Jiang Rong é um senhor de 60 anos, cientista político, funcionário de uma grande universidade e escritor de sucesso – muito sucesso. O best seller Totem do Lobo já quebrou todos os recordes de venda na China e, com exceção da ‘Bíblia de Mao’, é o livro que mais atraiu leitores no país até hoje. Há apenas um porém: Jiang Rong não existe. Ou melhor, existe, mas se trata de um pseudônimo. O homem por trás dele é um conhecido dissidente político chinês que nunca conseguiria publicar sua obra usando seu nome verdadeiro.
A identidade real de Rong é conhecida por poucos, e muitos tentam desvendá-la. Depois de ganhar 10 prêmios literários e vender milhões de cópias de seu Totem do Lobo, o nome do escritor foi entregue às autoridades políticas chinesas em um dossiê altamente confidencial compilado pela agência de segurança do país. Depois deste episódio, editoras foram informadas pelo governo que não podem mais publicar livros sob pseudônimos, a não ser que censores oficiais tomem conhecimento da verdadeira identidade dos autores – e de suas inclinações políticas, é claro.
‘A medida veio muito tarde para conter o sucesso de Jiang Rong’, afirma Jürgen Kremb em matéria para o alemão Der Spiegel. O escritor aceitou ser entrevistado por Kremb em sua casa, em Pequim, sob a condição de que o jornalista não revelasse sua identidade. Na conversa, Rong contou que ficou preso por dois anos após o Massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, acusado pelo Partido Comunista de pertencer a um grupo de dissidentes que lutava pela reforma democrática no fim da década de 80. Seu crime teria sido tentar, pacificamente, transformar o PC em um partido que apoiasse princípios democráticos. Hoje, Rong ainda é proibido de lecionar e não pode ter passaporte ou deixar o país.
Lobos e ovelhas
Durante a Revolução Cultural na China, Rong foi trabalhar nos pastos da Mongólia, onde viveu com uma família nômade. Um dia, ele ignorou os avisos do chefe da família e saiu andando sozinho. Sem perceber, acabou esbarrando em lobos, e assistiu aos predadores espertamente seguindo ovelhas até um penhasco, de onde os indefesos animais caíam. Os corpos das ovelhas eram posteriormente levados pelos lobos para uma caverna, estocados como comida congelada para o inverno. Rong ficou fascinado com o que viu, e passou a estudar a vida dos lobos.
A crítica social do livro tem início quando o autor descreve a chegada dos soldados na região de estepe, obrigando os nômades a abandonar seu estilo de vida natural. Rong teria acompanhado os soldados durante uma caçada de lobos e testemunhado quando a prática se tornou uma tentativa de extermínio. Quanto mais soldados chegavam, mais lobos eram mortos.
Assim como no Tibet, a colonização pelos chineses causou um desastre ecológico na paisagem até então intocada da Mongólia Interior. Os colonizadores chineses transformaram a vegetação de estepe em campos, mas sem os lobos, os ratos se proliferaram e rapidamente viraram uma praga. Ovelhas selvagens pastaram até que os prados viraram poeira. As tempestades de areia mongóis viajavam até Pequim e Seul. A parábola é agora realidade, exemplo dos sérios impactos causados pelo explosivo crescimento econômico da China sobre os países vizinhos.
A teoria de Rong, resumidamente, é que os chineses Han, maior grupo étnico da China, se tornaram ovelhas pacientes, dispostas a aceitar qualquer liderança e não a construir seu próprio futuro, como lobos fariam. A sugestão estimulou – além das vendas – acaloradas discussões entre leitores, críticos e magnatas do setor industrial. Seriam os chineses espertos lobos ou apenas dóceis ovelhas?