Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

E se fosse na Avenida Brasil?

O acidente que matou cinco jovens na Lagoa, na madrugada de 3 de setembro, abalou o Rio. Não se fala de outro assunto. Numa romaria curiosa e macabra, centenas de pessoas de todo o país enchem de mensagens as páginas das vítimas no Orkut, com quem nunca trocaram uma palavra.

Os jornais suitam o caso todos os dias, com direito a página inteira do Globo dedicada à carta escrita pelo pai de uma das vítimas. Com tanta repercussão, as autoridades já começaram a anunciar medidas para “evitar novas tragédias”. A polícia investiga se o jovem que guiava o carro comprou bebida em frente à boate. A prefeitura já anunciou a instalação de novos pardais eletrônicos para coibir o excesso de velocidade. Uma juíza pediu aos pais vigilância incessante da rotina dos filhos.

Realmente, foi uma lástima. Já perdi muitos amigos em acidentes de carro e, como mãe, tento mensurar o que é perder um filho de forma tão abrupta. No entanto, penso que há mais que simples comoção por trás de tanto alarde.

Era um grupo de cinco jovens bonitos, ricos, moradores da Zona Sul, saindo de uma boate na Lagoa num Honda Civic. Assim foi descrita uma das vítimas pelo Globo: “Ivan morava em Ipanema e freqüentava a Praia do Arpoador. Ex-aluno do Andrews, estudou teatro no Tablado (…)”. Minha dúvida é: fossem eles feinhos, suburbanos, saindo da Via Show num Monza lotado e se espatifassem na Avenida Brasil, teriam sua morte alardeada como a maior tragédia urbana carioca dos últimos tempos? Desconfio que não… e não pensem que se trata de preconceito às avessas.

Para seu “público-alvo”

Basta lembrar de casos recentes noticiados pela imprensa carioca para percebermos o quanto ela ainda é elitista. Em 2003, uma adolescente de classe média morreu numa troca de tiros entre policiais e um assaltante no metrô da Tijuca. Como agora, houve cobertura por meses nos jornais, sociólogos e especialistas em segurança pública analisavam o assunto em programas de TV, houve passeatas, caminhadas, atos de protesto. Tudo bem, a violência deve debatida e analisada, mas peraí! Deixemos a hipocrisia de lado. Outros jovens morrem aos montes, todos os dias, vítimas de balas perdidas, execuções e tiroteios nos morros da cidade e pouco se fala sobre o assunto. Por que será? A verdade é que a vida humana vale menos quando o humano em questão é pobre.

Os pais da Zona Sul sabem que favelados morrem jovens no Rio de Janeiro. Porém, acreditam que seus filhos, no belo cenário em que vivem, aparentemente protegidos do tráfico, dos bondes, da polícia, das guerras entre facções criminosas, não correm tantos riscos. Até que, um dia, se deparam com a cena paradoxal à perfeição estética da Avenida Borges de Medeiros – um dos endereços mais caros do Rio de Janeiro: cinco corpos estirados, cobertos com aquele sinistro plástico preto. A constatação choca: eles também são vulneráveis.

E a imprensa, feita para seu “público-alvo” – outros pais de classe média, em sua maioria – mostra-se também estupefata. Basta observar o título usado pela revista Época na matéria sobre a menina morta no Metrô: “Poderia ser sua filha.”

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Jornalista, 29 anos, Rio de Janeiro