As discussões tomaram grande parte do ano de 2009 – em meio ao burburinho da redação, no terceiro andar, e das salas dos executivos, muito acima da Times Square – e consumiram incontáveis reuniões e recomendações de consultores.
Em pauta estava o maior salto estratégico em uma geração para o New York Times, um jornal de 159 anos: será que os leitores estariam dispostos a pagar para ler seu conteúdo on-line?
O Times anunciou seu novo plano de assinatura na semana passada provocando um amplo debate. Muitos leitores e blogueiros disseram que estavam felizes por poder, finalmente, pagar pelo acesso ao site, enquanto muitos outros – juntamente com alguns analistas da indústria e especialistas – disseram que o jornal estava perigosamente fora de sintonia com a Era Digital e que a abordagem estava condenada ao fracasso.
O mesmo debate foi travado dentro do Times, com executivos e editores-chefe às vezes tomando partido calorosamente. No papel de mediador estava Arthur Sulzberger Jr., presidente da companhia, que abraçava a ideia de um modelo pago. Mas ele foi contestado por vários executivos, especialmente por aqueles que trabalharam para tornar o NYTimes.com o site de jornal mais visitado do mundo.
Tráfego dobrado
Os riscos eram vários. A empresa poderia comprometer enormemente o seu alcance on-line, e ninguém poderia prever o que aconteceria à publicidade digital, que deixou de ser uma gota no balde para tornar-se fatia superior a um quarto da receita global da The New York Times Company com publicidade.
Dada a dimensão de sua audiência on-line e sua posição histórica como o jornal de registro do país, seu modelo de pagamento, que entra em vigor em 28 de março, tem tudo para ser a experiência do jornalismo americano com espectadores mais atentos.
O anúncio da semana passada pode ter definido o plano da empresa, mas não pôs fim ao debate tanto dentro quanto fora do edifício-sede do NYT.
– Por um lado, eu acho que há uma certa ansiedade em torno disso – disse Martin A. Nisenholtz, vice-presidente sênior de operações digitais, que inicialmente queria que o NYTimes.com permanecesse aberto e livre. – Por outro lado, acho que o modelo que escolhemos reduz essa sensação em 90%.
O Times já tinha experimentado um modelo de pagamento antes: o TimesSelect, que funcionou de 2005 a 2007, cobrando pelo acesso aos textos dos colunistas mais populares do jornal, como Frank Rich e Maureen Dowd, e aos arquivos do Times. O sistema conseguiu 227 mil assinantes cobrando US$ 49,95 por ano, gerando cerca de US$ 10 milhões em receita.
Mas depois que a companhia encomendou um estudo para examinar como TimesSelect estava funcionando, os executivos da empresa se convenceram de que restringir o acesso ao site estava comprimindo seu potencial de atrair mais leitores e mais publicidade.
Quando o TimesSelect terminou, o tráfego para o site quase dobrou. Agora está em mais de 30 milhões de visitantes únicos por mês apenas nos Estados Unidos.
– Do ponto de vista comercial, fazia sentido encerrar o TimesSelect – disse Vivian Schiller, que era, então, vice-presidente sênior e gerente geral do NYTimes.com e defendeu o fim do modelo pago. – Naquela época, tratava-se de matemática.
Plano diferenciado
Quando a recessão chegou, em 2008, a receita do negócio digital começou a cair. Em 2009, a Times Company tomou US$ 250 milhões emprestados do bilionário mexicano Carlos Slim Helú, a uma taxa de juros extremamente alta, 14%, e pela primeira vez em sua história recorreu a demissões em sua redação. Embora a publicidade on-line tenha aumentado desde então, ela não se recuperou em ritmo suficiente para compensar a contínua queda na publicidade impressa.
Tudo isso acrescentou nova urgência à discussão sobre a busca de um modelo de assinatura on-line. Havia a sensação de que os leitores on-line poderiam estar dispostos a pagar, como os assinantes do impresso sempre estiveram, de acordo com Denise Warren, chefe do escritório de publicidade do The New York Times Media Group, que inclui o International Herald Tribune.
– Alguns deles (os leitores) chegavam a nos enviar cheques sem que a gente pedisse – disse ela. – Há uma mulher no Canadá que enviou dois cheques de US$ 50 porque não entendia como ela podia consumir nosso conteúdo sem pagar. Todas as vezes eu tinha que dizer a ela que não podíamos aceitar o cheque.
Os executivos estudaram diversos modelos de negócios on-line, inclusive aquele usado pelo Vigilantes do Peso – que cobra US$ 17,95 por mês, além de uma taxa inicial de US$ 29,95, para orientação na perda de peso – e o do iTunes, da Apple – que popularizou o micropagamento de músicas por US$ 0,99. Eles também examinaram um modelo de doação e a criação de uma banca de jornal digital, onde as pessoas poderiam comprar o Times como parte de um pacote com assinaturas de jornais locais e jornais de abrangência nacional, como o The Wall Street Journal e o The Washington Post.
Sulzberger queria um sistema flexível, que permitisse à empresa ajustar o limite no número de artigos grátis conforme o necessário – no caso de um grande acontecimento de última hora, por exemplo.
– Vamos imaginar que ocorre uma notícia tão terrível quanto o 11 de setembro – disse ele, em entrevista. – Nós podemos, com o aperto de um botão, baixar esse contador a zero, de modo que todos possam ler tudo o que quiserem. Queremos aprender. Construímos um sistema flexível.
A questão também dividia a redação há muito tempo. Muitos repórteres e editores apoiavam o alcance de leitura que o site aberto proporcionava, enquanto outros estavam preocupados com novos cortes caso o Times não conseguisse uma nova fonte de receita.
– Eu acredito que vale muito a pena pagar pelo nosso jornalismo – disse Jill Abramson, editor do Times. – Para garantirmos o nosso sucesso futuro, era importante colocar isso à prova.
No final, os executivos decidiram por um plano diferenciado, que permitiria aos visitantes ler gratuitamente 20 artigos por mês antes de serem convidados a escolher um entre três modelos de assinatura: US$ 15 por mês ou US$ 195 por ano para o acesso ao site e ao aplicativo para smartphones; US$ 20 por mês ou US$ 260 ao ano para acesso ao site e a um aplicativo para o tablet iPad; e US$ 35 por mês ou US$ 455 por ano para um plano de acesso livre a qualquer plataforma.
– Penso que todos achariam inaceitavelmente desconfortável impor uma restrição rígida demais – disse Nisenholtz. – Acredito que todo mundo fica muito mais confortável em um ambiente onde o conteúdo ainda pode ser compartilhado, tuitado, blogado.
Questão em aberto
Artigos que os leitores acessam por meio de redes sociais não são contabilizados no limite mensal de acesso grátis.
Mas havia duas questões que assombravam o modelo. A primeira era técnica: erros do computador tinham estragado o TimesSelect. Os assinantes da versão impressa, que tinham acesso gratuito ao site, muitas vezes enfrentavam dificuldades para gerenciar suas contas.
– Essa é uma das coisas que aprendemos com o TimesSelect – disse Janet L. Robinson, presidente-executivo da empresa. – A experiência do usuário tinha que ser perfeita.
Por essa razão, o novo sistema levou mais de um ano para ser construído e foi lançado com meses de atraso. O Times não disse publicamente o quanto gastou com ele.
A outra questão foi o preço das assinaturas. Os executivos estudaram mais de cem combinações de produtos a preços mensais tão baixos quanto US$ 5 e tão altos quanto US$ 40 e analisaram mais de 20 mil respostas a uma pesquisa com consumidores. Os executivos dizem que foram surpreendidos pela grande quantidade de leitores que estariam dispostos a pagar.
– Era alto – disse Paul F. Smurl, vice-presidente de produtos pagos do NYTimes.com. – Tão alto que eu disse que precisávamos fazer o teste novamente.
A empresa também queria chegar logo no mercado de aplicativos pagos para smartphones, cuja experiência com o iPad demonstra ser um negócio promissor.
– Esse deve ser um mercado enorme para o New York Times – disse Nisenholtz.
Apesar das pesquisas com consumidores, o plano foi recebido com ceticismo considerável. Críticos argumentam que pagar pelo noticiário geral on-line, ao contrário do que ocorre com notícias financeiras, é algo que poucos estão dispostos a fazer.
– No momento, não consigo pensar em nenhum exemplo de um jornal de interesse geral fazendo sucesso com modelo pago – disse Alan Rusbridger, editor do jornal britânico The Guardian, que não cobra pelo acesso on-line. – Eu acho que o jornalismo financeiro é a única exceção à regra, porque a informação vale muito e o fator tempo é crítico para seus leitores. Se eu posso saber de algo cinco minutos antes de você porque eu assino o Financial Times ou o The Wall Street Journal e você não, isso tem valor.
O Times não diz publicamente quantos assinantes on-line espera obter. Mas os executivos da empresa disseram reservadamente que a meta para o primeiro ano é de 300 mil. E Sulzberger e Robinson insistem em que o plano não se destina a ganhos de curto prazo.
– Não se trata de uma aposta para este ano – disse Sulzberger.
A questão que fica em aberto é se essa aposta dará retorno em 2015, 2020 ou nunca.