Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falta energia, sobra censura, e ainda assim o jornal sai

O Sudão do Sul é o país mais novo do mundo – ganhou independência apenas no ano passado. A nova constituição garante a liberdade de imprensa, mas na prática as coisas são um pouco diferentes. A nova liderança militar nem sempre é simpática a ela.

Até pouco tempo atrás, o jornal em inglês The Citizen (O cidadão) era o único diário do país. Desde a independência em julho, no entanto, outros jornais foram abertos no Sudão do Sul. Em outubro, o jornal The Destiny (O destino) publicou uma coluna que descrevia o casamento da filha do presidente Salva Kiir Mayardit como não patriótico porque o noivo era etíope. O colunista e o editor-chefe foram detidos pelos serviços de segurança nacional e ficaram duas semanas na prisão, e o jornal foi fechado.

Desafios

O Sudão do Sul tem 10 milhões de habitantes, 80% deles analfabetos. O acesso à internet é escasso, são poucas as estradas asfaltadas e as quedas de energia são rotina. Tudo isso é somado ao aumento da violência tribal, que torna as coisas ainda mais difíceis.

Na redação do The Citizen na capital Juba, os jovens jornalistas têm que salvar seus trabalhos no computador e esperar para voltar a escrever cada vez que acaba a energia do gerador. Ainda assim, desde que foi fundado, em 2005, o jornal não deixou de ser publicado um só dia. Agora, no entanto, o desafio é outro: a nova liderança militar do país tem tornado as coisas mais difíceis, ao contrário do que se esperava depois da independência, conta Benno Muchler em artigo no New York Times [9/1].

Em novembro, foi realizado um fórum para estimular o diálogo entre a mídia do país e os serviços de segurança nacional. Mas o evento não parece ter aliviado o clima de tensão. Um porta-voz do Exército Popular de Libertação do Sudão, como é chamado o órgão militar do novo país, informou aos jornalistas o que eles podem cobrir e o que é “arriscado” para eles – a lista incluia a cobertura do Exército. “Se você é um jornalista responsável, fará algo apropriado para o país”, afirmou o porta-voz. Muitos dos repórteres que participaram do encontro disseram já ter tido experiências ruins com a nova liderança militar – que assumiu o poder após anos de opressão pelo regime do norte.

Cobrindo o fórum estava o jornalista Ater Garang Ariath, de 27 anos. Repórter do The Citizen, Ariath andou mais de 1,5 quilômetro para chegar ao evento, já que não havia ponto de ônibus perto do local e o mototáxi era caro demais para ele. O jornalista conta que escreve até 40 artigos por mês e ganha o equivalente a 550 reais. O dinheiro sustenta sua família.

Ariath começou a carreira como repórter do jornal do campo de refugiados onde vivia, em Uganda. Não há ninguém na redação, conta o artigo do New York Times, que não tenha sido afetado pela guerra. Outro repórter, Joseph Lagu Jackson, foi soldado mirim e aprendeu a usar um AK-47 aos oito anos de idade.

Ariath também já experimentou a censura. Certa vez, escreveu sobre os negócios financeiros de um membro do governo. Logo em seguida, recebeu uma ligação: se o jornal publicasse o artigo, ele teria problemas. O Citizen publicou a matéria. Ariath não foi preso, mas o editor-chefe, Nhial Bol, sim. Bol, por sinal, já foi preso três vezes desde 2007 por causa de artigos que acusavam autoridades de corrupção e má administração.

Ariath diz que tem muito orgulho de trabalhar para o Citizen, mas ressalta que o tabloide de 16 páginas precisa de mais editores: erros passam com frequência, às vezes na manchete. Muitos repórteres não têm fluência em inglês. E falta cor ao jornal. “Nas nossas fotografias, Obama é branco”, diz.