Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Balanço sem drama nem oba-oba

A economia brasileira foi destaque internacional no fim 2011, com a imprensa britânica noticiando a ascensão do Brasil ao sexto lugar entre as maiores potências econômicas, posto ocupado anteriormente pelo Reino Unido. A informação foi baseada em projeção do Centro para Pesquisa Econômica e de Negócios, de Londres. Pelos cálculos divulgados, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve ter chegado a US$ 2,51 trilhões em 2011. O do Reino Unido deve ter ficado em US$ 2,48 trilhões. A confirmação oficial desses dados só virá em alguns meses, quando os governos fecharem as contas.

A informação foi manchete de três jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo na terça-feira (27/12), mas, de modo geral, a história foi tratada com sobriedade. Até o ministro da Fazenda Guido Mantega foi comedido em seus comentários e lembrou a distância entre as condições de vida no Brasil e nos países mais desenvolvidos. Em algum momento nos próximos 10 a 20 anos, disse o ministro, os brasileiros terão um nível de vida tão bom quanto o do mundo rico antes da crise.

Na última semana de 2011 os jornais trataram de juntar informações, em grande parte incompletas, para um balanço do ano. De modo geral, conseguiram oferecer ao leitor material suficiente para montar um quebra-cabeça com peças de cores variadas, algumas luminosas, outras nem tanto. O noticiário sobre as contas públicas foi apresentado de forma positiva.

Dados melhores

Quase todos os grandes jornais deram destaque ao cumprimento de 99% da meta fiscal até novembro, com superávit primário de R$ 126,8 bilhões acumulado em 11 meses. Esse resultado é a economia feita, no dia a dia da administração, para o serviço da dívida pública. Como em geral é insuficiente para cobrir todos os compromissos vencidos, o setor público permanece com um déficit nominal. Entre janeiro e novembro esse déficit chegou a R$ 89,4 bilhões, valor correspondente a 2,36% do PIB.

Na maior parte da Europa o rombo fiscal é muito maior. É estimado em 3,7% na Itália, 5,8% na França e 8,8% no Reino Unido. OGlobo publicou um excelente quadro colorido com os dados principais das contas brasileiras e as comparações internacionais. Bons gráficos permitem apreender rapidamente a informação essencial e facilitam a leitura do material. Com frequência, no entanto, os gráficos publicados em jornais brasileiros são um desafio até para o leitor especializado.

O balanço do mercado financeiro foi publicado sem grandes variações entre os jornais. Na sexta-feira (30/12), Estado de S.Paulo e Globo chamaram a atenção na primeira página, em matérias de uma coluna, para a queda de 18,1% da bolsa brasileira, A Folha de S.Paulo deu manchete com o outro lado da história, a valorização do ouro e do dólar. Os dois lados compõem um cenário de crise perfeitamente enquadrado nas mais velhas tradições do mercado financeiro. Nas seções de economia, a grande manchete havia sido publicada pelo Globo no dia anterior (29): “Crise engole uma Vale na Bolsa”. As empresas de capital aberto perderam R$ 213,6 bilhões de valor de mercado em um ano.

Do lado mais luminoso houve as notícias sobre o desemprego nas seis maiores áreas metropolitanas, o mais baixo em nove anos. Também os dados da balança comercial, com superávit de US$ 26,84 bilhões acumulado até 25/12, foram bem melhores do que os previstos até havia poucos meses, graças aos preços dos produtos básicos e ao apetite da China por matérias-primas.

Fluxo significativo

O Banco Central divulgou em seu relatório trimestral de inflação um balanço provisório do ano e projeções para 2012. O BC estimou um crescimento econômico de 3% em 2011 e projetou uma expansão de 3,5% em 2012. O Ministério da Fazenda continua apostando num aumento maior para o PIB, algo na faixa de 4% a 5% nos próximos 12 meses. 

A projeção mais pessimista do BC é a da balança comercial. O superávit cairá de US$ 28 bilhões estimados para este ano para US$ 23 bilhões, e o gasto com importações voltará a crescer mais velozmente do que a receita de exportações – 7% e 4,3%, respectivamente. Essa tendência, já observada em anos anteriores, havia sido interrompida por algum tempo, mas deverá retornar, por causa do descompasso entre a demanda interna e a produção da indústria, submetida a uma forte concorrência estrangeira. Se a crise internacional, como se prevê, derrubar os preços das commodities, as contas externas brasileiras serão duramente afetadas.

O governo tem procurado apoiar a indústria brasileira diante dos competidores externos, mas tem recorrido principalmente a medidas de contenção das importações. A última novidade foi anunciada na semana final do ano pelo ministro da Fazenda: ele planeja mudar a forma de tributação dos têxteis e roupas importados. A ideia é deixar de lado a alíquota sobre o valor do produto e cobrar uma taxa sobre o peso. Esse regime é normalmente evitado, em todo o mundo, quando se trata de produtos manufaturados.

Os jornais foram além da informação oficial, publicaram opiniões críticas de quem entende do assunto e avançaram na discussão da política brasileira de regulação comercial. Essa política tem sido liderada há algum tempo pelo Ministério da Fazenda, sem participação das áreas mais competentes nessa matéria, como o Ministério de Relações Exteriores e a Camex (Câmara de Comércio Exterior). Numa economia com um fluxo de comércio acima de US$ 400 bilhões (exportações mais importações), regras de promoção e de defesa deveriam merecer um tratamento mais técnico. Alguns jornais, pelo menos, têm chamado a atenção para isso.

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[Rolf Kuntz é jornalista]