Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

E Romário não parou

Em tempos de retrospectivas e mesmices de fim-de-ano em todos os cantos, nada parecia mudar o andamento das notícias esportivas. A despedida do Baixinho, ‘Gênio da pequena área’, proclamada aos quatro ventos pelo jornalista Renato Maurício Prado, do jornal O Globo, seria a grande guinada no rumo das matérias. Só que Romário apareceu dando um elástico no jornalista, e eu não poderia deixar esse drible passar sem dar aplausos de pé. Portanto, antes de qualquer parágrafo, peço palmas ao Baixinho por fazer o mau escritor de ficção do Globo pagar o mico do ano.

‘Romário parou’ nas manchetes de terça; na quinta, justificativas engraçadíssimas para o furo furado. Terça pela manhã, pão com manteiga na mesa, jornal aberto na página de esportes, meu pai me pergunta: ‘O Romário vai parar mesmo?’ Li a matéria assinada pelo habitual ficcionista Renato Maurício Prado e, com a maior cara de dúvida, respondi: ‘Sei não, hein, pai, isso é coisa do cara que errou um monte de vezes. Lembra da entrevista do Meligeni sobre o Guga, em que ele colocou coisas na boca do cara que ele nem disse? E a Daiane, que ele cisma que perdeu a medalha olímpica por causa do joelho? Fora as encheções de saco pro Guga demitir o Larri Passos do cargo de técnico. Chegou a publicar que o catarinense realmente arrumaria técnico novo’.

Manteiga pra cá e pra lá, faca passeando e meu pai responde, como se estivesse num comercial de cerveja (em vez de sotaque nordestino, gaúcho): ‘Será?’ O será se transformou na mais límpida das certezas: o mau ficcionista inventou mais uma vez. Não é novidade. Quem conhecia seus textos já via a matéria sobre a despedida de Romário com olhos desconfiados. A editoria de esportes do Globo acreditou mais uma vez e teve que pagar com sua imagem por mais um erro crasso. Vai continuar acreditando?

O mais curioso nisso tudo são as lamentações e as explicações do colunista para o furo esfarrapado. Teve que escrever sobre seu erro. Não me lembro de tamanho mico em praça pública. Vai ver foi O Globo que o obrigou a fazer expiação, com milho nos joelhos e cipoadas nas costas. Porém, para quem achava que o digníssimo ficcionista diria que queimara a língua, se apressara no juízo ou que errara humanamente na interpretação dos fatos, o pior: falou que o culpado provavelmente era o pior dos conselheiros, Eurico Miranda. Ele haveria aconselhado Romário a não parar de jogar.

Destaque ad eternum

O que esse sujeito tem de pesadelos com o nome do presidente vascaíno é uma grandeza. Devem ser daqueles pesadelos bem infantis, com gritos fantasmagóricos e correntes se arrastando nos porões de lúgubres calabouços e caramanchões históricos. Só assim para explicar a sua tara. Romário já é bem grandinho para ter juízo próprio. Todos que conhecem futebol sabem disso. Deve ter falado até em algum momento a frase ‘Parei’. O interlocutor poderia perguntar com todos os detalhes: ‘Parou mesmo, Romário? Isso quer dizer que você não joga mais? Nunca mais?’. Não, o interlocutor preferiu interpretar à sua maneira (psicanaliticamente: sua opinião há muito tempo é para que o ‘gênio da pequena área’ pare, daí juntou a fome com a vontade de comer, escutou palavras desencontradas e associou de acordo com seu desejo) e hoje culpa Romário e Eurico Miranda por seus erros.

Opiniões são volúveis, mas Renato Maurício Prado preferiu fazer de uma opinião qualquer de Romário uma declaração oficial de despedida. Mandou publicar texto com números da carreira, apanhado geral dos clubes pelos quais o Baixinho passou, como se ele, numa entrevista coletiva, houvesse afirmado: ‘Gente, parei’.

O jogador não falou oficialmente, logo, deveria haver cautela na publicação. Tais cuidados passam longe de alguns que transitam na mídia esportiva. Por esse exemplo, podemos colher uma verdade: nunca é demais desconfiar e até mesmo rir de textos de jornal. Tal drible na imprensa esportiva merece destaque ad eternum. É um exemplo de como se publicam mentiras baseadas em palavras ou documentos desencontrados e de como se pode driblar com elegância tais carrinhos criminosos.

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Psicólogo, Rio de Janeiro