Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dora Kramer

‘A nota da executiva nacional do PT em defesa de seu ‘patrimônio ético’ indica que talvez seja prudente o partido parar um pouco de ter idéias, fazer uma pausa para meditação e depois, com cabeça, tronco e membros reconectados, voltar à ofensiva no caso Waldomiro Diniz.

Num texto de duas páginas, os petistas retomam a desmoralizada versão de que todo e qualquer malfeito pertence ao ano de 2002; atribuem o escândalo a ‘uma campanha sistemática orquestrada por setores da oposição e da mídia, visando a desconstruir o capital ético e político do PT e enfraquecer o governo’; classificam os acontecimentos em curso como ‘uma onda de denúncias vazias, de boatos infundados e de insinuações incomprovadas (sic!)’.

Argumentam de novo que Waldomiro Diniz ‘nunca foi filiado ao partido’; afirmam que todas as formas de investigação foram providenciadas, mas não fazem referência às CPIs; consideram que estão sendo atendidas todas as exigências de transparência feitas pela opinião pública; oficializam a campanha pela mudança da política econômica; e finalizam conclamando todos os militantes e filiados a defender o patrimônio ético do PT, atualmente ameaçado pelos ‘opositores das mudanças’.

O tiro forte foi mesmo dado na política econômica, cuja contestação sai agora do terreno das especulações de bastidores para sentar praça na cena principal. Tudo o que o governo não precisava neste momento é de uma nota oficial atestando a pressão para a alteração de rumos na economia.

O resto são fantasmas produzidos ao meio-dia e que, mais uma vez, fazem do PT o seu maior adversário. Nada pior quando se tem problemas de credibilidade do que tentar montar cenários obviamente irreais.

Retomar a versão de que Waldomiro só prevaricou em 2002 é contrariar provas já exibidas sobre suas andanças em 2003; atribuir culpas a campanhas orquestradas e falar em denúncias vazias ou boatos infundados é agredir os fatos e as fitas; falar em investigações sem fazer referência às CPIs, nem mesmo para justificar a posição contrária do governo, é conferir ausência de destreza mental aos ouvintes, leitores e telespectadores.

Considerar que o governo ‘tomou todas as medidas para que os fatos sejam investigados e esclarecidos com a transparência que a opinião pública exige e merece’ é tripudiar sobre os 81% que acham fundamental a instalação de comissões parlamentares de inquérito.

Conclamar militantes e filiados às ruas em defesa do patrimônio ético enquanto governo e PT se endividam com o atraso para impedir investigações políticas é tirar de militantes e filiados seu principal instrumento de defesa.

Conferir aos ‘opositores das mudanças’ a culpa e alegar a existência de ‘orquestração’ é acreditar que as pessoas estejam vendo demais para enxergar mudanças em curso, e de menos para não ver a realidade em volta.

Sombra oficial

A observação das cenas do escândalo em cartaz tem levado o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, a uma série de reflexões a respeito dos meios e modos da política brasileira. Ele chegou, por exemplo, à conclusão de que as figuras dos superministros, ou super-amigos do presidente da República com acesso irrestrito à intimidade do chefe, existiram em todos os governos depois da redemocratização.

São, na concepção do prefeito, produtos do baixo grau de institucionalidade das nossas relações políticas e da falta de organicidade dos partidos.

Esse, de acordo com as palavras de Maia, ‘espaço governamental especial em primeiríssimo escalão’ tem sido ocupado por pessoas ‘com poderes extraordinários e com a função delegada de garantir – de qualquer forma e por quaisquer meios – apoio parlamentar, apoios regionais aos governadores e apoio externo a suas ações’.

Segundo o prefeito, é como se existisse um Ministério da Operação. Nos últimos três governos eleitos, César Maia aponta que essa atribuição foi dada a Paulo César Farias, Sérgio Motta e, agora, José Dirceu. ‘Não cabe compará-los pelos meios que usaram ou pela taxa ética que incorporaram, mas suas funções eram precipuamente as mesmas.’

O prefeito considera essencial que não se ‘fulanize’ a questão, sob pena de chegar à equivocada conclusão de que ‘desvios de conduta se explicam pelo caráter dos personagens’. Até porque, lembra ele, ‘são governos com características distintas’.

César Maia considera essencial fazer uma análise correta dessas ocorrências, entendendo-as como produto da ‘baixa institucionalidade’ brasileira. Se o debate ficar exclusivamente preso aos atributos éticos desta ou daquela pessoa, o prefeito não tem dúvida: ‘Outros ministros da Operação vão surgir, até serem institucionalizados pelo tempo e pela tradição.’’



Carlos Heitor Cony

‘O gênio e a droga’, copyright Folha de S. Paulo, 4/03/04

‘Não fiquei surpreso ao saber que Lula, segundo as últimas pesquisas, em termos de popularidade continua com bons índices. Aliás, sem nenhuma vocação para profeta, já havia comentado o fenômeno há meses: por pior que estejam o governo e o país, Lula continuará sendo o salvador, imune às contingências naturais da carne política. É um mito criado pela maioria do nosso povo. Negá-lo seria negar o próprio povo.

Lembro um tempo em que correu por aí uma frase atribuída ao Paulo Francis sobre o cinema nacional: ‘O filme é uma droga, mas o diretor é um gênio’.

Havia uma disparidade entre o produto e a mística criada em torno dos diretores, todos considerados gênios. Os segundos cadernos da vida provavam exaustivamente a genialidade de todos, não apenas dos diretores mas dos iluminadores, produtores, continuístas, cinegrafistas e até dos motoristas que serviam às equipes. Na hora de a onça beber água, os resultados provavam o contrário.

Com Lula e a sua produção pessoal, que é o governo como um todo, está acontecendo igual disparidade. O presidente é um gênio, santificado pelo seu passado glorioso, como lembrou Clóvis Rossi, nesta semana, fazendo um paralelo entre o ex-presidente do Haiti e o nosso atual manda-chuva, que, aliás, pouco está mandando, embora a chuva esteja fazendo estragos gerais.

Acredito que continuará assim. Tirante a pauta de reivindicações sociais que lhe deram fama e status de messias, Lula só demonstrou habilidade para se preservar no papel de mediador das crises internas do PT e, agora, das crises do governo.

Não me refiro ao último escândalo, que leva o codinome de Waldomiro. No meu entender, a trapalhada não chega a atingir a honorabilidade do poder, nem do Zé

Dirceu, muito menos do Lula. Refiro-me ao escândalo continuado da insensibilidade social e econômica do governo, que é elogiado pelo FMI e começa a ser negado pela nação.’



Eduardo Ribeiro

‘Folha x Governo Lula = Singer x Singer’, copyright Comuniquese (www.comuniquese.com.br), 3/03/04

‘O diretor de Redação da Folha de S. Paulo, Otávio Frias Filho, ao anunciar, na última 6ª.feira (27/2), as mudanças no staff editorial da Folha de S.Paulo, confirmou Suzana Singer no cargo de secretária de Redação, o mais importante na Redação, depois do próprio diretor. Até aí, tudo normal, visto que Suzana é executiva com várias primaveras de casa, dirigia há tempos o Núcleo de Revistas, além de ser dona de uma carreira respeitada. O que chamou a atenção foi o fato de a Folha escalar para cargo tão estratégico ninguém menos do que a irmã do porta-voz do Governo Lula, André Singer – governo que, aliás, tem o pai de ambos, o legendário economista Paul Israel Singer, como titular da Secretaria Nacional de Economia Solidária, órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego.

Otavinho, é preciso reconhecer, foi corajoso ao convidá-la para o cargo e demonstrou irrestrita confiança na profissional e nos compromissos éticos e morais que ela tem com o jornal, com os colegas e com os leitores. Mas mais corajosa foi ela, Suzana, que enfrentará um momento inusitado em sua carreira: além de assumir um dos cargos com maior grau de pressão dentro do jornal, entra num combate sabendo que o irmão e o pai estão do outro lado da trincheira. Terão – os três – o desafio de manter as eventuais divergências profissionais longe das conciliações familiares, mas até mesmo pela história de vida de cada um vão certamente saber separar o joio do trigo, o que, de todo o modo, não os eximirá de sentir os eventuais ‘golpes’ desfechados de um lado ou de outro.

O novo ombudsman

O jornal também terá ombudsman novo a partir da primeira semana de abril e o convidado para suceder Bernardo Ajzenberg é Marcelo Beraba, atual diretor da sucursal Rio da Folha. Beraba, no acordo que fez com o jornal, vai continuar morando e operando do Rio de Janeiro, aumentando, obviamente, o fluxo de viagens para a capital paulista. O futuro ombudsman é do Rio e começou em O Globo, em 1971, lá permanecendo até 1984, sempre como repórter. Foi, então, para a sucursal da Folha como repórter e lá passou por várias outras funções nos 12 anos em que esteve no jornal (chefe-de-reportagem e diretor da Sucursal do Rio; editor de Cidades e de Política – incluindo o caderno Diretas Já – e secretário de Redação, em São Paulo). Saiu do jornal para ser editor-executivo do Jornal do Brasil (período do Marcelo Pontes, de 96 ao final de 98), foi editor executivo do Jornal da Globo, com a Lillian Wite Fibe, e novamente diretor da sucursal da Folha no Rio, a partir de 99. Fora de redação foi da diretoria do Sindicato dos Jornalistas do Rio no final dos anos 70 e início dos 80, preside a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e dirige o Comitê de Liberdade de Expressão da ANJ.

Ajzenberg, cujo mandato expira-se no próximo dia 11/3, deve definir nos próximos dias seu futuro profissional. Em tese, permanecerá na empresa, em alguma outra função, até porque, por contrato, goza de um período de estabilidade. Mas isso ainda não é oficial e certamente envolverá uma negociação entre ele e o diretor de Redação.

Novo comando no Rio

Outra mudança importante será a ida de Paula Cesarino Costa, para o Rio de Janeiro, sucedendo Marcelo Beraba no comando da sucursal. Não é uma mudança normal, já que Paula ocupava o cargo mais importante do jornal, abaixo apenas do diretor de Redação, e vai agora ocupar um cargo também importante, mas em tese menos influente. A questão é que a mudança se deu a pedido da própria Paula, certamente por razões pessoais e também porque trata-se efetivamente de uma função desgastante, submetida a pressão constante de todos os lados que se olha. Só a mudança para o Rio já deverá representar, para ela, um significativo ganho em termos de qualidade de vida.

Núcleo de Revistas

No mexe-mexe do jornal, vai vagar o comando do Núcleo de Revistas que por muitos anos foi exercido por Suzana Singer. Para lá segue Cleusa Turra, que vinha há 13 anos resistindo como secretária-assistente de Redação (Produção), tendo sido sub de Marcelo Beraba, Josias de Souza, Fernando Canzian e, atualmente, de Vinícius Torres Freire. Pelo envolvimento que tinha com a Redação, certamente fará falta sobretudo nesta fase de transição. Seu sucessor, no cargo, será Vinícius Mota, vindo da editoria de Brasil.

Ilustrada e Folhateen

Por fim, as mudanças chegaram à Ilustrada e ao Folhateen, que passam a ter novos editores. Cássio Starling Carlos deixa o Folhateen para assumir a Ilustrada, sucedendo Nelson de Sá, que de agora em diante só cuidará de sua coluna na primeira página do jornal, devidamente reestruturada e ampliada. Com isso, assume o Folhateen a editora Sylvia Colombo, que já era da Ilustrada.

Reforço

Além da dança de cadeiras, o jornal contratou Laura Capriglione, inicialmente para compor o quadro de repórteres especiais. Laura tem larga experiência no comando de equipes e no próprio Grupo Folhas, onde trabalhou anos atrás, dirigiu o Notícias Populares. Depois disso teve importantes passagens pela Editora Abril (salvo engano revista Veja e área de projetos especiais) e Editora Globo, como diretora do núcleo de revistas femininas.’



Iuri Dantas

‘Há outras fitas de Waldomiro, diz servidor’, copyright Folha de S. Paulo, 5/03/04

‘O ex-chefe da vigilância do Aeroporto de Brasília Carlos Braga afirmou ontem à Polícia Federal que o ex-assessor do Planalto Waldomiro Diniz foi monitorado e teve imagens gravadas em mais de uma ocasião, em dias diferentes, no aeroporto.

Até agora, apenas uma gravação em que Waldomiro aparece no aeroporto da cidade veio a público: ele recebe uma sacola do empresário de loterias, Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. À época, Waldomiro atuava no governo Benedita da Silva (PT-RJ).

A divulgação dessa fita junto com as imagens gravadas em 2002 no escritório de Cachoeira -em que Waldomiro pede propina ao empresário- abalaram o governo federal e obrigaram o ex-assessor a pedir exoneração do cargo em 13 de fevereiro.

A PF não sabe onde estão essas eventuais outras fitas nem quem ordenou essas outras filmagens.

Braga confirmou que as imagens do aeroporto já divulgadas foram feitas a pedido de três homens, que se apresentaram como policiais civis do Distrito Federal. Eles solicitaram o monitoramento específico de Waldomiro e de Cachoeira em 20 de maio de 2002.

Os três policiais também não foram identificados, segundo a PF.

Os homens se apresentaram como policiais civis, mas não foram interrogados pelos funcionários da Infraero (Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária) que cuidam do sistema de vigilância. Os servidores têm o costume, segundo o depoimento de Braga, de não fazer muitas perguntas. Apenas gravam o que lhes é pedido e entregam o material a policiais identificados.

O diretor interino da Polícia Civil brasiliense, Celso Ferro, nega envolvimento da instituição no caso. Ontem, ele se encontrou com o delegado Antônio César Fernandes Nunes, da PF, que apura crime eleitoral e corrupção ativa e passiva supostamente praticados por Waldomiro.

Segundo Ferro, a gravação do dia 20 que a polícia teria pedido se refere a uma investigação sobre latrocínio (roubo seguido de morte). ‘Essa filmagem de investigação de latrocínio não tem nada a ver com o que apareceu na TV [encontro de Waldomiro com Cachoeira].’ A afirmação do diretor interino diverge do depoimento dado por Braga. Segundo ele, os homens que se apresentaram como policiais civis indicaram Waldomiro e Cachoeira no sistema de vigilância e pediram o monitoramento de seus passos.

Braga disse que houve um procedimento atípico em relação à fita solicitada pelos policiais civis no Aeroporto de Brasília. Em 5 de junho de 2002, o agente Gilson Simões Ramos Filho assinou um ‘termo de cautela’ e retirou a gravação original. A praxe, segundo o ex-chefe de vigilância, é repassar uma cópia e manter a matriz no arquivo por um período de 30 dias e depois reutilizá-la.

Após colher o depoimento de Braga, Nunes afirmou que há ‘indícios de que policiais civis participaram da gravação da fita no aeroporto’. Depois de uma reunião com Ferro, o delegado da PF foi mais cauteloso. ‘O único dado que temos é que um policial civil assinou uma cautela de uma fita com as imagens daquele dia.’ Colaborou LUIS RENATO STRAUSS, da Sucursal de Brasília’