A primeira característica que nos chama a atenção no quadro são alguns elementos do consagrado modelo dos reality shows. Sob a vigilância das câmeras, o teatro armado, supostamente “real”, tem por protagonistas os sujeitos da educação e por plateia o enorme quantitativo de brasileiros que sustenta o Ibope do programa: as ações e reações dos alunos e professores pressupõem, enquanto enunciados, como nos sugere Foucault, acontecimentos discursivos decorrentes de toda a rede institucional que extrapola a escola e toma a dimensão da grande máquina televisiva e vigilante que expande, da casa de dezenas para a de milhões, o número de espectadores que propiciarão a constituição de uma enorme fama, ou infâmia, que os consagrará momentaneamente no comentário geral da enorme massa de telespectadores brasileiros.
Os aspectos pessoais, emocionais e mesmo íntimos da vida de professores e alunos tornam-se atrações. O trabalho de edição preza por sequenciar relatos emotivos de professores e mesmo de pais de professores em trechos selecionados, filmagens de momentos particulares, tanto residenciais como de lazer, depoimentos de sentimentos que dizem respeito ao desestímulo dos profissionais. A exposição de pais e alunos, como na conversa do professor com a mãe, diante do seu filho em decorrência de sua indisciplina. Momentos íntimos como os da vida familiar junto aos cônjuges, pais e companheiros. A fala chorosa de uma professora ao relatar fatos de sua infância, assim como da mãe de um dos professores e do mesmo no segundo episódio.
A sala dos professores monitorada por câmera e microfone sugere a mesma dinâmica.
A desvalorização do profissional
A subalternização da fala do professor, reduzida a um gênero musical também subalternizado em nossa cultura, o funk, se dá através da repetição ritmada dos momentos de manutenção da disciplina, toma a dimensão de humor. A banalização da atuação do profissional docente atinge o grau máximo no segundo episódio na edição de movimentos da professora de maneira repetitiva, acompanhados musicalmente e descontextualizados das falas que, em concomitância são mixados desrespeitando a sua plena atuação profissional nos momentos de indisciplina dos alunos. A subalternização da fala é anunciada pelo apresentador Zeca Camargo da seguinte maneira: “[…] Sabe como a Elaine dá esse jeitinho? Isso merece um funk: […] Temida e poderosa, po-poderosa, po-pode-pode-poderosa. Vocês querem argumentar ou querem bagunçar, ba-bagunçar, ba-ba-ba-bagunçar”. Poderíamos nos perguntar, por exemplo, se o programa faria a mesma paródia com a fala de um profissional de uma categoria profissional valorizada e historicamente área médica nas situações precárias e constrangedoras que enfrenta nos hospitais públicos do país, criando uma fala de funk, por exemplo, assim: “Pode po-pode pode po-pode po-pode pode po-pode deitar aí no corredor mesmo. Po-pode deitar aí no corredor mesmo.”
O início do 3º episódio é anunciado: “Luz na passarela que o conselho de classe está no ar”, seguido da imagem de um professor cantando “luz na passarela” e dançando ao som do pandeiro na sala dos professores diante das câmeras. Mais uma ocorrência que, embora possa estar e esteja presente no cotidiano de outras categorias profissionais, talvez não fossem exibidas no caso das profissões mais valorizadas socialmente.
Em que momento as festas de confraternização de médicos ou de políticos seriam filmados em condições que desvalorizassem a condição do profissional (ver aqui).
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[Fabiano de Oliveira Moraes é escritor e professor, Vitória, ES]