Em primeiro lugar, gostaria de deixar claro que não leio, não ouço e muito menos assisto este cidadão chamado Chico Lang. Somente tomei a iniciativa de lhes enviar este texto após ter sido intoxicado pelo conjunto de bobagens que um amigo me enviou, sabendo da minha formação, com o seguinte subject em sua mensagem: Isto é jornalista????? Tratava-se da coluna de Lang, ‘Bola Solta’, do dia 25/06, com o título ‘Gauchada esquece a bola e quer levar títulos na força’.
Graças ao grande conhecimento jurídico de nossos ministros do STJ, hoje qualquer um pode ser jornalista, uma vez que nossa profissão, entre outras coisas, não oferece riscos à coletividade. Então respondi ao meu amigo que, nesse contexto, o Chico até me parece um profissional razoável. Apesar de – confesso – ter lido a coluna rapidamente, o texto pareceu-me fluir bem e aparentou não ter nenhum grave erro gramatical. Também ressaltei que, na ocasião, Chico estava exercendo o papel de colunista – aquele que no jornalismo tem, sim, um espaço para emitir sua opinião.
Mas vale observar que, se Chico Lang entende de futebol como conhece a história do nosso país, que colunista irresponsável a Gazeta.Net foi achar, hein?!
Somente uma pessoa muito desinformada ou mal intencionada esqueceria que o golpe militar de 64 foi uma articulação que partiu na cidade de Juiz de Fora, de onde rumaram caminhões e tanques em direção ao Rio de Janeiro, onde o presidente João Goulart (gaúcho) se encontrava quando recebeu um manifesto do general Mourão Filho (carioca) exigindo sua renúncia.
Horrores que a história comprova
Na minha modesta opinião, mais do que derrubar Jango, a ideia das ‘elites’ era, de fato, jogar uma pá de cal sobre um espectro que se chamava Getúlio Vargas. Em 1930, Getúlio acabou com a política do café com leite, que privilegiava os estados de Minas Gerais e São Paulo, contrários à industrialização do Brasil. Um jogo de cartas marcadas que tinha o objetivo de fazer com que os cafeicultores e os grandes pecuaristas permanecessem no poder por tempo indeterminado. Em 1932, esses mesmos fazendeiros tentaram retornar ao poder, mas não conseguiram.
A ‘Revolução de 32’ não impediu que Vargas iniciasse a verdadeira revolução social que a maioria do povo esperava, independente de ser gaúcho, paulista, cearense ou baiano. Esta, apesar das comemorações de uma tentativa frustrada de se retirar um presidente do poder, é a mais pura verdade.
Mas vamos voltar agora ao golpe em que o Chico Lang, pelo visto, é especialista. Em 1964 não seria, por acaso, mera coincidência o fato de, num claro e flagrante desrespeito à Constituição, o presidente do Senado, Auro Soares de Moura Andrade (paulista de Barretos), que deliberou estar a Presidência da República vaga, ser um ex-revolucionário de 32? Notem que assim este senhor, que combateu ferrenhamente o governo de Getúlio Vargas, à frente dos jornais A Urna e O Democrata, deu de mão beijada a presidência ao também paulista Pascoal Ranieri Mazzilli.
Com estas informações que acabei de registrar, poderia então eu colocar também na conta dos paulistas os horrores que passamos pela ditadura militar e que a história – não eu, muito menos o Chico Lang – comprova?
Passando o recado
Daí me vem a seguinte pergunta: e se Chico Lang, em sua estratégia deliberada de generalizar para evitar ao máximo outra asneira, argumente que o período ao qual se referiu era o do gaúcho Médici? Muito esperto, ele! Talvez tenha sido, inclusive, capaz de ter contado a lista de todos os generais do país, uma vez que afirmou que a maioria era lá do Sul. Uma coisa que, confesso, não tive tempo nem paciência para procurar.
Mas sirvo-me novamente da história para lembrar ao ilustre colunista – que usou essa frase forte: ‘Os caras torturaram, mataram, usaram dinheiro público ao bel prazer e tudo bem’ – que não necessariamente foram só do sul os protagonistas destes atos covardes que envergonharam o Brasil.
Para se ter uma idéia, a Operação Bandeirantes (Oban), criada em junho de1969 pelo comandante do II Exército (São Paulo), general José Canavarro Pereira, foi também uma idéia de civis – notadamente, grandes empresários de São Paulo.
As ordens para a montagem de um organismo que reunisse elementos das Forças Armadas, da Polícia Estadual – civil e militar – e da Polícia Federal para o trabalho específico de combate à subversão foram dadas ao final de 1968 pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, paulista de Mogi Mirim.
Poderia aqui falar do famoso delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, carioca de Niterói, que fez brilhante carreira no Dops de São Paulo, e do covarde assassinato do jornalista Wladimir Herzog em dependências do DOI-Codi paulista, mas acho que já deu para passar o meu recado.
Uma comparação que seria demais
Volto a ressaltar, no entanto, que o meu texto não é em hipótese alguma uma resposta ao senhor Chico Lang, mas sim, uma forma de esclarecer a dúvida de um amigo. A de que existem, sim, espaços na imprensa onde a opinião deva ter o seu lugar e ser respeitada.
Mas, infelizmente, mesmo sabendo que a postura de Chico Lang como colunista é a de um torcedor, sou obrigado a dizer aqui que a forma descontextualizada com que o mesmo postou o artigo em referência só contribui para a desqualificação dos profissionais da imprensa. Daí a pergunta do meu amigo: ‘Isto é jornalista????’
Também é de se lamentar que a Fundação Casper Líbero, responsável pela Gazeta Esportiva.Net, não se atente pelo conteúdo que é emitido por um de seus veículos.
Não estou falando aqui de censura, mas de uma instituição que fundou a primeira Faculdade de Jornalismo da América Latina, por onde passaram pessoas como José Hamilton Ribeiro, um exemplo de ética profissional! Bom, deixa pra lá. Pelas referências que tenho e pelo que li, alongar o texto para fazer uma comparação entre Chico Lang e José Hamilton já seria demais.
Para finalizar, em uma coisa Chico Lang tem razão no seu artigo: ‘E assim caminha a mediocridade…’
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Jornalista e gerente de Relações Institucionais, São Paulo, SP