Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Repórter sem medo de riscos

Em 2009, ano do centenário da morte de Euclides da Cunha, o Estadode S.Paulopublicou uma série de reportagens sobre a vida e a obra do autor de Os Sertões. Em março daquele ano, Daniel Piza e o fotógrafo Tiago Queiroz viajaram para o Acre, onde percorreram de barco o último trecho da famosa viagem de Euclides às cabeceiras do Purus (1905). Daniel sabia dos meus laços afetivos e familiares com o Acre e do meu interesse pelos textos euclidianos. Por isso, me convidou para fazer parte da comitiva, mas infelizmente tive de cancelar minha participação. No entanto, acompanhei o seu “diário” de bordo ao Alto Purus e escrevi um posfácio para o livro que ele e Tiago publicaram em 2010.

Os ensaios amazônicos de Euclides estimularam Daniel a conhecer o Acre e refazer a parte final do itinerário da expedição de 1905. Ele tinha um enorme interesse pelo Brasil e pela cultura brasileira, e não apenas com o que vinha de fora. Certamente tínhamos divergências, que eram também temas de nossas conversas. Mas as discrepâncias em nenhum momento impediram uma amizade que durou mais de 12 anos. Ele escrevia sobre muitas coisas no calor da hora, às vezes se arriscando a fazer comentários apressados ou inadequados. Os jornalistas que lidam com a cultura sabem que isso é inevitável. Mas correr esse risco é um ato de coragem. A curiosidade, a vitalidade e a energia intelectual de Daniel Piza eram incomuns. Mais incomum foi a notícia de sua morte, que repercutiu como algo absurdo. Como é absurdo e doloroso perder precocemente um amigo.

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[Milton Hatoum é escritor]