A posse do jornalista Nelson Breve na presidência da Empresa Brasil de Comunicação-EBC foi realizada na sexta-feira (9/12), em Brasília, numa solenidade cheia de sinais que ajudam a entender o contexto político em que se encontra a TV Brasil, principal canal de radiodifusão da comunicação pública que propõe o Governo Federal. O próprio discurso de posse do novo presidente apontou para os desafios políticos que enfrentará na gestão da emissora. Entre eles, o de transformar nós da TV Brasil em enlaces e o de fazer da Rede Nacional de TV Pública Digital Terrestre mais eficiente e mais eficaz, como instrumento de comunicação pública, portanto da sociedade.
Vamos por partes. A posse de Nelson Breve ocorreu 40 dias depois da saída de sua antecessora, a primeira presidente da EBC, jornalista Tereza Cruvinel, que não participou da solenidade. Não passou a “faixa”alegando uma incompatibilidade de agenda. Mandou uma carta, lida pelo cerimonial, em que ressalta as qualidades do seu sucessor que, segundo afirma, teria indicado ao cargo, antes de, segundo afirma, pedir para ser substituída. Um roteiro perfeito para quem ficou com o “filme queimado” depois de bater de frente com o Conselho Curador da EBC e de receber críticas de entidades representativas como o Coletivo Intervozes.
Abrindo o ato, a presidente do Conselho Curador, pesquisadora Ima Célia Guimarães Vieira, falou com a sabedoria da floresta (ela sabe a que me refiro) e, como num rito de passagem, enalteceu a gestão de Cruvinel, colocando uma “pá de cal” nas polêmicas. Vieira fez um discurso elegante, mas altivo, para o novo presidente, que bem sabe em que “missal” terá de rezar. Inevitavelmente, a questão da laicidade da programação, defendida pelo Conselho, frente à liberdade de expressão de cultos religiosos na TV pública, defendida pela gestão anterior, deverá entrar em pauta mais uma vez e com resultados que podem influir diretamente nas emissoras da Rede.
Direito à interatividade
Em seu discurso de posse, o novo presidente Nelson Breve também reconheceu o papel de Tereza Cruvinel nos primeiros quatro anos da TV Brasil. Fez um balanço da trajetória do que há pouco chamávamos de “embrião” de TV pública. Destacou os avanços na quantidade e na qualidade da programação, o título conquistado três anos seguidos (2008, 2009 e 2010) de emissora de canal aberto que mais exibe a produção audiovisual brasileira e o recente prêmio Embratel de telejornalismo na categoria Educação. E falou também do serviço de TV interativa, instalado em São Paulo e Brasília, através de programas disponibilizados pela Previdência Social e Caixa Econômica.
Mas o melhor foram os desafios listados por Breve – e aqui destaco cinco deles. O primeiro é o da eliminação dos preconceitos. “Os nossos e os da sociedade”, afirmou, defendendo que “a EBC é de todos”, é da pluralidade e que, assim sendo, “não deve ter preconceitos com pessoas, religiões, ideias, partidos ou políticos”. Segundo, o de ser exemplo em direitos humanos, principalmente em acessibilidade. Breve referiu-se à massificação do uso da língua brasileira de sinais e da audiodescrição na programação, o que é muito louvável. Não ao conceito amplo, menos analógico e mais digital, de acessibilidade, que deveria ser abraçado – afinal surdos e cegos não querem só ver TV; querem também o direito à interatividade.
“Temos que nos fazer necessários”
Um terceiro desafio listado pelo presidente é o de “fazer diferente, ser complementar (às emissoras privadas ou estatais, certamente), experimentar, ousar”. E o quarto, o de “trespassar a cultura das regiões pelas regiões” do país, contemplar todos os sotaques, pois “a fala é a mistura de muitas vozes”. Nestes casos, a sugestão é de que a TV Brasil adote a multiprogramação que, ao lado da interatividade, não parece ser do interesse das emissoras privadas. Assim, sem grandes perdas na qualidade de áudio e vídeo digitais, seria possível ousar fazer uma TV pública colaborativa e inclusiva no que se refere à produção de conteúdo e mais representativa dos Brasis que somos.
O quinto desafio que destaco é o de melhorar a audiência do traço (que não atinge 1% dos telespectadores). Breve esboçou um gracejo diante da triste realidade de que nossa melhor TV pública, financiada com o dinheiro público, praticamente não é vista por ele, não lhe serve como canal público de informação e expressão. Disse que o traço da EBC nas pesquisas é “o que liga as regiões” e que a emissora tem “um traço diferente” em relação às demais. E, com muita seriedade e serenidade, reconheceu que a TV Brasil tem que se encontrar com sua verdadeira vocação de serviço público, o que pode ser o maior nó da sua gestão, afirmando: “Temos que nos fazer necessários.” E completou: “A gente precisa cair no gosto do povo.”
O conhecer o discurso do novo presidente da EBC/TV Brasil, clique aqui.
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[Alberto Perdigãoé jornalista, mestre em Políticas Públicas e Sociedade, autor do livro Comunicação Pública e TV Digital]