani Calabresa comentam jocosamente em formato de telejornal o noticiário divulgado na imprensa mainstream. Será que esse programa não poderia ser tipificado como um novo modelo de jornalismo opinativo, já que não há a rigor deformação da verdade? Claro que a dose ali parece ser maior do humorismo do que do jornalismo tradicional. Vale lembrar que este arquétipo televisivo razoavelmente novo por aqui tem similares nos Estados Unidos, Argentina e Espanha, além de outros países. Já o programa Pânico na TV até tenta beliscar o jornalismo, mas está muito longe de saber empregar esse recurso com habilidade. O programa é mais burlesco, sem refinamento para esse fim.
Numa outra linha editorial, no telejornal Globo Esporte, o apresentador Tiago Leifert faz suas piadinhas ingênuas com situações do esporte, dentro de um noticiário no formato tradicional. Penso que no telejornalismo noticioso corrente deve ser mais complicada a inserção do humor, porém é possível que essa impressão surja por absoluta falta de hábito deste autor na audiência do programa. Como no caso se trata de jornalismo informativo, a ética dispõe que é dever do jornalista a divulgação da informação precisa e correta e deve ser cumprida independentemente da linha política de seus proprietários ou natureza econômica da empresa. Além disso, a produção e divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público.
Atenuante e recurso estilístico
Combinar entrevistas e risos é mais arte do que técnica. O jornalista e apresentador Jô Soares, que iniciou sua carreira em texto no jornal Última Hora, consegue misturar com boa dose as brincadeiras com as informações sem que haja prejuízo de ambas, mas o talento para esse fim é incomum na mídia. Ao que consta, na ressurreição do rádio brasileiro os comentaristas José Simão e Ricardo Boechat descobriram uma nova tipologia jornalística, o diálogo bem-humorado. Não é crônica, não é boletim, não é crítica, não é notícia. Ali, numa conversa aparentemente despretensiosa, os comentários do dia rolam à solta não escampando nenhum político das observações engraçadas, amargas e contundentes. É jornalismo da mais alta qualidade e diversão.
Não sei por qual motivo no caso do jornalismo impresso, o humor está sempre enquadrado no jornalismo de opinião pelos teóricos. O José Simão, ou Macaco Simão, por exemplo, é um cronista do cotidiano na Folha de S.Paulo. O jornalista Millôr Fernandes idem, como também todos os chargistas, cartunistas e caricaturistas dos jornais e revistas. Ninguém está ali como humorista. O engraçado é que o poder de influência das charges jornalísticas é tamanho que recentemente quase provocou uma guerra santa no planeta. Dificilmente uma notícia teria tamanha eficiência, por mais hábil que fosse seu autor. O economista e ex-ministro Delfim Netto, apesar de ter sido retratado e castigado duramente nas caricaturas e charges da época em que era governo, admitiu que esse formato é um dos mais eficientes para a crítica. Inclusive, mesmo sendo alvo de massacre, não parece guardar rancor, pois tem uma coleção completa de suas charges e caricaturas estampadas em pequenos quadros em sua casa. Isso, naturalmente, não aconteceu com as notícias e reportagens.
Na década de 1960, o jornal Pasquim soube empregar com destreza o humor conjugado com narrativa jornalística, sem falar da eficácia do seu jornalismo de traço. É bem possível que por isso tenha driblado tão bem a rudeza da censura da época. Talvez hoje o humor seja também uma atenuante, um artifício, um recurso estilístico e uma boa alternativa para o autor ser mais furtivo e evitar certos processos judiciais que se avolumam nos tribunais, sem naturalmente deixar de dar seu recado para a opinião pública? Afinal, humor ninguém leva muito a sério.
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Jornalista, publicitário e professor universitário