“Que notícia você gostaria de ler na Folha daqui a 90 anos?”
Esta é pergunta-título da campanha do jornal Folha de S.Paulo para celebrar sua quase centenária existência. Fiquei, logo de início, intrigado, depois ensimesmado e, minutos depois, apenas pensativo e algo taciturno, metido em pensamentos claudicantes sobre a efemeridade da vida. Com os meus botões, levantei a questão: para que, meu Deus, me servirá antecipar em nove decênios os assuntos que gostaria de ler em um jornal paulista?
Enveredando na racionalidade mais pura, direta e simplista, fiquei a imaginar se os assuntos rotineiros de uma cidade, de um país e do mundo fariam sentido quando já contasse nada menos que 142 anos de vida. Sim, porque agora tenho 52. E nesses cinquenta e dois anos testemunhei – na maioria dos casos de forma indireta, é verdade – eventos realmente históricos: a construção e a derrubada do muro de Berlim; a deposição de Fulgêncio Batista com a tomada do poder em Cuba por Fidel Castro; a revolução cultural na China de Mao Tsé-Tung; a Guerra Fria travada pelas duas superpotências EUA e URSS; a glasnost e a perestroika confluindo para a dissolução da União Soviética; diversas guerras e conflitos envolvendo Israel, Palestina, Egito e outras nações árabes; o fim do regime do apartheid na África do Sul; vinte anos de ditadura militar no Brasil e a Operação Condor norte-americana sufocando espasmos democráticos nos países vizinhos; a derrubada das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York; a megacrise financeira – ainda em curso – engolfando a Europa e os Estados Unidos.
Impressiona ver que quando olho o passado – não 90 anos, mas cerca de 50 – consigo registrar apenas o lado-sombra do mundo, os seus ocasos, os seus conflitos armados, seus processos de destruição e experimentos marcados pela crueldade em que as cobaias foram milhões de seres humanos. Somente após me dar conta disso que chamo lado-sombra é que sinto necessidade de pensar de forma mais positiva e buscar reter na memória dos últimos 52 anos fatos construtivos: a revolução musical e de comportamento acionada por uma banda de Liverpool, The Beatles; a chegada do homem à Lua; a revolução nas comunicações trazida pelos computadores, uso intensivo de sua rede mundial, telefones celulares e milhares de tralhas tecnológicas; a eleição da primeira Casa Universal de Justiça, no Royal Albert Hall, em Londres; os campeonatos mundiais de futebol conquistados pelo Brasil em 1962, 1970, 1994 e 2002; o primeiro papa polonês, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, o primeiro operário eleito presidente do Brasil, a primeira mulher eleita presidenta do Brasil; a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e o Rio de Janeiro para ser sede das Olimpíadas de 2016; o Brasil e as descobertas de petróleo na camada do pré-sal e sua projeção internacional e econômica, desbancando o Reino Unido como sexta maior economia do planeta; a Primavera Árabe – ainda em curso – encerrando longos ciclos de tiranias em países como Egito, Líbia, Tunísia.
Prazo factível
Pois bem: sinto-me tentado a mudar a formulação da questão “que notícia você gostaria de ler na Folha daqui a 90 anos?” para algo bem mais factível, como “que notícia eu gostaria de ler na Folha daqui a 9 meses ou, máximo, 9 anos?” No curto prazo de 9 meses – portanto, meados de outubro de 2012 – gostaria de ler na Folha de S.Paulo – e também no Globo e no Estado de S.Paulo – notícias em que:
** O Brasil passasse a ser retratado com maior fidelidade, em especial quanto às suas conquistas: melhoria substancial do poder aquisitivo do brasileiro, formidável inclusão de pobres, negros e índios nas universidades de todo o país, análises mais acuradas sobre o desenvolvimento do país;
** Reportagens mais bem apuradas, com amplo espaço para o contraditório, para o “outro lado”, preocupação em alto relevo com a veracidade dos fatos informados, maior equilíbrio ideológico na equipe de editorialistas e colunistas fixos, dando-se preferência à pluralidade de pensamento e considerando sagrado o direito de resposta a quem levianamente teve sua honra sob suspeição;
** Rejeição ao protagonismo político-partidário, abdicando-se em favor das instâncias partidárias a luta pelo poder político do país e renunciando ao papel autoconferido de ser linha auxiliar de políticos que não lograram êxito nas urnas, mesmo havendo certames eleitorais a cada eternidade de… dois anos.
Em linhas gerais, já me contentaria com avanços substanciais nas três vertentes acima, plenamente realizáveis no espaço de 270 dias.
Meios livres
Quanto aos próximos 9 anos… o assunto requer mais reflexão. É que não acredito em aumento da circulação diária do jornal impresso e, bem ao contrário, antevejo (mesmo sem ser Mãe Diná) uma diminuição cavalar no número de leitores diários assíduos.
Vejo dessa forma porque há muito detecto consistente crise de credibilidade do jornalismo impresso: é como se as palavras e os conceitos, as notas e as notícias estivessem em contínua “luta de foice e no escuro” com a realidade, tanto brasileira quanto mundial.
Outro fator inquestionável é o acesso vertiginoso das massas da população ao suporte digital, e com este o acesso a uma infinidade de portais, sítios, blogues e redes sociais que não fazem outra coisa que não alimentar a sede por informação, a fome por notícia. E, se como planejado, vier a ocorrer a produção de microcomputadores e tablets com preço final ao cliente por volta de módicos 100 dólares, o resultado será a consolidação do meio virtual como principal meio de circulação de informações – inteiramente livres de filtros ideológicos, políticos, partidários.
É quando cada um poderá escolher a sua praia, usando apenas essa coisa meio arcaica que atende pelo nome de… livre-arbítrio.
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[Washington Araújo é mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter]