Morreu sábado passado Kim Jong-Il, o bizarro ditador coreano que elevou seu faminto país de camponeses pobres a potência nuclear. O líder coreano, de hábitos controversos e aparência bufa, faleceu no sábado (17/12) aos 69 anos, informou o Último Segundo na segunda-feira (19). A BBC e o New York Times temem que a demora na informação possa estar a esconder alguma luta oculta pelo poder. Grande parte da mídia internacional, ao informar sua morte, referiu-se a ele como “Kim Jong II”.
A primeira informação na segunda-feira veio da KCTV, a estatal de notícias norte-coreana. O líder teria falecido em função de uma sobrecarga de trabalho e fadiga física. A agência depois informou que ele havia tido um ataque cardíaco, o que faz mais sentido. Jong Il foi citado num telegrama chinês como usuário de drogas recreacionais, que o levavam a ataques epiléticos e a degeneração de sua saúde geral. Quem informou foi o Foreign Police, braço investigativo do Washington Post, no dia 3 de dezembro de 2010.
O ditador tinha um estilo cinematográfico: viajava num trem blindado, como o líder bolchevista Pavel Pavlovich na novela Doutor Jivago, de Boris Pasternak (1957, Pantheon). O homem era fanático por cinema, mulheres e bebida, informou a Reuters(19/12), que denunciou a mídia local por promover uma imagem heroica do líder. Ele seria piloto de caça – mesmo quando viajava por terra em seu trem militar –, tinha memória fotográfica, escrevia óperas, produzia filmes e era inigualável no golfe profissional mundial. Mesmo só tendo jogado uma única vez.
Direitos humanos
Recentemente, recuperava-se de um ataque de apoplexia que o deixou fragilizado em 2008. O Guardian(19/12) informou que seu filho, Kim Jong Un estava sendo preparado para suceder o pai, que o promoveu a general e o nomeou para ocupar vários cargos importantes. O jornal inglês também registrou a preocupação com a situação regional: a Coreia do Sul pôs suas forças armadas em estado de alerta. Americanos e japoneses acompanham e compartilham detalhes da morte do ditador bufão. A tensão na península existe desde 1947 e persiste até hoje. Japão e Coreia do Sul estão ao alcance dos mísseis norte-coreanos. O periódico não deixou de informar o trágico registro dos direitos humanos no país, a última representação stalinista em poder no planeta.
O ditador sucedeu seu pai, Kim Il-Sung, em 1994. Comandava de fato seu país, pois não era formalmente presidente ou representante oficial. Chefiava, entretanto, os dois mais altos cargos na Coreia do Norte: presidente da Comissão de Defesa Nacional e secretário-geral do Partido Comunista. A burocracia do país o nomeou postumamente presidente perpétuo. O país é uma autarquia isolada do resto do mundo, visto como perigo potencial por seu maior aliado, a China, e pelos países do Ocidente, liderados pela eterna e surda desconfiança norte-americana do perigo nuclear que representa para o resto do mundo. Segundo órgãos de segurança norte-americanos, a Coreia do Norte pode ter condições suficientes para produzir oito artefatos nucleares básicos. Os americanos perderam as esperanças de qualquer solução negociada com Pyongyang depois do segundo teste nuclear do país, em 2009.
Existem dúvidas, entretanto, sobre o estabelecimento da dinastia dos Kim Jong. Nada está garantido e o jornal inglês apontou para a dificuldade do governo local em conciliar necessidades sociais econômicas básicas com rígido controle social. A punição coletiva mantém mais de 200 mil pessoas em prisões, e um relatório especial das Nações Unidas do ano passado descreveu a situação do país como sui generis e acrescentou: “Falando simplesmente, há várias instâncias de violação dos direitos humanos, todas perturbadoras e repulsivas”, publicou o Guardian na segunda-feira (19/12).
Tributo ao “querido líder”
O jornal também não deixou de registrar manifestações de pesar genuínas da população norte-coreana, que reagiu com demonstrações espetaculares de desespero e tristeza, entremeadas por chamadas da TV estatal norte-coreana, que pedia o apoio do povo ao filho do ditador. A mídia autoritária local quer Kim Jong III no poder. Mas as demonstrações não se comparam ao show de tristeza coletiva de 1994, quando seu pai Kim Il-Sung morreu. Hoje, há “um ar de cinismo entre a população”, detectou o informativo britânico. E o mundo ignora o que se passa realmente no país.
O New York Times(19/12) especulava sobre o apoio dos militares ao filho do ditador. “Ao contrário de seu pai”, informou o periódico nova-iorquino, “Kim Jong Un não teve tempo suficiente para ser preparado para “controlar um país disfuncional de 23 milhões de pessoas.” Autoridades da administração teriam dito que o jovem Kim precisaria de mais um ano para consolidar sua posição e ganhar a confiança dos comandantes militares norte-coreanos. Enquanto isso, um “regente” provisório seria indicado pelos militares para ocupar provisoriamente a representação oficial da administração do país, especulou o jornal norte-americano. O Guardian aposta em três anos até que o próximo líder possa realmente governar.
Seu nome aparece no topo de uma lista de 232 pessoas do Partido Comunista e militares de alta patente que formam o comitê para o funeral nacional, marcado para o dia 28 deste mês em Pyongyang. Analistas sul-coreanos acreditam que é um sinal de que ele está no poder. O New York Times acrescentou que autoridades norte-coreanas estão a preparar, para o dia seguinte ao funeral, um encontro nacional de luto, quando os cidadãos do país deverão prestar três minutos de silêncio em tributo ao “querido líder” morto.
O estilo de vida e os excessos provavelmente precipitaram sua morte. Kim Jong II morreu dentro do trem blindado que usava em suas viagens. E o mundo ainda não sabe se haverá ou não um Kim Jong III.
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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]