Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A lide do lead

Foi em meados da década de 1920 que o americano Walter Lippmann publicou seu livro Opinião Pública e, desde então, o jornalismo foi o mesmo. Como a tendência é culpar o autor da ideia, seria fácil colocar em Lippmann todas as cruzes do jornalismo hegemônico, conservador e “caixote”. Esse jornalismo de protocolo. Mas bem, não foi ele. A culpa é de quem venera esse jornalismo, a começar pelo tão afamado lead e a continuar com a tal da pirâmide invertida. Ambos com aquela ideia de informações básicas e cruciais no início do texto e aumentar a desimportância até que você possa mesmo excluir o último parágrafo.

O erro aí é filosófico. Porque a justificativa é que isso “prende” o leitor e ajuda no entendimento do texto. Mas na prática a gente descobre que ninguém pensa nisso e nem é a verdade. Essas práticas só são boas porque facilitam a vida dos preguiçosos e de editores que querem logo fazer o título da matéria, o olho, a legenda da foto e a chamada da capa. Sem ter que ler o texto inteiro, claro. E também de poder apagar os últimos parágrafos para o texto caber no espaço destinado porque, bem, teoricamente aquilo tudo é desimportante. Mas o argumento é: se fosse desimportante, nem teria sido escrito.

Mas há a questão do espaço, de disponibilizar texto àquela determinada caixa separada exclusivamente para tais fatos, ou seja, toda aquela história deve caber ali. E aí tudo se encaixa: a facilidade para compor uma página, colocando uma caixa em cima da outra. O mesmo vale para o texto. Só que a pilha é invertida e, daí, a tal da pirâmide ser ao contrário. De modo que se retire a última “caixa”. Uma imensa bobagem, tão logo se sabe. Porque um texto não é formal. Aí recorremos àquela velha discussão literária entre formalistas e estruturalistas. Velha não, acabada. Finda. Porque não há mais espaço para o debate.

Conflitos éticos

Toda e qualquer teoria literária (e aí se entende todo e qualquer texto ou linguagem) sabe da importância de toda a estrutura, o contexto, essa coisa toda. E que forma só deve ser levada em conta se fundamental. O que é poucas vezes. A lide que se tem com o lead é cada vez mais imposta e cada vez menos questionada. Virou o protocolo: lead, sublead e blablablá. Em algum lugar nesse tempo pós-Lippmann, faculdades de Jornalismo e jornalistas inventaram que esta é a técnica a ser seguida, apesar de negarem de pés juntos o jornalismo como uma ciência.

Digamos que tudo bem e que esta seja a lei. Mas qual é a atividade que em quase 100 anos não mudou, apurou ou questionou suas técnicas? Acho difícil que um médico realize cirurgias de modo idêntico ao que se fazia na década de 1920, mesmo que a técnica fosse revolucionária para a época. Mas aos jornalistas, por convenção e facilidade, não é dada a chance de argumentar os propósitos. E talvez aí se encaixe o não entendimento do jornalismo como ciência, já que não há debate sobre o fazer jornalístico. Quando há, fala-se estritamente de ética. E aí voltamos à questão da estrutura, do contexto, desse encaixe.

Um grande erro é achar que a profissão concede aos jornalistas a capacidade de decidir o que é mais importante e elencar ou ranquear essas “importâncias” em meio aos textos, falas ou ordem das páginas. Isso mesmo, bem anos 1920. No entanto, a profissão só concede mesmo a ação de informar. E podemos passar a vida discutindo a importância de uma informação em relação a outra e entraremos também em conflitos éticos, que se iniciam nas coisas sensacionalistas (ou é deveras importante para a sociedade saber que um acusado de abusar sexualmente dos filhos é homossexual?). Mas isso já é o último parágrafo e deve ser descartado. Leiam só o primeiro. Onde está o lead?

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[Vandré Abreu é jornalista, Goiânia, GO]