Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Do ódio à crise

Em entrevista a Jon Stewart (8/11), o infame Bill, marido de Hillary Clinton, uma espécie de ministra das Relações Exteriores nos Estados Unidos, expressou seu pensamento político ao classificar países estrangeiros como competidores. Em entrevista ao Globo News (2/12), Christiane Lagarde, sucessora do difamado Dominique Strauss-Kahn na direção do FMI, revelou acreditar que a crise financeira europeia é consequência daquele continente ter subestimado a capacidade dos concorrentes – leia-se, possivelmente, Brics. Em um infeliz artigo publicado na Time.com (8/12), Tim Padgett afirma que a moeda brasileira, desde FHC até o artigo de Padgett, permitira-nos viver economicamente em festa. O precário veículo digital da agência oficial de notícias iraniana divulgava, há cerca de um ano, que cidadãos daquele país protestavam artisticamente, através de frases em grãos de arroz, contra a ameaça militar do mais belicoso país norte-americano.

Conquanto a notícia sobre o Irã seja mais propriamente um exemplo do ridículo, as quatro situações se revelam fundamentalmente baseadas no ódio, a despeito desse sentimento ter sido explicitamente admitido ou não pelos seus protagonistas. Um dicionário escolar que contenha as definições de todas as palavras cujos sentidos os leitores conhecem, define ódio como “1. Aversão profunda. 2. Raiva; rancor”. Na descrição jornalística das mazelas urbanas, convencionou-se chamar “crime de ódio” às ações dos grupos terroristas de extrema-direita contra nativos americanos, homossexuais, ou negros, entre outros portadores do estigma.

Embora universalmente disseminada, é desejável supor que a prática do ódio não depende apenas do, este sim, compreensível, desejo de autopreservação; de outra forma provavelmente suficiente para motivar as ações necessárias, justamente, à autopreservação. O ódio sugere, e por isso é tão tentador, que é condição para a autopreservação a destruição do outro. E por isso é possível dar-lhe a interpretação psicanalítica que o associará aos indivíduos que, atormentados pela subavaliação que fazem de si mesmos, necessitam agredir gratuitamente para se sentirem pelo menos equipotentes.

Rejeitar o ódio é a solução

Assim, é amarela a luz que se acende quando um ex-presidente dos Estados Unidos pretende inspirar seus compatriotas pela sugestão de que os países, como competidores, estão engajados em uma corrida hegeliana de onde apenas um sai vencedor. Mutatis mutandi, o mesmo que se diga de Lagarde e dos ricos aos quais mais ela presta suas contas.

Já Padgett foi apenas tão incapaz de se colocar acima de seu próprio tempo quanto: por volta de 1942, os jornalistas alemães que classificaram de “festival de luzes” as queimas de livros não-nazistas; ou tanto quanto os redatores japoneses que chamaram publicamente de competição esportiva o esforço de dois oficiais imperiais que, disputando, lograram matar 100 prisioneiros chineses tão somente com suas afiadas espadas de samurai. Se a capacidade de avaliação semântica de Tim Padgett fosse transformada no aconselhamento político que guiou Pol Pot e Stalin, provavelmente teriam se repetido as últimas fomes genocidas que assolaram o Camboja e a Ucrânia.

Embora Clinton e Lagarde não se deem conta, rejeitar o ódio, pela adoção de políticas para a inclusão, no sistema financeiro, da massa de trabalhadores imigrantes não-contabilizada, é justamente a solução do problema pelo qual se veem levados ao ódio. Fica a esperança de que essa conclusão não dependa apenas da inspiração contida no artigo de Padgett ou nas poesias do grão de arroz.

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[Rodrigo Panchiniak Fernandes é professor universitário, Florianópolis, SC]