Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Pedra nos sapatos

No mundo de hoje, a figura do questionador, do lutador e do que não aceita injustiças soa mal para os poderosos de plantão, que são chefes, coordenadores, diretores ou vinculados ao poder de qualquer forma. Os que estão lutando contra injustiças, contra desmandos ou todo tipo de exploração são tachados pejorativamente de pedras no sapato e são execrados pública e ocultamente pelos tais chefetes que muitas vezem fazem de tudo para chegar ao poder. Traição, puxa-saquismo e até artifícios criminosos são utilizados pelos que querem a todo custo garantir posição social e riqueza utilizando sempre o individualismo como ação para desenvolvimento de seus interesses ou dos grupos de que fazem parte.

Claro que a formação crítica tão preconizada pelos que estão nos governos é fortemente combatida não publicamente, mas nos bastidores, onde se trama, na calada da noite, a queda daqueles que não aceitam prontamente os desígnios dos que querem a todo custo manter privilégios e benefícios para si e para os que estão a seu lado. Infelizmente, tem sido esta a prática em nossas escolas, nos cursos de pós-graduação, nos concursos para professores, nas seleções de emprego e outra ações classificatórias. Infelizmente, a vida é assim e os que são chamados de “pedra nos sapatos” muitas vezes acabam se acomodando ou entrando firme na adesão ao sistema. Nosso mundo está ficando cada vez mais individualista e o egoísmo e a visão maniqueista acabam destruindo quem ousa ser diferente. Lembrem do que aconteceu com Zumbi dos Palmares, Lampião, Martin Luther King, Capitão Lamarca, Che Guevara, Chico Mendes, Irmã Dorothy e muitos outros tiveram que fazer parte da história com a morte e suas mensagens só floresceram de forma trágica.

Jornalistas precisam entender de educação

Tudo isso confirma que a educação questionadora, crítica e pautada no diálogo está muito longe de acontecer, pois na prática qual seria o bom aluno? Aquele que questiona, que se rebela contra a enrolação, que diz que algo deve mudar? Na realidade os alunos rebeldes são sempre convidados a se retirarem de sala ou da Escola , pois nossas escolas preferem os pacíficos e mansos de coração com diz o próprio evangelho. Vivemos uma situação terrível em termos de democracia, pois hoje a ditadura é de dinheiro e poder e nosso povo está órfão de lideranças e de ação política humanitária e coletiva. O que vemos hoje é em muitos casos darem preferência a pessoas que tergiversam e acabam se acomodando ao poder como são casos de famosos que gritavam, faziam ações até agressivas contra os poderosos e até pegavam em armas e hoje estão silentes, democraticamente alinhados e não questionam a forma de poder que temos hoje.

Paulo Freire, em seu livro Pedagogia do oprimido, nos falava claramente sobre a ação anti-dialógica que se manifestava na conquista, na divisão das massas e na cultura, que são elementos essenciais para evitar a mudança do estado de coisas. A obra do grande educador nos parece cada vez mais real e mais adequada ao momento em que os que se dizem esquerdistas estão no poder – vejam só o tipo de repressão aos professores na luta pelo piso ou mesmo o que foi feito com soldados e bombeiros no Rio de Janeiro e no estado do Ceará e a repressão sobre policiais civis em greve no Ceará. Onde estamos? Os oprimidos que Paulo Freire citava não se reconhecem como oprimidos e até criticam lutas como esta e têm claro uma boa contribuição de nossa imprensa, que faz questão de ressaltar as lutas populares como baderna e/ou rebeldia.

As pedras nos sapatos estão crescendo, mas pouco podem fazer diante dos que estão no poder e podem amaciar seus sapatos com cromo alemão que está presente no absenteísmo da discussão política que precisa ser ativa, conclusiva e verdadeira. Recentemente, o jornal O Povo, octogenário (dia 18 de dezembro), chamou a educação de mercado e negócio. A manchete é bem clara e está na capa do jornal: “Mercado da educação”. Desde quando educação é mercado? O que se esconde atrás deste tipo de interpretação? Serei muito crítico ou nossos jornalistas precisam entender melhor da educação para escrever suas matérias? Só sei que foi assim parafraseando Ariano Suassuna… Os professores que são pedras nos sapatos estão escasseando, alguns já morreram outros aderiram fielmente ao sistema neoliberal hoje em vigor, jornalistas nem se fala…

***

[Francisco Djacyr Silva de Souza é professor, Fortaleza, CE]